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Índice desta página:
Nota: Cada seção contém Comentário, Leituras, Homilia do Diácono José da Cruz e Homilias e Comentário Exegético (Estudo Bíblico) extraído do site Presbíteros.com

. Evangelho de 24/10/2010 - XXX Domingo do Tempo Comum
. Evangelho de 17/10/2010 - XXIX Domingo do Tempo Comum


Acostume-se a ler a Bíblia! Pegue-a agora para ver os trechos citados. Se você não sabe interpretar os livros, capítulos e versículos, acesse a página "A BÍBLIA COMENTADA" no menu ao lado.

Aqui nesta página, você pode ver as Leituras da Liturgia dos Domingos, colocando o cursor sobre os textos em azul. A Liturgia Diária está na página EVANGELHO DO DIA no menu ao lado.
BOA LEITURA! FIQUE COM DEUS!

24.10.2010
XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C

__ “DEUS TORNA JUSTO QUEM O BUSCA COM FÉ” __

Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! Todos os homens participam da mesma impotência e são solidários no mesmo estado de ruptura com Deus; não podem salvar-se por sí mesmos, isto é, não podem entrar sozinhos na amizade de Deus. O primeiro ato de verdade que o homem deve fazer é reconhecer-se pecador, impotente para se salvar, e abri-se pois, à ação de Deus. Entoemos cânticos ao Senhor!

(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)


PRIMEIRA LEITURA (Eclo 35,15b-17.20-22a): - "A prece do humilde atravessa as nuvens!"

SALMO RESPONSORIAL 33(34): - "O Pobre clama a Deus e ele escuta: o Senhor liberta a vida dos seus servos."

SEGUNDA LEITURA (2Tm4,6-8.16-18): - "Agora está reservada para mim a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia."

EVANGELHO (Lc 18,9-14): - "Pois quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado."



Homilia do Diácono José da Cruz – XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM – (Ano C)

Dois Homens, duas orações...

Quando me deparo com esse evangelho, mais conhecido como do “Fariseu e do Publicano”, sempre costumo dizer que as nossas comunidades cristãs, iriam gostar do Fariseu, que era um modelo de Vida, alguém bem visto por suas ações, homem íntegro, de moral inabalável, cumpridor de todos os seus deveres e obrigações para com Deus e para com o próximo, se fosse hoje, as igrejas cristãs o disputariam, pois seria uma honra acolhê-lo como membro da comunidade, ainda mais em tempos em que algumas lideranças se envolvem em tantos escândalos....O Fariseu, digo e repito, seria querido por todos e muito bem visto pela sociedade.

Quanto ao nosso amigo Publicano, não tinha uma ficha limpa, se freqüentava a comunidade era muito pouco, era uma pessoa que a gente via na cara que era pecador, deveria ter nas costas muitos roubos na cobrança de impostos, fora outros pecados que certamente cometia. Seria como hoje, a comunidade receber a visita indesejável de um político corrupto, era alguém odiado pelo povo. Não seria bem acolhido e bem visto, como membro da comunidade, muitos iriam olhá-lo de lado e diante dele empinar o nariz “Não sei o que um tipo como esse vem fazer na nossa igreja....”

Então que a gente não se iluda, apesar da propaganda boa, feita a favor do publicano, o bom da história é o Fariseu, quanto ao comportamento, piedade, devoção, testemunho, fidelidade e amor á comunidade e as obrigações cristãs. Mas na hora de rezar, o Fariseu estragou tudo, o que nele era bom e saudável, suas obras, sua integridade, seu testemunho perfeito, tudo virou fachada, porque cometeu um erro gravíssimo ao comparar-se com o Publicano. Na hora da oração acabamos revelando quem somos....

Nosso modelo de vida é Jesus Cristo, o Verbo Divino encarnado em nosso meio, o Novo Adão, aquele que também nos renova na graça e na salvação oferecida á nosso favor, jamais devemos nos comparar com as pessoas, nem com as santas e justas, e muito menos com as pecadoras, porque no caso das primeiras, iremos nos considerar inferiores, e no caso das segundas, que é o caso do Fariseu, há o grande perigo de nos considerarmos superiores, melhores, mais qualificados.

Aparentemente, como já o dissemos, o Fariseu era aquele crente fervoroso, cristão praticante, ajoelhado lá no primeiro banco, olhando para a frente com altivez, claro que a sua oração não era feita em voz alta senão quem o ouvisse já saberia quem é ele, mas o evangelista arranca a oração do coração, aquela que brota de dentro de nós, aquela que muitas vezes jamais teríamos coragem de manifestá-la na assembléia. E o mesmo ele faz com o publicano, um R X, um ultra som da espiritualidade de ambos e daí, no quesito oração, nosso piedoso Fariseu perdeu de goleada para o homem constrangido, lá do último banco.

Pois é aí no coração, nas profundezas do nosso ser, que a oração causa seu efeito primeiro, o evangelho não está debatendo qual oração Deus ouviu, qual foi mais bem feita, mas qual mostrou realmente quem era aquele que orava, ser justificado é o impacto da oração em nós e não em Deus, Ele sabe tudo, inclusive quem somos, se maus ou bons, se sinceros ou mentirosos, Deus nunca cai em nossa “Lábia”, pois conhece-nos por dentro, mas as pessoas não nos conhecem e nos julgam pela aparência.

O Publicano foi sincero consigo mesmo, sabia que era um causo perdido, suas obras não o recomendavam diante de Deus, não tinha nada de bom para colocar diante de Dele, por isso clama por misericórdia, isso é, que Deus não o trate segundo seus pecados, que eram muitos. Essa oração lhe fez bem, colocara diante de Deus quem ele era, um pecador, quem sabe, a partir daquele momento, em que encontrara a Verdade Absoluta, a conversão não começaria a ocorrer?  Se pedira misericórdia é porque no fundo sabia que Deus o amava, mesmo sendo um pecador. Diferente do Fariseu que sentia-se amado por Deus porque era um homem bom, crente e fiel. O amor Divino era conseqüência das suas ações, teria que continuar a fazê-las mais e mais, para satisfação de Deus.

Já o publicano deixou o templo com o propósito  de ser bom, porque Deus era Bom e o amava, como diz Santa Tereza “Deus nos ama, não porque somos bons, mas para que sejamos bons”. Por essa razão saiu justificado – afirmou Jesus.  Nesta vida, tudo o que mais precisamos é da misericórdia de Deus, que é dada á todos os que se julgam pecadores, mas negada veementemente aos cristãos de “nariz empinado”, piedosos e fervorosos, que se tem como modelo de vida, que olham com desdém para os pecadores, e que até evitam estar com eles, porque a impureza deles poderá contaminá-los.

Esse Farisaísmo nos leva longe de Deus, que não gosta de conduta moral inabalável nem da integridade das ações, porque não há um só homem perfeito sobre a face da terra, a não ser Jesus Cristo, o Verbo Encarnado, que assumiu a nossa fragilidade humana. Olhando para Cristo Jesus, nossa única referência, conseguimos nos irmanar a todos os homens, vivendo relações fraternas, pautadas pela misericórdia. É isso que importa.....e que faz a diferença na hora em que rezamos...

José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail  jotacruz3051@gmail.com


Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa – XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM – (Ano C)

“Conhecimento próprio”

A falta de conhecimento próprio é causa de muitos erros na nossa vida. Pensamos que somos o que não somos e não consideramos o que realmente somos. Frequentemente sofremos à toa, simplesmente porque não nos conhecemos. O desconhecimento de quem somos pode levar-nos inclusive à depressão quando vemos a nossa imagem desfigurada por alguém. O que acontece é que essa imagem que formamos de nós mesmos não é a nossa verdadeira imagem, mas uma mera caricatura. Não serve para nada! Qual é a nossa verdadeira imagem, então?

A falta de conhecimento próprio pode levar-nos tanto à baixa estima quanto à vanglória. Alguns “se vangloriavam como se fossem justos, e desprezavam os outros” (Lc 18,9). Vangloriamo-nos, isto é, temos uma glória vã, porque não nos conhecemos. Uma das consequências é a falta de critério em relação às nossas ações e às dos outros: excessivo rigor para com os outros, extrema misericórdia para conosco mesmos. São Josemaría Escrivá deixou escrito: “Nunca queres esgotar a verdade”. – Umas vezes, por correção. Outras – a maioria-, para não passares um mau bocado. Algumas, para evitá-lo aos outros. E, sempre, por covardia. Assim, com esse medo de aprofundar, jamais serás homem de critério” (Caminho 33).

Não adianta! Enganar-nos a nós mesmos não é o caminho. Conta-se que Dionísio I de Siracusa pensava de si mesmo que era um poeta excelente, tanto era assim que um belo dia se alegrou de ler os seus versos diante de Filoxeno, um autêntico poeta. Ao terminar, o poeta criticou os versos de Dionísio. Este, como um verdadeiro tirano e sem respeito à opinião dos outros, mandou prender a Filoxeno sem maiores explicações. Mas, depois de alguns dias, compôs outros versos e tanta foi a sua curiosidade em saber a opinião de Filoxeno que o mandou trazer da prisão e leu novamente as rimas que compusera. O poeta, depois de escutar, disse aos guardas que o tinha conduzido à presença do rei: “Devolvei-me à prisão”.

Como conhecer-nos a nós mesmos? Em primeiro lugar, dispondo-nos a obter esse conhecimento com humildade para aceitar-nos como somos. Deus nos ama não apesar de sermos dessa ou daquela maneira, mas com tudo o que somos e temos. É diante de Deus que alcançaremos o verdadeiro conhecimento sobre nós mesmos, pois nos conhece melhor que nós mesmos. Em segundo lugar é muito importante perder o medo de chamar as coisas pelo nome: soberba, preguiça, gula, luxúria, etc. Nada de eufemismos como: autoafirmação do eu, falta de disposição, apetite abundante para a mesa ou para a cama etc. Quando não tivermos medo de saber quem somos, isto é, sem assustar-nos e quando saibamos conviver pacificamente conosco mesmos, lutando por ser melhores, o nosso conhecimento próprio irá de progresso em progresso.

É interessante que às vezes não dizemos algumas verdades às pessoas porque sabemos que vão se ofender ou que ficarão brabas, ou ainda, que deixarão de falar conosco. Será que Deus não nos dá um maior conhecimento sobre nós mesmos porque sabe que ficaríamos irritados, não nos aceitaríamos ou, ainda, colocaríamos a culpa nele? Como é importante dizer ao Senhor: “Pode me mostrar, Senhor, quem sou eu. Por favor, me mostra pouco a pouco, à medida que me prepares, mas, não deixe de fazer com que eu progrida nesse conhecimento”. A sinceridade com Deus é muito importante, e o mesmo se diga da sinceridade para com os demais. Dessa maneira, seremos homens e mulheres de critério, de personalidade, firmes.

Os santos se consideravam tão pouca coisa e, ao mesmo tempo, era muito conscientes da sua dignidade de filhos de Deus, a tal ponto de ignorar as ofensas pessoais que os outros pudessem dirigir-lhes. Sabiam que qualquer coisa que os outros pudessem dizer deles ainda era pouco diante daquele conhecimento que Deus lhes ia concedendo. E, no entanto, esse conhecimento os mantinha em paz porque estava fundamentado no fato de sentirem-se filhos muito amados de Deus e na humildade cada vez maior que Deus lhes concedia.

Ao conhecermo-nos a nós mesmos, tampouco iremos por aí alardeado: pobre de mim! Eu sou tão pequeno, tão humilde, não sei fazer nada. Uma das frases mais bonitas daquele delicioso romance de Dickens, David Cooperfield, é a seguinte: “estou convencido que o homem que sabe o que vale não deixa de ser modesto”, com autêntica modéstia e com otimismo.

Para ajudar no nosso conhecimento próprio, um propósito que poderíamos fazer nesse domingo é o de realizar, diariamente, o nosso exame de consciência. Talvez sejam úteis essas três perguntinhas: no dia de hoje, o que eu fiz de bom? O que eu fiz de mal? O que eu posso fazer melhor? A cada uma dessas perguntas correspondem três atitudes, respectivamente: agradecer, pedir perdão, pedir ajuda.

Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa


Comentário Exegético – XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM – (Ano C)
(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

EPÍSTOLA (2Tim 4, 6-8. 16-18)

INTRODUÇÃO: Paulo está preso pela segunda vez em Roma e considera que sua primeira defesa foi suficiente para obter a libertação, mas confia em Deus que, sem dúvida, dele obterá o melhor resultado para a propagação do evangelho que foi o destino final de sua vida. Por isso ele oferece como ofereceu sua vida sabendo que o termo da mesma está próximo e que se realizará como um sacrifício, como derramamento de sangue, ou seja, uma libação sagrada.

LIBAÇÃO: Pois eu já me ofereço em libação e o tempo apropriado de minha desintegração está próximo(6). Ego enim iam delíbor et tempus resolutiónis meae instat. LIBAÇÃO [spendomai<4689>=delibor] é o presente passivo do verbo spendö cujo significado é ser oferecido como uma libação [cerimônia religiosa em que vinho ou azeite eram derramados diante do altar]. Paulo sente que está para derramar seu sangue pelo testemunho que deu de Cristo como uma libação diante do altar. TEMPO APROPRIADO [kairos<2540>=tempus] kairos é uma medida de tempo: daí, tempo definido, tempo de crise, tempo oportuno, que temos traduzido por tempo apropriado, para distingui-lo do chronos que é tempo em geral. DESINTEGRAÇÃO [analysis <359> =resolutio] o grego tem o significado de desatar, dissolver, separar; e metaforicamente, de partir, como uma nave que levanta a âncora e parte para alto mar, que muitos traduzem por despedida ou partida; ou seja, morte. Paulo não tem esperanças e sabe que sua sina é o martírio.

O COMBATE: O bom combate combati, a carreira acabei, a fé guardei (7). Bonum certámen certávi, cursum consummávi, fidem servávi. BOM [kalos <2570>=bonus] originariamente kalos é belo, formoso, mas também excelente, precioso, daí, competente, e moralmente bom, nobre, honorável. Aqui o termo bom é o mais apropriado. COMBATE [agön <73>=certamen] o significado de agön é assembleia, ou o lugar da mesma, especialmente a arena ou o estádio. Daí esforço, luta, batalha, e até ação judicial, julgamento. Escrevendo aos tessalonicenses, Paulo diz que lhes falou o evangelho de Deus com grande oposição [agön] (1Ts 2,2) e em 1Tm 6, 12, fala do bom combate da fé [kalön agöna] e realmente na vida de Paulo encontramos mais do que traços dessa luta, segundo o que ele mesmo narra: Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um, três vezes fui açoitado com varas, uma vez apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no abismo; em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; em trabalhos e fadigas, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez (2Cor 11,24-27). CARREIRA [dromon<1408>=cursum]  o dromos é o curso ou percurso, especialmente usado como o percurso da vida, que é traduzido por carreira, ou melhor por curso da vida nos três versículos em que sai no NT (At 12, 35; At 20, 24 e esta de 2 Tm4, 27) este percurso está terminado. Paulo está no fim de sua vida, mas tem uma coisa a seu favor: manteve a fé. GUARDEI [tetërëka<5083>=servavi] tetërëka é o perfeito do verbo tëreö, guardar ou tomar conta de uma coisa, conservar. Ele tem aqui o mesmo significado que encontramos em Mt 19, 17, :se queres entrar na vida eterna guarda os mandamentos. A fé se transforma num preceito, o primeiro, sem o qual, a entrada no reino está fechada. E essa fé tinha entre os judeus uma expressão única: Jesus Cristo, ou Jesus é o Messias. E como disse o Senhor a Pedro, é o meu Pai que to revelou (Mt 16, 17).

A VITÓRIA: Desde agora, a coroa da justiça está me guardada a qual me dará o Senhor naquele dia, o justo juiz, não só a mim, mas também a todos os que amarem a sua aparição (8). In réliquo repósita est mihi coróna iustítiae, quam reddet mihi Dóminus in illa die iustus iudex; non solum autem mihi, sed et iis qui díligunt advéntum eius. COROA [stefanos< 4735>=corona] é diferente de diadema que era a coroa dos reis. O diadema era uma cinta branca que rodeava a cabeça, distintivo da autoridade real e logo geralmente adornada com adornos diversos. Os imperadores romanos  se apresentavam com a coroa triunfal ou radiante, inicialmente de folhas de lauro, mas depois de ouro no passeio triunfal até o capitólio.  Stefanos era a guirlanda de galhos de oliveira ou de folhas de hera, que recebiam os vencedores dos jogos olímpicos e rodeava sua cabeça. Esta é a coroa da vitória após a luta no agön [arena] que Paulo diz está reservada para ele. Paulo joga com a palavra agön que também pode designar um tribunal e diz que o justo juiz lhe dará essa coroa de vencedor. NAQUELE DIA [en ekeinë të ëmera=in illa die] é uma frase usada pelo próprio Jesus em Mt 7, 22: Muitos me dirão naquele dia Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? Pois só aquele que faz a vontade de meu Pai entrará no reino dos céus (idem 21). Também Lucas em 17, 31  se refere à destruição do templo e ruína de Jerusalém. Em At 17, 31 lemos, no discurso de Paulo no Areópago que Deus tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo por meio do homem que destinou. E esta fé de Paulo aparece também e 2 Ts 1, 10,  em que nesse dia vier para ser glorificado em seus santos. Podemos falar de dois dias diferentes: 1º) o dia da destruição do templo. 2º) o dia do juízo final. Provavelmente Paulo fala do dia da destruição de Jerusalém, próximo, de forma tal que Jesus afirmou: Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que todas estas coisas aconteçam (Mt 24, 34). OS QUE AMAM SEU ADVENTO [epifaneia<2015>=adventum] mais do que advento é a manifestação ou demonstração visível de sua presença. Como temos comentado, esta demonstração pode ser moral muito mais do que física; e deu-se evidentemente no ano 70 com a destruição do templo, assim como em outras circunstâncias posteriores. A última em 1989 com a queda do Muro de Berlim.

SOLIDÃO: Na minha primeira defesa ninguém me assistiu, mas todos me desampararam. Que não lhes seja imputado! (16). In prima mea defensióne nemo mihi ádfuit, sed omnes me dereliquérunt: non illis imputétur. DEFESA [apologia <627>=defensio] apologia é a defesa verbal no tribunal ou também um argumento ou afirmação bem argumentada, própria para persuadir. Paulo quer dizer que não teve um advogado nessa sua primeira presença diante do tribunal em que foi julgado. Paulo muda de assunto e nestes versículos nos dá conta de sua situação no cárcere. Está só. Unicamente Lucas está com ele (ver 11). E nesta situação só se queixa de um tal Alexandro, de ofício ferreiro, a quem deixa o Senhor como vingador. Perdoa os outros que o abandonaram.  Mas teve a seu lado o Senhor como diz em versículos seguintes.

ASSISTÊNCIA DIVINA: Porém o Senhor assistiu-me e me fortaleceu, para que por meu meio o anúncio fosse cumprido e ouvissem todas as nações  e fosse livre da boca do leão (17). Dóminus autem mihi ádstitit et confortávit me, ut per me praedicátio impleátur, et áudiant omnes gentes; et liberátus sum de ore leónis. TODAS AS NAÇÕES [panta ta ethnë<1484>=omnes gentes] ethnos significa multidão, companhia, em especial se são gente de uma mesma raça ou gênero; por isso, se emprega para designar uma tribo ou nação. Neste caso traduz o ha goyim <1471>hebraico, como em Ez 23, 3º: Estas coisas se te farão, porque te prostituíste após os gentios [aharei goyim] e te contaminaste com os seus ídolos. Paulo emprega ta ethnë para os cristãos não judeus. Aqui, são as nações ou raças para distingui-las da nação judaica ou eretz  Israel. BOCA DO LEÃO:  No AT encontramos a frase em Sl 22, 21: Salva-me da boca do leão, sim, ouviste-me, das pontas dos bois selvagens. E em Amós 3, 12: Assim diz o Senhor: como o pastor livra da boca do leão as duas pernas ou um pedaço da orelha, assim serão livrados os filhos de Israel que moram em Samaria. Com esta frase Paulo espera ser livre da morte, como foi o seu caso na primeira vez  que esteve preso em Roma, ou talvez, visto que na primeira audiência ele soube apresentar a sua apologia ou defesa (vers 16) de modo tal, que pareceu convincente e não foi condenado de imediato.

DESEJO FINAL: Livrar-me-á o Senhor de toda obra má e guardará para seu reino celestial. Ao qual a glória pelos séculos dos séculos. Amém. (18). Liberávit me Dóminus ab omni ópere malo et salvum fáciet in regnum suum caeléste, cui glória in saécula saeculórum. Amen. Cremos que Paulo insiste em que sua morte [obra má] por parte de seus inimigos não está próxima  e, portanto estará vivo para a vinda do Reino que ele acredita estar próxima, como parousia. Uma outra interpretação é que, tendo em vista a sua morte Paulo pensa que estará cedo com Cristo no céu. O final é uma doxologia frequente em Paulo  (Ef 3, 21; Fp 4, 20 e Tm 1, 17), que termina com o Amém em todas essas passagens como os judeus terminavam suas súplicas nas sinagogas. De donde podemos tirar como consequência lógica que Jesus é para os cristãos o que era jahveh para os judeus.

Evangelho (Lc 18, 9-14)
O FARISEU E O PUBLICANO

INTRODUÇÃO: Esta é uma parábola própria de Lucas. As circunstâncias, com o templo de fundo, e a oração como ambiente, são as mais sagradas que podemos encontrar dentro da religiosidade da época, para descrever os momentos mais sublimes das relações entre Deus e o homem. A parábola emite, pois, um juízo profundo de valor sobre a intimidade das pessoas e a ação divina, que exalta, ou rejeita, o conceito que de si mesmas abrigam. Mas também é uma parábola de contrastes entre dois homens, que significam o máximo e o mínimo em religiosidade. E finalmente, é uma lição suprema sobre o orgulho e seu oposto, a humildade. A parábola é dirigida aos que, seguindo a lei, desprezavam os outros homens que consideravam ladrões, perversos e adúlteros. Esses homens, honestos, erigidos em justos, auto-suficientes e seguros de si mesmos, eram os fariseus, embora Jesus não usasse este termo para descrevê-los no início da parábola, próprio do evangelista. A continuação, no exemplo que é sempre uma parábola, usa como modelo dos homens honestos um fariseu, e, como espelho dos outros homens, um publicano. São os extremos, vistos desde a perspectiva tradicional do momento. No juízo que o evangelista emite sobre os fariseus, o mais negativo não é que se gabassem por serem corretos e de conduta imaculada [dikaios], mas o desprezo com que olhavam os demais homens. Nisso podemos afirmar que sua conduta não era tão louvável como eles pensavam. A pobreza, ou melhor, a mendicância de quem pede perdão e nada exige de Deus é a que ganha o favor divino e obtém, além do pedido, a graça da amizade com Deus. As obras humanas, boas ou más, não são razão suficiente para obter por si mesmas a justificação [ dikaiöisis <1347>] que é um presente [ dörema<1434] ao qual o homem não tem direito algum, mas que não é negado a quem tem retas intenções [bemaventurados os puros de coração, porque verão a Deus, Mt 5,7].

CONTRA OS ENVAIDECIDOS: Disse, pois, também contra alguns dos que a si mesmos, persuadidos como sendo honestos, e que desprezam os demais esta parábola (9). Dixit autem et ad quosdam qui in se confidebant tamquam iusti et aspernabantur ceteros parabolam istam. Temos respeitado os tempos dos dois verbos – acreditar [pepoithotas] e ser [eisin]. A tradução literal de pepoithotas é persuadidos, como um particípio passado, e de eisin é são, em presente. Querendo conservar o grego original temos traduzido por: persuadidos como sendo [que são no original] honestos. A ideia é de que existiam sujeitos que acreditavam na sua honestidade [é a justiça grega] e desprezavam a moral dos outros como sendo condenável. A justiça é o que hoje chamamos de probidade [rightness em inglês]. Daí, o homem justo era aquele que cumpria exatamente a LEI, tanto a escrita [Torá] como a transmitida oralmente [Mishná], como é apelidado José, esposo de Nossa Senhora (Mt 1, 19). A ênfase está, não tanto em sua vanglória como homens íntegros, mas no desprezo com que consideravam os outros seres humanos. A lógica nos invita a descobrir a causa desse desprezo, que era a falta de cumprimento da lei, como vemos no versículo 11. Na realidade, desprezavam o ham haaretz, o povo simples, que não estudava nem entendia as leis. Como sempre, Jesus faz uso do exemplo, da parábola, para que aquele que quiser compreender, entenda.

O CONTRASTE: Dois homens subiram ao templo para orar, um deles fariseu e o outro publicano (10). Duo homines ascenderunt in templum ut orarent unus Pharisaeus et alter publicanus. O TEMPLO: Era o lugar do sacrifício, mas também da oração para todos os povos (Is 56, 7),  que Jesus cita ao expulsar os vendilhões do templo. Era a casa da comunicação com Deus, onde Ele morava com seu povo.  Como vemos na conduta de Moisés, a Tenda [chamada da Reunião] ou Tabernáculo, era o lugar em que Moisés entrava para se comunicar com Javé (Êx 33, 7-11). Lugar em que Ana orava (1 Sm 1, 10) e no qual Salomão, na frente do altar (1 Rs 8, 22), orou ao ser declarado rei. No NT, a hora nona era a hora da oração no templo. Era precisamente a hora do sacrifício vespertino, ou seja, três da tarde, como vemos em At 3,1. Paulo dirá de si mesmo, que entrou no templo para orar e caiu em êxtase (At 22, 17). Os rabinos declaravam que a oração da assembleia, embora existissem pecadores entre eles, nunca ficaria sem ser ouvida por Deus. De modo que, quem não reza com e em comunidade, é um mal vizinho. Por isso, a sinagoga era chamada casa de oração. Do mesmo modo dirão os sábios: quem reza na casa do Senhor  é como se oferecesse uma oferta pura. Pensavam, pois, que esse era o melhor lugar para que suas preces fossem ouvidas. De fato as orações das sinagogas sempre tinham o plural como agente das mesmas, exatamente como o Pai-Nosso, ensinado por Jesus. Segundo Jesus, fariseus e escribas hipócritas adoravam rezar de pé nas sinagogas. Parece que existiam espaços determinados nas sinagogas para rezar. Aliás, as sinagogas foram especialmente lugares de oração segundo Maimônides, e deviam ser construídas sempre que houvessem dez homens para se reunirem. O fato de ficar de pé era costume entre os judeus e por isso também o publicano reza do mesmo modo; costume que eles atribuíam a Abraão que se levantou de madrugada (Gn 19, 27) e a Davi (2 Sm 7, 18). Os fariseus acostumavam rezar nas esquinas das ruas porque assim eram mais visíveis suas orações. Também nas sinagogas os assistentes se levantavam para orar (Mt 6, 5). É lógico que essa ostentação, levava-os a ocupar os primeiros lugares nas sinagogas e nos banquetes (Mt 23, 6). Por isso estava nosso protagonista na frente no templo, ao contrário do publicano, que ocupava um lugar distante (13). Não sabemos o lugar específico de oração dentro do templo. Provavelmente seria o átrio dos  israelitas, onde podiam entrar os homens adultos, na hora do sacrifício, tanto matutino como vespertino, uma vez ultrapassada a porta de Nicanor, separado do átrio dos sacerdotes por um muro de pouca altura que deixava ver os sacrifícios. A estes acompanhavam orações, como vemos por Atos 3,1. OS FARISEUS: A palavra original era parishim, que significa separados, no sentido de escolhidos, ou melhor, os que não querem se misturar com o povo [o hám-haaretz comum], para não se contaminarem com as impurezas destes últimos. No tempo de Jesus, seu número era de 20 mil, pequeno, ao que  parece, mas enormemente influentes por sua vida, aparentemente santa. Jesus denunciou a hipocrisia de muitos deles que, tinham como fim de seus jejuns e orações, serem vistos pelos homens, mas que no seu interior eram sepulcros de corrupção e perversidade que Jesus chamava com razão sepulcros caiados (Mt 32, 27) porque a tinta branca cobria a negrura interior dos mesmos. Sem dúvida, que eles estavam na mira no início da parábola: alguns que confiavam em si mesmos como corretos [cumpridores da Lei] e desprezavam o resto, ou os outros, como traduz a vulgata. Mas não eram só os fariseus os atingidos, de início, por esta parábola. Sem dúvida que aqui existe uma intencionalidade mais ampla do que a palavra fariseu determina. Porém um fariseu típico era o exemplo  mais apropriado daqueles que confiavam em suas obras; e o publicano, do pecador que tinha transgredido todas as principais leis mosaicas. Os fariseus eram uma das três categorias religiosas do judaísmo pós-exílio, formados em círculos não sacerdotais, de leigos dedicados à interpretação da Torah. Mas, como grupo organizado, surgiram no tempo dos Macabeus, pouco antes de João Hircano (134-104 aC). Sua moral estava baseada na estrita interpretação, tanto da lei escrita como da que provinha da tradição (Mc 7, 7-9). A meta de todo judeu era conservar uma nação santa, consagrada e dedicada ao Deus de Israel, cujos meios consistiam, segundo eles, na educação e conhecimento da Torah. Seu credo era formado pela observância estrita do sábado e dias festivos em honra do Senhor e o cumprimento exato das leis da pureza ritual, no pago dos dízimos e nas dietas alimentares, na crença da liberdade humana, sob o controle da providência divina, e sua fé na ressurreição, nos anjos e no Messias. Nisto se diferenciavam dos saduceus (At 23, 8), Os fariseus formavam um grupo religioso, que se distinguia particularmente por sua estrita observância das prescrições religiosas e por sua interpretação formalista da Lei, em boca de Flávio Josefo. Podemos dizer que os fatos de que se gabava o nosso fariseu eram reais. O PUBLICANO: Publicanos eram, na antiga Roma, as pessoas encarregadas de cobrar os impostos, normalmente de origem equestre, pois os senadores não podiam participar. Nos tempos da república, as arrecadações eram realizavas por sociedades financeiras [societas publicanorum] que pagavam o total do importe do imposto ao Estado antes de proceder à arrecadação do mesmo. César modificou no ano 47 aC o sistema na Palestina, reduzindo os impostos e declarando os anos sabáticos isentos de tributação. Nos tempos de Jesus, havia dois tipos de taxas: impostos diretos sobre a renda e o patrimônio, e impostos sobre mercadorias e alfândegas, estes últimos, precisamente, eram os que eram leiloados para que fossem arrecadados pelos architelones [chefes de publicanos], cujos agentes recebiam o nome de telones, palavra que significa escritório ou banca de trabalho comercial. Estas bancas estavam distribuídas nas portas da cidade e nos acessos das mesmas como pontes e portões das muralhas das mesmas. Na Galileia dependiam de Herodes Antipas e, nos territórios do sul, do governador romano. Por terem de repor o dinheiro leiloado, tornava o sistema de arrecadação um dos mais abusivos e inescrupulosos de todos os conhecidos. O publicano tinha muito de que se arrepender pelos abusos e excessos cometidos no exercício de seu trabalho.

ORAÇÃO DO FARISEU: O fariseu, posto de pé, orava para si: (o) Deus, te agradeço porque não sou como o resto dos homens, ladrões, malvados, adúlteros, nem tampouco como este, o publicano (11).Jejuo duas vezes na semana, pago o dízimo de tudo quanto possuo (12). Pharisaeus stans haec apud se orabat Deus gratias ago tibi quia non sum sicut ceteri hominum raptores iniusti adulteri vel ut etiam hic publicanus ieiuno bis in sabbato decimas do omnium quae possideo. Posto de pé, orava para si [de si para si], que outros traduzem como olhando a sua conduta. Ele dá graças [eucharisto]. A razão é que não sou como os demais homens(11). Aparentemente é uma oração que qualquer um de nós poderia subscrever como sua. Dar graças a Deus é uma das melhores formas de orar. Agradecemos sempre as coisas boas. (Por que também não o fazemos com os infortúnios e os pecados?) A única dificuldade da oração do fariseu era a sua comparação com o pecador que é realmente desprezado, [como este publicano] e também com o resto dos homens. A parte negativa dos mesmos homens da qual o fariseu não comparte, é de serem ladrões, injustos [pecadores], adúlteros. Realmente, o juízo dos homens, formado pelo fariseu, em geral, não é tão incorreto. A maioria entraria numa dessas três categorias certamente. A parte positiva da qual ele realmente se gloria como atuação livre e meritória é que jejua duas vezes na semana [Sábado segundo o grego e a Vulgata latina] e paga dízimo de tudo quanto possui. Pelo que respeita ao sábado ou Shabat, ele tinha dois sentidos: o dia do sábado e a semana. Sem dúvida que aqui este último sentido é o que prevalece. O JEJUM: Os taaniyot [dias de jejum] eram sinais de arrependimento, luto ou petição de uma assistência divina especial [caso da rainha Ester em 4, 15]. Como os árabes durante o Ramadão, o jejum hebraico supunha total abstenção de comida e bebida. Os jejuns dos dias da Expiação [Yom Kippur] (Lv 23, 27-32) e do dia 9 do mês de Av, dia da destruição do primeiro e segundo templo de Jerusalém, eram totais, de ocaso a ocaso [o dia se contava assim no tempo], mas os jejuns, em geral, duravam apenas de sol a sol. Os que jejuavam costumavam sentar-se no chão, se vestir de aniagem [o famoso saco] e cobrir a cabeça com cinzas (ver Mt 6, 16). Os dias de jejum entre os fariseus eram segunda e quinta; quinta, por afirmar a tradição, embora um tanto tardia, que foi o dia da semana em que Moisés desceu do monte após os quarenta dias, e segunda por ser o dia de sua ascensão. Mas parece mais provável que a escolha dos dias era pela sua separação apropriada com respeito ao sábado e entre os dias da semana. O DÍZIMO: Era o Maasser, o imposto de dez por cento de produtos agrícolas, destinado ao sustento dos levitas (Dt 14, 22-23), de famílias necessitadas, etc. Era uma oferenda anual que se pagava no dia das cabanas ou tabernáculos, uma vez terminada a colheita. A entrega era em espécie, mas como era difícil levar ovelhas, grãos, etc, vendiam-se estes no lugar de origem e logo eram comprados em Jerusalém para entregarem o produto da compra no templo (Dt 14, 25-26). Como estrito observante da Lei, o fariseu pagava o dízimo até das coisas mínimas como a hortelã [menta], a erva-doce [anis] e o cominho, que Jesus declarava em Mt 23, 23. Como vemos, são ervas próprias de condimentos, usadas minimamente como alimento. A estas minúcias chegava à meticulosidade com que os fariseus observavam a Lei. Vejamos uma oração de R. Judá que afirmava que devia dar graças por três razões principais: Bendito sejas Senhor, porque não me fizeste um gentio. Bendito sejas Senhor, porque não me fizeste um ignorante e inculto. Bendito sejas Senhor, porque não me fizeste uma mulher. Por sua parte a mulher repetirá as duas primeiras e subsistirá a última por: bendito sejas Senhor porque me fizeste como desejaste. Tudo isso prova que a oração do fariseu não era uma invenção de Jesus.

ORAÇÃO DO PUBLICANO: Também o publicano, de longe, de pé, não queria nem os olhos levantar ao céu, mas golpeava no seu  peito, dizendo: Tem misericórdia de mim, o pecador (13). Et publicanus a longe stans nolebat nec oculos ad caelum levare sed percutiebat pectus suum dicens Deus propitius esto mihi peccatori. De longe, como correspondia a quem se sente o mais humilde de todos os homens, como desprezado por Deus, como quem tem cometido um grande crime e, portanto, nem olhar podia para o seu antagonista, batia no peito. Este gesto, não se encontra no AT, mas Flávio Josefo fala dele como sendo sinal de arrependimento. Talvez porque se considerava que o coração era a fonte de maldade como declarará Jesus em Mt 15, 19. A Igreja usou este gesto no confiteor antes da Missa como sinal do pecado cometido e arrependimento: mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa.  A oração do publicano é uma simples petição de perdão, indicando que o necessita porque se confessa pecador, portanto afastado de quem agora está se aproximando. O grego com o artigo [o pecador] indica que ele, por seu ofício, se incluía entre os afastados de Deus, como um gentio e idólatra.

O JUÍZO DE JESUS: Digo-vos: Desceu este justificado para a sua casa, porque todo (aquele) que se exalta a si mesmo será humilhado, mas o que se humilha a si mesmo será exaltado(14). Dico vobis descendit hic iustificatus in domum suam ab illo quia omnis qui se exaltat humiliabitur et qui se humiliat exaltabitur. A tradução corrente é que este voltou para casa justificado e o outro não. Porém, não parece ser esta a melhor tradução do grego, que reflete em sua estrutura um comparativo hebraico. Vejamos essa tradução: Digo-vos que este [o publicano] voltou para sua casa justificado em comparação com o outro [fariseu]. A vulgata traduz fielmente: descendit hic justificatus in domum suam ab illo (14 a). Geralmente nós temos pensado que o fariseu foi reprovado não tanto por uma oração em que reconhecia a bondade de Deus em sua vida, mas pela falta de humildade com respeito ao próximo; e que o publicano era absolvido de seus pecados por reconhecer os mesmos e tentar o perdão do único que podia apagar sua dívida, num ato de profunda humildade. A justificação aqui vista sob o aspecto de um particípio perfeito, dedikaiómenos, é uma passiva teológica em que a ação de Deus é definitiva: Deus o perdoou, o admitiu como amigo em comparação [não oposição] com o outro, que não fez a oração do agrado divino. MORAL DA HISTÓRIA: O que se exalta será humilhado, mas o que se humilha será exaltado. Parece um tanto fora de lugar esta frase como moral da história. O mais lógico seria: a melhor oração, a que traz o favor divino, seria aquela em que o orante se apresenta como indigente diante de Deus. Mas Lucas gosta de exaltar a pobreza e, com ela, a humildade. Por isso, aqui repete o provérbio que tinha sido citado por Jesus, ao ver a luta entre os convidados, pelos primeiros lugares na mesa do jantar (14, 11). Já Ezequiel tinha escrito: saberão todas as árvores do campo que eu, Javé, é que abaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa (7, 24). Assim passamos de um segmento particular, como é a oração, a uma norma geral, como é a escolha e o proceder divinos na sua total amplitude.

PISTAS:

1) Na anterior dominica vimos a constância na oração; hoje contemplamos como a sinceridade e humildade conquistam o favor divino. Não basta qualquer oração; é necessário que saia do fundo da indigência humana para provocar a ação divina. O fariseu busca um Deus que aprove sua vida e nada pede. Nada necessita: é a oração do auto-suficiente. Deus nada tem a fazer diante de semelhante atitude.

2) Devemos modificar nossa maneira de julgar nossos semelhantes. Geralmente fixamos nossa atenção nos seus defeitos, nos seus pecados, nos seus vícios. Por que não olhar neles as coisas boas, as excelências, as virtudes? Sem dúvida que seremos mais justos e teremos uma visão mais otimista do mundo.

3) No mal, no pecado, achamos a miséria humana, a derrota, a impotência, quando não a ignorância, nunca a grandeza. É a mesma miséria que encontramos na doença, no sofrimento, na morte. Se esta última nos oferece uma palavra de compaixão e de desculpa, por que não desculpamos e perdoamos a pessoa que comete esse mal, que, por outra parte, tão absolutamente reprovamos?

4) O perdão é o maior dom que podemos receber de Deus. A humildade, o reconhecimento de nossa insignificância, é a mais excelente disposição para recebê-lo. E todos necessitamos desse perdão.


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17.10.2010
XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C

__ “A ORAÇÃO, CLAMOR QUE NASCE DA NOSSA POBREZA” __

Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! O tempo da expectativa pela última vinda de Cristo é o tempo da fé e da oração. "Quando o Filho do homem vier, encontrará fé sobre a terra?" (Lc 18,8). Fé e oração estão intimamente unidas. Se é verdade que para orar é preciso crer, também para crer é preciso orar. A oração perseverante é expressão e alimento da fé em Deus. O dirigir-se a Deus explicitamente é ato de fé nele, como pessoa sempre presente e distinta de qualquer outra realidade. Entoemos cânticos ao Senhor!

(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)


PRIMEIRA LEITURA (Ex 17,8-13): - "Assim, suas mãos não se fatigaram até ao pôr do sol!"

SALMO RESPONSORIAL 120(121): - "Do Senhor é que me vem o meu socorro, do Senhor que fez o céu e fez a terra."

SEGUNDA LEITURA (2Tm 3,14 - 4,2): - "Permanece firme naquilo que aprendeste e aceitaste como verdade; tu sabes de quem o aprendeste."

EVANGELHO (Lc 18,1-8): - "Mas o Filho do Homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?"



Homilia do Diácono José da Cruz – XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM – (Ano C)

DEUS! TEIMOSIA DO POBRE...

Já vi escrito em muito pára-choque de caminhão, que “O pobre vive de teimoso”, uma frase que embora irônica tem um fundo de verdade, pois teimosia nesse caso, é sinônimo de perseverança, paciência e esperança, virtudes que são na verdade o tempero da nossa fé, porque a fé que não persevera, que não é paciente e não traz no coração a esperança, é morta, pois segundo São Tiago, a Fé deve ser sempre vivenciada e transformada em obras. No olhar do pobre encontramos um brilho de esperança, basta ver as filas em busca de algum benefício nos bancos ou em repartições públicas, ou até mesmo em fila de liquidação nas grandes lojas, o pobre é capaz de varar o dia, a noite e a madrugada, para guardar um lugar, sempre esperançoso de alguma melhora ou benefício.

Não se quer dizer que estas virtudes sejam exclusivas do pobre, mas é que o rico não tem muita paciência e perseverança e nem seria necessário, uma vez que o dinheiro compra tudo nesta vida, fazendo com que o rico coloque toda sua segurança em seu patrimônio e no dinheiro e portanto, essas virtudes sempre nascem e são cultivadas no coração do pobre por causa da sua necessidade, que o leva a pedir. É esse o caso dessa viúva que aparece no evangelho desse domingo, pois naquele tempo não havia leis que protegiam e davam garantias à mulher, no caso do falecimento do esposo e a viuvez, junto com a orfandade, era sinônimo de desamparo e abandono, já que o parente mais próximo do falecido, apossava-se de todos os seus bens sobrando para a viúva a triste sina de viver de esmola, pois a mulher não tinha direito de propriedade.

Na lógica humana a viúva não tinha outra alternativa se não a de resignar-se com a sua sorte, pois o juiz dificilmente iria lhe fazer justiça, já que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Conformismo e resignação parecem fazer parte da índole do nosso povo, que deixa o destino da nação nas mãos de certos homens inescrupulosos, sem se importar com os rumos da política ou da economia, tornando-se uma perfeita “Vaquinha de presépio”, engolindo tudo que é sapo, ignorando a sua cidadania e seus direitos essenciais. Mas não é esse o caso da viúva, ela não se conformou com o abandono e a exploração da quais as viúvas eram vítimas e resolveu “virar a mesa” indo à luta por aquilo que considerava justo. Não se sabe quantas vezes ela bateu à porta desse juiz, mas a se julgar pelo temor do magistrado, não deve ter sido só duas ou três e nem foi tão pacífica assim. Claro que exercício de cidadania não deve ser confundido com arruaça e vandalismo.

Os maus governantes sempre tremem na base, quando o povo toma consciência de seus direitos e vai à luta por eles, foi o que aconteceu com esse juiz, que não temia a Deus e nem respeitava homem algum, mas que diante da insistência e da teimosia da mulher, acabou cedendo e atendeu o seu desejo fazendo-lhe justiça contra seu adversário, que certamente queria ficar com seus bens. O evangelho nos mostra a qualidade da verdadeira oração, que não pode ser “imediatista” e onde se quer que Deus atenda o pedido “pra ontem”, as demoras de Deus requer do verdadeiro crente a paciência e confiança.

A oração também não deve ser uma forma de se forçar Deus a fazer a nossa vontade, realizando coisas, ou consertando certas situações que são de nossa única responsabilidade. A viúva soube unir oração e ação, com uma fé consciente e responsável, que crê, persevera, insiste, persiste, espera e vai à luta, para mudar o placar adverso.

Deus é a força e a teimosia do pobre pois ouve sempre seu clamor e jamais deixará de atendê-lo. Aquela fé mágica e comodista, de quem só quer vento a favor e espera sempre um milagre de Deus, sem mover uma só palha, é uma fé que nada constrói e nem agrega nessa vida: QUEM SABE FAZ A HORA, NÃO ESPERA ACONTECER!

José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail  jotacruz3051@gmail.com


Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa – XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM – (Ano C)

“Crer em Deus, crer no homem”

Nos domingos anteriores falamos da fé num sentido mais teológico sem deixar de pensar na nossa existência concreta, diária e corrente. Hoje, essa meditação se intensifica ao concretizar-se mais. A ideia que eu quero refletir com você no dia de hoje é a seguinte: a fé é também uma grande promoção do ser humano. Ao contrário do cristão, “havia em certa cidade um juiz que não temia a Deus, nem respeitava pessoa alguma” (Lc 18,2). Um filho de Deus teme a Deus e respeita a pessoa humana. Cada pessoa é imagem de Deus. Como não respeitar a imagem de quem amamos? É fácil compreender isso: quando nós guardamos uma foto de uma pessoa querida na carteira e de vez em quando damos-lhe um beijo, essa demonstração de carinho não é para com o papel, mas é a expressão do que nós gostaríamos de fazer nesse momento: dar um beijo nessa pessoa querida. Cada pessoa é “imagem e semelhança” (Gn 1,26) de Deus. Cada pessoa merece o nosso beijo reverencial. Logicamente, não vamos sair por aí beijando todo mundo, mas procuraremos sempre mostrar o nosso respeito para com os nossos semelhantes.

Sinceramente, estou convencido que o atual complô contra a vida humana, contra o matrimônio verdadeiro, contra o pudor, é consequência da falta de fé e de temor de Deus. É contraditório crer em Deus e ser a favor do aborto, por exemplo. Não! A fé em Deus não pode ser reduzida a algumas práticas de piedade semanais, ou até mesmo diárias; a fé tem que dar forma ao nosso ser, à nossa maneira de viver, de pensar, de amar, de sentir.

Deus veio à terra para que o homem subisse ao céu! Jesus veio para devolver o que nós tínhamos perdido a causa do pecado, para reconciliar-nos em todos os aspectos, para que vivêssemos na “gloriosa liberdade dos filhos de Deus” (Rm 8,21). Contudo, ainda o homem mais pecador é digno de respeito. A Sagrada Escritura afirma a dignidade de qualquer ser humano, independentemente das suas ações, quando, por exemplo, diz que “o Senhor pôs em Caim um sinal, para que, se alguém o encontrasse, não o matasse” (Gn 4,15); ou seja, Deus continuou protegendo a Caim, mesmo depois de ter matado o seu irmão Abel.

A fé em Deus e no que ele nos revela, numa entrega cada vez mais intensa ao seu amor, é também motor de crescimento da sociedade. Quando se retira a Deus do âmbito público se começa a dizer um montão de bobagem; na ausência de um fundamento para a convivência pacífica entre os seres humanos, começa-se a bombardear a sociedade com leis que, finalmente, ajudarão a isolar cada vez mais a pessoa e que poderiam ser reduzidas a essa máxima: não matar os demais para que os demais não nos matem. Já dizia Eurípedes que “tudo o que o tolo encerra no coração, ele o traz também impresso na cabeça e o manifesta  nas palavras”. O interessante é que todas as tolices são ditas com astúcia. João Paulo denunciava em 2002 os eufemismos que se utiliza para que o mal pareça um bem e um bem, mal. Dizia o Papa numa alocução aos Bispos da Região Leste II da CNBB: “Produz-se, portanto, uma evolução semântica onde o homicídio chama-se morte induzida, o infanticídio, aborto terapêutico e o adultério passa a ser uma simples aventura extra-matrimonial. Não havendo mais uma absoluta certeza nas questões morais, a lei divina torna-se uma proposta facultativa na oferta variegada das opiniões mais em moda”.

É evidente, mais parece que não nos damos conta. Será que estamos cegos? Desde que se insistiu no uso dos preservativos, cresceu a promiscuidade sexual; ao crescer a promiscuidade, cresceu o número de “filhos sem pais”, de pessoas com “aids”, de homossexuais, de pacientes nos hospitais e de clientes para os psiquiatras. Será que é preciso anunciar uma pasta de dentes com a foto de uma mulher sem roupa? Eu me pergunto qual é a relação entre os automóveis e as roupas íntimas. Acaso não se poderia divulgar um produto de uma maneira respeitável a toda a população. Em Itália, pelo menos, muitas mulheres já se manifestaram contra esse abuso do corpo feminino nas propagandas comerciais.

Que pena que se acusa a Igreja de retrógrada em tantos temas que, com o passar do tempo, se percebe que ela é realmente “mestra em humanidade”. Muitos países europeus que apostaram pelo controle de natalidade, são hoje países “velhos”: a população é idosa, há poucos jovens e, nalgum que outro país, até se oferece dinheiro para que os casais tenham filhos e assim o país se rejuvenesça. Estou convencido: a fé em Deus é de uma sensatez impressionante. Oxalá fizéssemos mais caso do que o Senhor nos diz e seríamos uma sociedade desenvolvida em todos os aspectos. Sem dúvida, não estou deixando de lado a justa autonomia das realidades temporais, mais tem que ser justa, ou seja, dependente do Criador.

Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa


Comentário Exegético – XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM – (Ano C)
(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

Epístola (2Tm 3, 14-4,2)

INTRODUÇÃO: Paulo roga a seu discípulo Timóteo a permanecer na tradição, pois é mestra da Verdade, quando recebida das verdadeiras testemunhas da mesma; de modo especial exige fidelidade às Escrituras que servem, como Verdade absoluta para múltiplas aplicações na vida cristã com consequências éticas de valores imutáveis.

A TRADIÇÃO: Porém tu permanece nas coisas que aprendeste e tendes sido assegurado, sabendo de quem as aprendestes (14). Tu vero pérmane in iis quae didicísti et crédita sunt tibi sciens a quo didíceris. PERMANECE em grego usa-se o verbo menö [<3306>=permanere] permanecer, habitar, demorar, guardar, estar firme. É neste sentido de não mudar de pensamento e intenções, que Paulo escreve a Timóteo, para não se deixar enganar pelos falsos profetas, cujas doutrinas rejeita desde o capítulo 2º desta carta. Como discípulo de Paulo, Timóteo deve saber bem quem foi seu verdadeiro mestre: Paulo, que recebeu a doutrina diretamente de Deus por inspiração do próprio Jesus (Gl 1,11-12); doutrina que foi confirmada pelos apóstolos como conforme à tradição (Gl 2, 9). O versículo é tão a favor da tradição que o comentário dos evangélicos tende a dizer que aquela não está ao mesmo nível da Escritura. Porém no ano 67 parte das Escrituras do NT ainda nem estava escrita e são as cartas de Paulo as que entram nas Escrituras como base da Revelação. Parece melhor a interpretação católica que diz ter a Escritura uma base que é a tradição. Estes versículos apelam ao ensino para distinguir falsas de verdadeiras doutrinas e o ensino depende do mestre não de um escrito, ou seja, entramos na transmissão ou tradição do que foi dito e não na leitura do que foi escrito. É a tradição que assegura [tendes sido assegurado]. Como foi Paulo assegurado pela tradição apostólica, segundo o que ele conta em Gl 2, 2 quando expôs sua doutrina [seu evangelho] aos que estavam em estima, para que de maneira alguma não corresse ou não tivesse corrido em vão. Não é possível suster uma doutrina como a evangélica da interpretação particular na escolha dos escritos e na leitura dos mesmos, diante do que Paulo fez e nesta carta pede e exorta a Timóteo a repetir. Sair da tradição é encontrar a falsidade do homem e não a verdade do Cristo Jesus. Esta é a tradução RA do versículo, que confirma o que temos interpretado: Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido. De donde deduzimos que há mestres e que essa sua doutrina deve ser transmitida como verdade evangélica. O catecismo CIC diz nos parágrafos seguintes: A Igreja, à qual está confiada a transmissão e a interpretação da Revelação, não tira exclusivamente da Escritura a certeza de todo o revelado. E assim, devem ser respeitados e recebidos [os ensinamentos] com o mesmo espírito de devoção (81). Essa tradição provém dos apóstolos e transmite o que estes receberam do ensino e do exemplo de Jesus e o que aprenderam do Espírito santo. Com efeito, a primeira geração de cristãos não tinha ainda um Novo Testamento escrito e o Novo Testamento mesmo testemunha o processo da tradição viva (81).

FÉ E BÍBLIA: E porque desde menino as Sagradas Escrituras conheceste, as que têm o poder de te fazer sábio para (a) salvação através da fé, a em Cristo Jesus (15). Et quia ab infántia sacras lítteras nosti, quae te possunt instrúere ad salútem, per fidem quae est in Christo Iesu. DESDE MENINO [brefos<1025>=infantia] A palavra grega indica um feto, um recém-nascido ou um infante, um bebê, brotinho, ou seja, menor que dois anos de vida. Brefos foi a palavra que usou Isabel para dizer que a criancinha [brefos] saltou no seu ventre (Lc 1, 41). Esse mesmo nome recebe o nascido em Belém que achareis –diz o anjo-envolto em panos e deitado numa manjedoura (Lc 2, 12). Eram os meninos que traziam a Jesus para que lhes tocasse e que os impediam os discípulos (Lc 18, 15). Consequentemente devemos traduzir desde a mais tenra infância [logicamente por meio da sua mãe, única na família que era judia (At 16, 1)] conheceu as Sagradas Escrituras.

SAGRADAS ESCRITURAS [iera<2413> grammata <1121>=sacras litteras] O PODER [dynamena<1410>quae possunt] do verbo dynamai, ser capaz de, poder realizar, ter o poder de. Em hebraico Escrituras eram TaNaK, acróstico de Torah [Lei], Neviim [profetas] e Ketubim[escritos]. No início do século II constituía um conjunto de 24 livros que os cristãos chamavam de Antigo Testamento. O texto hebraico, ampliado com a tradução e os comentários em aramaico [os Targumim] era a leitura corrente nas sinagogas da atual Palestina; Mas na Diáspora, o texto era o da tradução feita ao grego dois séculos antes da nossa Era, na cidade de Alexandria. Os evangelhos, as cartas paulinas e os escritos primitivos os cristãos usam, como texto inspirado, essa tradução grega que é chamada de Septuaginta ou dos Setenta. E há textos unicamente escritos em grego, como o livro da Sabedoria e os livros dos Macabeus. Na Bíblia grega, temos unicamente dois volumes no lugar dos três da hebraica [TaNaK], que são Lei e Profetas [‘o nomos kai ‘oi profëtai] (Mt 7, 12). Tendo algumas variantes e novos livros, o texto grego é considerado como texto autêntico e, logicamente, o texto inspirado, segundo o canon da Igreja Católica. O texto da Setenta é, pois, a palavra de Deus, máxime que o texto receptus hebraico, o canon judeu, foi manipulado, rejeitando tudo o que fosse influxo grego, ou favorável à causa dos cristãos. Para se ter um exemplo, o livro do Eclesiástico, muito usado pelos cristãos, foi rejeitado como parte do Canon hebraico, que por outra parte é posterior ao uso da Escritura pela Igreja primitiva cristã. Pelo que respeita a Timóteo, grego de pai, embora sua mãe fosse judia, ele não teve outra Escritura que a grega dos Setenta, a única leitura feita na sinagoga de Listra, de onde ele era originário. Com esta recomendação, Paulo não unicamente recomenda a Escritura a Timóteo como as declara Sagradas [‘iera<2413>=sacra] ou Consagradas, que pertencem a Deus. E o que na continuação explicita é que têm como base que elas fornecem a autoridade da Verdade absoluta que unicamente a palavra de Deus pode emprestar. Esta qualidade é a da SABEDORIA, que, segundo o texto, é a de se tornar sábio [sofisai <4679>=instruere] com respeito à SALVAÇÃO [söteria<4991>=salus] POR MEIO DA FÉ em Jesus Cristo. Que quer dizer Paulo? Sem dúvida que nas Escrituras do AT encontramos suficientes razões para ver em Jesus, o Cristo, o Messias da fé. (At 2, 36).

De fato, os evangelistas, especialmente Mateus, frequentemente citam o AT para ver em Jesus cumpridas as palavras dos profetas (332 profecias). De modo que o AT foi inspirado para levar os homens para a fé em Jesus. É Jesus o centro da atuação divina no Universo: É o Jesus Cristo o mesmo ontem, e hoje e eternamente (Hb 13,8) de modo que lhe deu um nome sobre todo nome (Fp 2, 9) para ter a supremacia sobre todo principado e potestade e e potência e senhorio e todo nome que seja nomeado não só neste século mas também no vindouro (Ef 2, 48).

INSPIRADA POR DEUS: Toda Escritura (é) inspirada por Deus, e útil para ensino, para demonstração, para correção, para instrução em justiça(16). Omnis Scriptúra divínitus inspiráta útilis est ad docéndum, ad arguéndum, ad corripiéndum, ad erudiéndum in iustítia. INSPIRADA POR DEUS [theopneustos <2315>=divinitus inspirata] o é não forma parte do texto mas é implicitamente deduzido na frase para ele ter uma compreensão lógica. Podemos também traduzir por toda Escritura inspirada por Deus também é útil, etc. De todas as formas, Paulo admite que as palavras escritas e admitidas como canon pelos doutores, são palavras que têm origem na inspiração divina. É o Rema de Jahveh, ou devar Jahveh. Literalmente, Theopneutos significa respirada por Deus e indica a procedência e as qualidades de Verdade e Confiabilidade nela intrínsecas e adjacentes. Mas quais são as matérias em que a Bíblia deve ser tomada literalmente e não analógica ou circunstancialmente? Porque em matéria de ciência e história sabemos que refletem ideias e opiniões próprias da época e que delas se servem como exemplos ou midrashes para uma conclusão ética e moral? Sabemos que assim como usam uma língua hoje praticamente morta, têm um conceito do mundo que hoje a ciência superou como infantil e errôneo. Em 2005 os bispos da Inglaterra claramente interpretaram a norma de que em matéria de História e de ciência não podemos usá-la como documento infalível. A Bíblia reflete opiniões populares e contém o que eles chamam de traços históricos. Falando da História, temos os seguintes gêneros literários: a parábola sem verdade histórica; o epos histórico [história épica ou poética de uma epopeia] com só um núcleo verdadeiro; a história religiosa, própria para promover a edificação; a história antiga, segundo a opinião do povo e de uma fonte não segura como é a tradição popular, em que o mito e a lenda entram; e finalmente a narração livre, em que o autor escolhe um fato como edificante. A opinião evangélica é que quando a Bíblia fala como História, os fatos são historicamente verdadeiros; e quando fala em profecia, é profeticamente verdadeira, embora não se entenda qual é a verdade em profecia, pois teríamos no Apocalipse animais monstruosos evidentemente imaginários e não reais. É em matéria de fé e costumes que devemos encontrar a verdade divina revelada. O CIC assinala três critérios de interpretação das Escrituras: 1) Prestar uma grande atenção ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura. 2) ler a Escritura na Tradição de toda a Igreja. 3) Estar atentos à analogia da fé (112-114). Não podemos esquecer que o centro da revelação é Cristo e que Ele unifica o AT e o NT. Esta é a revelação fundamental. Como exemplo temos 332 profecias com respeito ao Messias, que se cumprem perfeitamente em Jesus (nascimento em Belém, fuga ao Egito, curas, morte na cruz, etc). A combinação dessas circunstâncias num só homem é absolutamente impressionante. É uma entre 10 elevado a 157 probabilidades. Pedro teve, junto com os dois filhos do Zebedeu, uma revelação do messiado de Jesus e não obstante ele afirma: Temos a palavra profética que nos torna mais seguros a qual fareis bem em seguir como a uma luz que alumia em lugar escuro (2Pd 1,19). ÚTIL [öfelimos<5624>=utilis] Os evangélicos traduzem öfelimos por eficaz. Porém o grego tem o significado de vantajoso, útil mais do que eficaz como querem traduzir os evangélicos (vide RA). A Vulgata realmente traduz de forma correta o termo, útil que também é o termo preferido pelas diversas versões católicas e que encontramos também na TEB. O inglês profitable é um termo duvidoso entre útil e eficaz. Tenhamos em conta que a Escritura é para um evangélico a única fonte de revelação. Para um católico ela é imprescindível, mas a sua interpretação depende da Tradição. Ou seja, esta é a base de quais os livros e como ler os mesmos, para não confundir Verdade com opinião pessoal. Daí que Igreja católica só existe uma e igrejas cristãs ou evangélicas tantas como diversas opiniões suscitaram a leitura da palavra. ENSINO [didaskalia <1319>=ad docendum] ensino, doutrina, instrução, palavra usada por Mateus em 15, 9: este povo em vão me adora ensinando doutrinas que são preceitos dos homens. Pelo que Paulo também diz que as proibições não toques, não proves, não manuseies, de coisas que perecem pelo uso, são preceitos e doutrinas dos homens (Cl 2, 21-22). De onde deduzimos que o ensino é particularmente aquele que distingue entre o humano e o divino.

DEMONSTRAÇÃO [elegchos <1650>=arguendum] prova, evidência, argumento, refutação. Segundo o que lemos em Hb 11, 1 que a fé é a prova das coisas que se não veem, a Escritura serve para provar as afirmações da fé evangélica. CORREÇÃO [epanörthosis<1882>=ad corripiendum] o grego significa restauração do estado perdido, correção, e é apax no NT, ou seja, para retificar, caso o caminho não seja o verdadeiro.

INSTRUÇÃO [paideia<3809>=ad erudiendum], em crianças, é o método de educar tanto o corpo como o espírito e em adultos, o cultivo do espírito, especialmente pelo domínio das paixões e que podemos definir como educação. E tudo, tendo como base fundamental, a JUSTIÇA [dikaiosynë<1343>=iustitia],ou seja, a retidão e honradez de costumes e que chamamos de moral cristã. Além da fé, ou verdades reveladas, ocultas à razão humana, a Igreja sempre falou da ética ou costumes necessários para os que professam a fé num Deus Pai, que transforma os homens em irmãos. É, pois, nesse sentido que devemos usar a palavra das Escrituras como última e definitiva. O Concílio Vaticano I definiu solenemente que a inspiração da Escritura e implicitamente a inerrância e infalibilidade, se estende às matérias de fé e de costumes e às partes, ao menos, de maior importância.

A PERFEIÇÃO HUMANA: Para que seja perfeito o homem de (o) Deus, para toda obra boa exercitado (17). Ut perféctus sit homo Dei ad omne opus bonum instrúctus. PERFEITO [artios<739>=perfectus] adaptado, ajustado, instalado, completo, perfeito. Talvez seja melhor falar de adaptado para toda obra boa. EXERCITADO [exërtismenos<1822>=instructus] particípio perfeito do verbo exartizö, cujo significado é completar, acabar, finalizar, cumprir, realizar. Uma outra vez aparece este vocábulo em At 21, 5 que fala de havendo completado ali aqueles dias,seguimos nosso caminho. É o homem perfeito de quem Paulo fala em Cl 1, 28 ensinando a todo homem em toda a sabedoria para que apresentemos todo homem perfeito, em Jesus Cristo.

PAULO TESTEMUNHA: Testemunho diante de (o) Deus e de Cristo Jesus o qual virá a julgar vivos e mortos e a sua epifania e o seu reino (1). Testíficor coram Deo et Iesu Christo, qui iudicatúrus est vivos et mórtuos, per advéntum ipsíus et regnum eius. TESTEMUNHO [diamartysomai<1263>=testificor] era a palavra usada para atestar uma verdade no tribunal da justiça. É uma afirmação diante das duas pessoas que eram a representação da Verdade suprema: Deus, nos céus e Cristo, na terra. JULGAR [krineiv<2919>iudicaturus] o verbo está precedido de mellontos <3195> particípio de presente do verbo mellö com o significado de estar a ponto de, por causa de intenção, dever, necessidade, probabilidade, e que pode ser traduzido por um futuro próximo também como a Vulgata traduz: iudicaturus. VIVOS [zöntas<2198>=vivos] é particípio de presente do verbo Zaö que significa viver, ou melhor, respirar, ter alento, estar em vigor. Ao acrescentar MORTOS [vekrous<3498>=mortuos] Paulo reafirma sua declaração na carta aos tessalonicenses 1, 4, 16-17: Dizemos, pois, isto pela palavra do Senhor que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor não precederemos os que dormem…. Os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro, depois nós, os que ficamos vivos, seremos arrebatados, juntamente com eles nas nuvens, ao encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor. Escrita a carta 30 anos após o início de sua primeira missão, Paulo ainda acreditava na iminente vinda de Cristo. É uma afirmação indireta e implícita que apela à palavra do Senhor Jesus (1 Ts 4, 15) como juiz final e universal. Os autores modernos falam de uma revelação especial dentre as muitas que Paulo teve (Gl 1, 12 ou 1Cor 15, 51). Da diferença entre os vivos, no meio dos quais Paulo acredita encontrar-se nesse dia, e os mortos é a ressurreição destes últimos e êxtases dos primeiros, arrebatados ao encontro com Cristo. Como no sermão escatológico, estas palavras devem ser tomadas da forma apocalíptica em que é difícil distinguir os símbolos da realidade concreta.

EPIFANIA [epifaneia<2015>=adventum]. Os símbolos do arcanjo, da trombeta, que Paulo usa como epifania na parousia, são comuns a todas as teofanias bíblicas, como Êx 19, 16, ou Mt 24, 31; e Paulo os emprega também em 1Cor 15, 24 para aparecer finalmente em Ap 5, 2 e 19, 17, sem que sejam realidades objetivas; mas uma demonstração de que o poder divino estará presente e será óbvia essa sua presença pelos fatos visíveis a todos os presentes, como uma possante e inusitada e em certo sentido, misteriosa intervenção de Deus, expressada com três fórmulas apocalípticas que em todas as descrições ressaltam: a voz divina, a voz do arcanjo e o som do shofar para a reunião da multidão. Ao incluir-se Paulo entre os vivos no momento dessa intervenção, não implica um fato cronológicamente seguro, pois ele afirma que ninguém sabe o tempo nem a hora (Mt 24, 36), mas se coloca na categoria dos vivos, assim como em 1Cor 6, 14 se coloca na categoria dos mortos. No discurso escatológico de Mateus (cap 24,3-31) dentro dos sinais da destruição de Jerusalém e do final dos tempos, vemos como Jesus usa um estilo e umas imagens tomadas do AT com afirmações universais que admitem uma explicação mais restrita e moderada, especialmente pelo que se refere a sinais astronômicos e catástrofes terrestres. Por outra parte, é geralmente admitido que todo o episódio e a profecia tiveram lugar na destruição de Jerusalém, e unicamente Mateus liga a mesma com o fim do mundo [melhor de uma era] (vede comentário de Manuel de Tuya O.P.). Finalmente, dirá nosso comentador, a parousia do Filho do Homem não exige uma presença física e sensível de Jesus Cristo…mas uma presença moral do mesmo no castigo de Jerusalém donde se verá seu poder;pois o anúncio feito se cumpriu. Os judeus, e Paulo era um deles, viram na destruição de Jerusalém o final de um mundo que confundiram logicamente com o final dos tempos, quando só era o final de um tempo. Nisto, como em todas as dificuldades da Escritura, devemos ter como guia o catecismo CIC. À pergunta de quando ressuscitarão os mortos, o catecismo diz no último dia, no fim dos tempos e que essa ressurreição está intimamente unida à parusia de Cristo. A ressurreição de todos os mortos “dos justos e pecadores” (At 24, 15) precederá ao Juízo final. Cristo virá em sua glória, acompanhado de todos os seus anjos. Como sempre, em toda profecia de futuros eventos os fatos são conhecidos e o profeta vê os mesmos como presentes e não distingue o tempo, que para ele é sempre próximo e atual.

DIFUNDE A PALAVRA: Anuncia a palavra, sede firme, oportuna e inoportunamente, corrige, censura, exorta em toda perseverança e doutrina (2). Praédica verbum, insta opportúne, importúne, árgue, óbsecra, íncrepa in omni patiéntia et doctrína. O versículo anterior é como a razão de porquê a insistência paulina a Timóteo de que deve ser diligente no anúncio do Evangelho que ele qualifica como um dever de anunciar, refutar e exortar e que vamos na continuação a explicar.

ANUNCIA [këryxon<2784>=praedica] overbo kërissö tem o significado de anunciar como o faz um arauto ou mensageiro no sentido de proclamar ou publicar muito mais do que a tradução vernácula de pregar, que hoje tem o sentido restritivo do predicarespanhol.

SEDE FIRME [epistëthi<2186>=insta] o verbo efistëmi significa colocar sobre, estar presente, aparecer na frente de alguém. Do sentido de estar presente, obtemos o sentido de estar firme, presente com a palavra, sem que essa firmeza seja abalada por causas externas.

CORRIGE [elegxon<1651>=argue] como verbo, o vemos tendo um maravilhoso significado de honrar, premiar ou também reprovar e desaprovar, como é o caso de censurar que vemos em Mt 16, 22 quando Pedro se opôs a Jesus e reprovou a predição de sua paixão.

REPREENDE [epitimëson<2008>=obsecra] de epitimaö, com duplo significado: honrar ou repreender. Aqui, seguindo o contexto em que todos os términos são negativos, escolheremos o significado de repreender.

CENSURA: [EXORTA [parakaleson<3870>=increpa] intimar, exigir, admoestar, encorajar, convencer, aconselhar, exortar; como nos conceitos anteriores temos a base negativa de reprimir, agora optamos pela palavra positiva em sua acepção de exortar, pois as duas palavras que indicam o objeto da atividade são do gênero positivo, como PERSEVERANÇA [makrothymia<3225>=patientia] que é a virtude de suportar adversidades e DOUTRINA [didachë < 1322> = doctrina] doutrina, ou o que é ensinado. Evidentemente, esta doutrina é o Evangelho na sua acepção paulina, ou seja, pregado aos gentios.

Evangelho (Lc 18, 1-8)

INTRODUÇÃO: O trecho de hoje é ocupado por uma parábola que o próprio Jesus explica, tendo um final um tanto fora do contexto, ao que parece. No tempo em que foi escrito o 3º evangelho, sem dúvida antes do ano 70, os cristãos estavam padecendo perseguição. Primeiramente pelos judeus, a começar pela perseguição do ano 34 [quatro anos após a condena de Jesus no ano 30] com a morte de Estêvão. Logo em 44, no reinado de Herodes Antipas, este manda decapitar Tiago e mete Pedro no cárcere. Paulo foi preso em Jerusalém no ano 58 para ser enviado a Roma no ano 60 onde foi declarado inculpado, após uma prisão domiciliar. Mas a perseguição romana começou com a expulsão dos judeus [entre os quais se encontravam cristãos, sem dúvida] feita sob as ordens de Cláudio (45 dC). Será no tempo de Nero que os cristãos, acusados injustamente de incendiar a urbe, encontrarão como inimiga a justiça romana. Calculam-se mil mártires nesta primeira perseguição. Estas primeiras perseguições eram circunstanciais e não atingiram todo o Império. Após a morte de Nero houve um período de paz de 25anos até o império de Domiciano (81-96). Esta segunda perseguição parece ter sido generalizada. Domiciano mandou matar a todos os descendentes da casa de Davi, parentes do Senhor, como afirma Hegésipo. Durante as perseguições, o clamor dos fiéis pode ser visto pelas palavras do Apocalipse (6, 9): Até quando, -clamarão os imolados por causa da palavra de Deus- ó Senhor, santo e verdadeiro, tardarás a fazer justiça, vingando nosso sangue contra os habitantes da terra? O último versículo, quando vier o filho do homem achará por ventura, fé na terra? Indica que o texto foi escrito antes do ano setenta, tempo da segunda vinda de Jesus. Mas, voltando à parábola, o começo da mesma assinala a moral da mesma, contrariamente ao que é costumeiro nas outras parábolas de Jesus. A lição é clara: se um juiz irresponsável, que não se importa com a justiça que ele deve respeitar, acaba por fazer justiça porque a viúva era persistente, quanto mais um Deus, justo e santo, atenderá os rogos constantes de seus filhos! A oração, quando autêntica, brota de uma fé viva, a expressa e a alimenta. E a palavra de Jesus alimenta essa confiança na proteção de Deus, que não despreza, melhor, admite, considera e atende nossas preces: Pedi, e vos será dado (Mt 7,7). Sendo a oração tema especial de Lucas, vemos no final um ex-abrupto, que nos introduz através da fé, na vinda segunda de Cristo. O versículo 8 conecta bem com 17, 37, fim do discurso sobre o dia do Filho do Homem. Possivelmente podemos unir ambos os trechos, e considerar que os clamores dos cristãos perseguidos serão ouvidos plenamente por quem não é um juiz prevaricador, mas um Pai que protege seus filhos.

A PARÁBOLA: Dizia-lhes, pois, também uma parábola por ser necessário sempre orar e não esmorecer(1). Dicebat autem et parabolam ad illos quoniam oportet semper orare et non deficere. Como foi dito no parágrafo anterior, a oração é para obter do Pai a proteção e a justiça contra os inimigos do cristianismo que atuavam contra a propagação e o livre exercício do mesmo, como vemos, se iniciou nos tempos de S. Estêvão (ano 34) e que foi uma constante na pregação do apóstolo Paulo (do ano 46 em diante). Aos cristãos ou discípulos do Caminho, nome primitivo da Cristandade, não restava outra alternativa a não ser a oração. E esta parecia demorar em obter seus frutos. Daí a conveniência da parábola que chamamos do juiz iníquo, mas que propriamente deveria ter o título da viúva perseverante. Porque foram essas orações para que chegasse a hora da ira e o momento de dar a recompensa a teus servos e profetas aos santos que veneram teu nome, pequenos e grandes, e de exterminar os que destruíam a terra (Ap 11, 8).

O JUIZ: Dizendo: Havia certo juiz numa cidade, não temente a Deus, nem respeitoso de homem algum (2). Dicens iudex quidam erat in quadam civitate qui Deum non timebat et hominem non verebatur. A palavra juiz é Shefat <08199>em hebraico e em grego Kritës<2939>. Temos também a palavra grega dikaste [daí dicastério] um termo que indica um magistrado, um oficial de justiça, termo mais elaborado do que krites. Os rabinos louvavam junto a coroa da realeza e a coroa do sacerdócio, a coroa da Lei que pode alcançar todo israelita e confere sua força às outras duas coroas. Eram os rabinos que determinavam a Lei e seus doutores – os escribas- tinham a capacidade de atar e desatar, dando uma coisa por proibida e outra por permitida (Ver Mt 16, 19). Os antigos israelitas, no Egito, tinham suas lideranças de tribo, os chamados Anciãos, os que Moisés reuniu em nome de Javé (Êx 3, 16). No deserto, existiam os príncipes das tribos (Nm 7,2) e na Palestina os famosos Juízes, que em nome de Javé protegeram os israelitas até o profeta Samuel, como enviados pelo Senhor (At 13, 20). No livro de Daniel temos dois anciãos que eram juízes a quem a assembleia creu por serem anciãos do povo e juízes (13, 42). Nos tempos de Jesus, existiam tribunais superiores ou sinédrios em cinco circunscrições da Palestina. Entre eles o principal era o grande Sinédrio ou Sanedrim [=assembleia] de Jerusalém constituído por 70 ou 72 membros dos quais alguns eram permanentes por cargo executivo, os chamados grandes sacerdotes ou chefes dos sacerdotes. O archiereus grego significa príncipe ou chefe de sacerdotes. Além do Sumo sacerdote em ofício, neste grupo se incluíam os que já foram tais e os chefes do templo, como eram o chefe da guarda, tesoureiros etc. Parece-me que o archiereus está mal traduzido por Sumo Sacerdote, como vemos nas leituras bíblicas da missa. Nos textos se fala que Jesus será julgado pelos chefes sacerdotais [sic na bíblia de Jerusalém], os anciãos e os escribas (Lc 9, 22). Porém parece que em cada cidade existiam os Dayan <01761>, termo que indica um assessor de um tribunal rabínico ou pessoa encarregada de pronunciar a sentença num julgamento. Enquanto o rabino geralmente decide sobre questões de natureza religiosa, o dayan julga assuntos econômicos e resolve problemas de Direito Civil. Só que em muitos povoados e aldeias ambos os ofícios recaiam sobre a mesma pessoa, especialmente porque a lei civil não se distinguia, na época, da lei religiosa ou Torah, minuciosamente explicada pelas normas da tradição ou Mishná. Seria, pois um destes dayan que impedia que a justiça fosse aplicada no caso da viúva. Mas era um homem que não temia a Deus e não respeitava homem algum. Flávio Josefo ao falar do rei Joaquim, dirá que não respeitava a Deus nem era atento com seus semelhantes. O nosso dayan era, pois, um juiz corrupto de quem não se podia esperar maior justiça da que proporciona a corrupção.

A VIÚVA : Havia, porém, uma viúva naquela cidade e vinha a ele dizendo: Vinga-me de meu rival (3). Vidua autem quaedam erat in civitate illa etveniebat ad eum dicens vindica me de adversario meo. A palavra almanah<0490> em hebraico tinha o mesmo significado que o grego chera <5503>, era logicamente a mulher que tinha perdido por morte o marido. Sai o nome pela primeira vez em Gn 38, 11 quando Tamar recebe o encargo de voltar à casa de seu pai, o dono após a morte do primeiro dono, que era seu marido. Como Javé não faz acepção de pessoas e não aceita suborno, ele é o que faz justiça ao órfão e à viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e roupa (Dt 10, 18). Por isso ouve seu clamor mandando que não sejam afligidos, pois caso sejam afligidos, ele escutará seu clamor (Ex 22,21). Ele sustenta o órfão e a viúva e protege o estrangeiro (Sl 146, 9). Pai dos órfãos e justiceiro das viúvas (Sl 68, 6). Deixa os teus órfãos eu os farei viver e que as viúvas confiem em mim (Jr 49, 11). Por isso, no final do AT Javé expressa a sua preocupação para com as viúvas. Eu serei uma testemunha rápida contra os que oprimem o assalariado, a viúva, o órfão e que violam o direito do estrangeiro (Ml 3, 5). Uma viúva tinha certos direitos restringidos, como não poder casar com um sacerdote (Lv 21,14) para não profanar a descendência deste último. A razão da proteção especial divina era porque as viúvas, geralmente idosas, tinham poucos recursos, sendo fáceis presas de pessoas inescrupulosas. A maneira de tratar as viúvas era um indicador da moralidade da época. Por isso, Jó foi acusado por Elifaz de maltratar as viúvas, pois seus problemas só podiam provir de uma conduta pecaminosa (Jó 22,9). A opressão das viúvas tornou-se um exemplo comum de maldade entre os homens (Sl 94, 6). Por isso, viúva era o símbolo de uma cidade abandonada e destruída pela guerra, como resultado de um juízo divino contrário (Is 47, 8). Assim Jesus optou como exemplo de desamparo e injustiça uma viúva, a quem os juízes da época, como eram os legistas fariseus, tiravam os poucos bens (Mt 23, 14). Jesus, de modo especial, já que sua mãe era viúva, tinha um carinho especial para com elas. Uma viúva foi seu modelo de desprendimento (Mc 12, 42) e outra de compaixão, e, sem ser rogado, ressuscitou o filho, para que a viúva de Naim tivesse alguém que a sustentasse, (Lc 7, 12). Ficamos, pois com a ideia de que uma viúva era facilmente maltratada pela justiça humana. Se a isso acrescentamos que o juiz era sem escrúpulos, corrupto ou imoral, o pano está perfeito para a comparação. Uma mulher, no AT, não tinha direitos legais. Seus direitos estavam na mão do pai, ou do esposo, se casada. As viúvas careciam de proteção e de direitos. Daí que os profetas invocassem o Senhor, como protetor das mesmas. Visitar os órfãos e viúvas em suas necessidades é parte da verdadeira religião (Tg 1, 27). VINGA-ME: É assim como devemos traduzir o grego ekdikeo. A justiça particular é chamada vingança e a pública defesa. No tempo de Jesus, a vingança, o olho por olho, era a razão da condena. A viúva pedia sem dúvida uma condena que poderíamos chamar de vingança ou desforra. Geralmente pensamos em termos monetários ou de bens, como sendo a justiça que a viúva pedia. Pessoalmente creio que era mais questão de justiça penal. Por isso o juiz não estava interessado, pois o dinheiro move os corações infelizmente e a compaixão não entra nos tribunais. O adversário, antidikos grego, nada diz à respeito do caso. Unicamente sabemos que era oponente dela.

O VEREDITO: E não quis por um tempo; porém, entre estas coisas, disse para si mesmo: Se, pois a Deus não temo e ao homem não respeito (4), porém, porque esta viúva me causa desgosto, a vingarei para que, por fim, chegando não me afronte(5). Et nolebat per multum tempus post haec autem dixit intra se et si Deum non timeo nec hominem revereor tamen quia molesta est mihi haec vidua vindicabo illam ne in novissimo veniens suggillet me. Durante muito tempo não quis fazer justiça, mas depois pensou e disse para si : Não temo a Deus nem respeito a opinião dos homens, mas esta viúva está me trazendo problemas insuportáveis; que não me aconteça seja esbofeteado no final. A vulgata traduz ypönpiazö<5299> bastante literalmente por suggillo que significa encher de golpes, como um boxeador que recebe uma verdadeira saraivada de pancadas. Metaforicamente significa encher a cara. Em linguagem vulgar, diríamos para que não me encha. Por fim é o eis telos, o in novíssimo [no último] latino que podemos traduzir por finalmente. Ou seja, o juiz a atende por sua importunidade que não o deixa em paz.

CONCLUSÃO: Disse pois o Senhor: Escutai o que o juiz da maldade diz (6). (o) Deus pois, não fará a vingança dos seus escolhidos os que clamam a Ele dia e noite e que têm sofrido pacientemente (os acontecimentos) sobre eles(7)? Ait autem Dominus audite quid iudex iniquitatis dicit Deus autem non faciet vindictam electorum suorum clamantium ad se die ac nocte et patientiam habebit in illis. A observação do Senhor é para esta última reflexão do juiz irresponsável, a quem chama de juiz da iniquidade. Esta é uma das poucas vezes em que Jesus de Nazaré recebe o nome de Senhor, título que ele adquiriu após a ressurreição. A tradução de Javé em grego pelos setenta é Kyrios nome dado a Jesus, o Cristo, reconhecendo sem a menor dúvida uma indiscutível condição divina. No mesmo sentido que o Deus do AT, Jesus é Senhor dos senhores, Senhor dos vivos e mortos, Senhor da glória, Senhor do universo. E dirige sua atenção com um argumento a fortiori ou a minori ad maius: Compara o juiz que deve fazer justiça a uma viúva, com Deus que deve fazer justiça a seus escolhidos. Se ela recorria frequentemente ao juiz, estes últimos clamavam dia e noite, ou seja, sem interrupção, pelos acontecimentos que estavam sofrendo. Na realidade, o grego tem uma sintaxe rara, difícil de interpretar. Terá, pois, Deus que esperar muito para que essa justiça seja feita? A conclusão era que essa justiça será feita em breve. Como indicávamos no início do comentário, a perseguição, especialmente a originada pelos dirigentes judeus, era motivo de aflição na primitiva Igreja e, daí o clamor para que a justiça divina interviesse em seu favor. Isso é uma amostra da antiguidade do evangelho de Lucas. Esperava-se a segunda vinda de Cristo como juiz para resolver a questão.

A ÚLTIMA REFLEXÃO: Digo-vos que fará a vossa vingança em breve. Aliás, chegando o Filho do Homem, acaso encontrará a fé sobre a terra?(8). Dico vobis quia cito faciet vindictam illorum verumtamen Filius hominis veniens putas inveniet fidem in terra. Mas quando vier o Filho do Homem, ainda encontrará fé na terra? A expressão Filho do Homem designa em princípio um membro da comunidade humana, especialmente enquanto ser mortal e fraco. Mas no livro de Daniel se transforma numa figura simbólica que representa o povo dos santos de Deus (cap 7) em sua glória final. Concentrada em seu chefe, a expressão Filho do Homem adquire um valor estritamente individual, glorioso e transcendente. Nos evangelhos aparece setenta vezes, sempre na boca de Jesus, pois sintetiza em sua pessoa, tanto a humanidade pela sua paixão, como a divindade, esta última pela ressurreição e seu poder de triunfo total, julgando seus inimigos. Algumas vezes está no lugar do eu, como substituto em português da expressão a gente. Sem dúvida que aqui o significado é o do Messias triunfante para o último julgamento, talvez em termos locais, restringido a uma determinada etnia, num lugar e de um povo especial: o povo hebreu. A palavra terra que aqui aparece está no lugar de terra prometida, terra [eretz em hebraico e gës em grego] que Javé entregou a seu povo escolhido como promessa dada aos patriarcas (Gn 12, 7). A Palestina era “a Terra” para um judeu, que se considerava expatriado fora dela, como o é, atualmente. A terra era a Eretz que constituía o templo em que Javé morava com seu povo, templo não construído por mãos humanas, mas escolhido por Deus para que seu povo o habitasse em paz, na prosperidade. Junto com o sábado e a Torá, era o tripé sobre o qual se assentava a ordem social do povo escolhido. É, pois, nesta terra especial que Jesus afirma ser duvidosa a fé dos moradores. Como reconhecem os autores modernos, toda esta perícope está relacionada com a parusia; uma parusia que não pode tardar porque os eleitos, os filhos do Reino, estão pedindo justiça diante da repressão da parte de seus inimigos. Esta parusia deu-se no ano 70 com a destruição do templo e a dispersão do povo de Israel. A fé [pistis grega] tem além do significado de convicção profunda de que Jesus tem o poder e a vontade de salvar, no sentido mais amplo possível, um outro matiz: a da entrega incondicional do discípulo à pessoa de Jesus. Esta fé constitui a base do discipulado. Portanto, a pergunta de Jesus pode ser traduzida nestes termos: Será que eu ao vir para julgar a terra, dada por Deus ao povo escolhido, encontrarei discípulos meus habitando nela? A resposta histórica, centrada no ano 70, é não; pois os cristãos tinham fugido e refugiaram-se na Transjordânia.

PISTAS:

1) A interpretação da parábola pode ser localista: uma viúva, uma causa particular de indivíduos que buscam uma solução para seus problemas íntimos. Como se cada cristão escutasse a parábola como dita para sua própria edificação. A intenção da parábola é toda tomada do primeiro versículo: A necessidade de orar sempre. Tudo mais parece simples ornamentação ou explicação. Porém, não é esta a interpretação mais admitida hoje.

2) A pergunta que podemos fazer é por que Jesus toma como exemplo uma viúva, a mais indigente dentro do poder do mundo antigo. É pura casualidade ou a escolha tanto da viúva como do juiz iníquo são escolhas voluntariamente arranjadas para transformar uma parábola em alegoria? Acreditamos que sim. A viúva representa a primitiva comunidade cristã, indefesa e frágil, diante dos dois poderes que a perseguiam: o judeu e o romano. Como temos narrado antes, o primeiro foi o iniciador da perseguição. Imediatamente após a morte de Jesus, os discípulos foram perseguidos. Quatro anos após a paixão, foi morto Estêvão. Saulo, o futuro Paulo, perseguia os cristãos já nos anos seguintes. Estamos, pois, num clima em que os gritos dos perseguidos clamavam justiça exatamente como descreverá o Apocalipse durante a perseguição de Domiciano. (vide supra e Ap 6,9). A resposta a este clamor intenso e perturbador é a da parábola: Deus demorará em fazer justiça, fazendo ouvidos surdos ao clamor de seus eleitos?

3) Existem porém algumas perguntas: por que Deus permite essa injustiça e essas perseguições? Quando o bem derrotará definitivamente o mal? É uma luta demorada e contínua? As respostas podem ser as que Jó encontrou dentro de sua inocência e ignorância: *Só Deus pode dar a resposta. *Porém existem sempre algumas pistas que podemos contemplar. Quando não existe contradição, o espírito humano se relaxa na vida cômoda e perde a pureza das intenções. A perseguição é uma purificação, uma volta ao primitivo espírito evangélico. Por isso é necessária para manter viva a fé, purificar o amor e suscitar, sobretudo a esperança. O mal já foi derrotado na cruz. Ele está vivendo a sua última agonia. Ele não subsistirá como força atuante na outra vida para os que escolheram o bem, mas será a seiva vital para os que o abraçarem como intenção de seu agir. Porém o abismo que separará os bons dos maus impedirá que o mal atue sobre os que gozam da visão divina. Já a luta na terra será contínua até o dia do Senhor, dia do triunfo, da vitória final do bem com a condenação eterna do mal.


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Oh! meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno,
levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente
as que mais precisarem!

Graças e louvores se dê a todo momento:
ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!

Mensagem:
"O Senhor é meu pastor, nada me faltará!"
"O bem mais precioso que temos é o dia de hoje! Este é o dia que nos fez o Senhor Deus!  Regozijemo-nos e alegremo-nos nele!".

( Salmos )

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