GOTAS DE REFLEXÃO - EVANGELHO DOMINICAL
21.11.2010
SOLENIDADE DE CRISTO REI – ANO C
__ "JESUS CRISTO, REI DO UNIVERSO. CRISTO, SENHOR DA PAZ E DA UNIDADE" __
Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! Cristo é chamado a dirigir o povo de Deus, a ser seu condutor; sua realeza é de origem divina e tem o primado sobre tudo, porque nele o Pai pôs a plenitude de todas as coisas. No entanto, o evangelho de Lucas apresenta a realeza de Jesus narrando a paródia da sua investidura como Rei dos Judeus na cruz., que lembra a outra paródia que se deu no pretório de Pilatos e narrada pelos outros evangelistas. A investidura real de Jesus se desenrola em torno da cruz, trono improvisado do novo Messias. Para tornar mais evidente essa aproximação, Lucas recorda a inscrição que encabeça a cruz, mas sem dizer que se trata de um motivo de condenação. Assim, a inscrição tem o lugar da palavra de investidura, como a do Pai que investe seu filho no batismo. Além disso, Lucas introduz aqui um episódio que se refere a outro lugar e lhe acrescenta uma frase com a qual a multidão espera que Jesus se manifeste como rei; mas ele não quer que sua realeza lhe advenha da fuga à sua sorte, e sim de sua fidelidade à ela! Entoemos cânticos ao Senhor!
(coloque o cursor sobre os textos
em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)
PRIMEIRA LEITURA (2Sm 5, 1-3): - "És tu que apascentarás o meu povo e serás o chefe de Israel"
SALMO RESPONSORIAL 121(122): - "Quanta alegria e felicidade: vamos à casa do Senhor!."
SEGUNDA LEITURA (Cl 1, 12-20): - "Ele é a imagem de Deus invisível, o Primogênito de toda a criação."
EVANGELHO (Lc 23,35-43): - "Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso."
Homilia do Diácono José da Cruz – SOLENIDADE DE CRISTO REI – ANO C
"O REI DOS REIS"
O filme era em preto e branco, e o cinema era o saudoso Club Atlético Votorantim, meus olhos brilhavam quando meu pai me dava uns trocados no domingo de páscoa, e me dizia “tome, vá assistir o “Rei dos reis”. O Tarzan e o Zorro, ou o mocinho dos filmes de Cowboy, eram nossos heróis que sempre se saiam bem sobre os bandidos, a gente brincava depois, tentando reproduzir o que tínhamos visto na tela mágica do cinema, e todos queriam ser os heróis vencedores. Então, o Rei dos reis, na certa contava a história de um rei poderoso e vencedor, contudo, o final do filme acabara com o meu entusiasmo, o tal Rei dos Judeus – Jesus de Nazaré – sofrera uma derrota humilhante e vergonhosa, sendo torturado pelos seus algozes até na hora da morte, além do mais nascera pobre em um estábulo, trabalhara com o pai em uma carpintaria, andava a pé e não em fogosos cavalos com sua guarda pessoal como faziam os grandes reis, e o pior, andava com pessoas de baixo nível, ladrões, prostitutas, pecadores, coisa nada recomendável para um rei. E no meu pensar de menino, comparado aos heróis da tela, o filme fora uma decepção.
Não dava nem para brincar de “Rei dos reis” com a minha turma, pois, como cantava Raul Seixas, eu também morria de medo de ser pendurado numa cruz. Era um filme onde, contrariando os demais, a força do mal havia vencido! Todos os anos eu ia assistir, na esperança de que houvesse perdido uma parte do filme, quem sabe a fita não tinha arrebentado, como as vezes ocorria com outros filmes, ocasião em que a platéia soltava uma calorosa vaia, vai ver que faltava um pedaço do filme, e assim eu alimentava a esperança de que Jesus de Nazaré saira-se vitorioso diante dos seus torturadores e poderosos que o haviam condenado.
Minha mãe era muito fervorosa em suas orações e práticas religiosas, um belo dia expus-lhe minha dúvida, se Jesus era ou não um vencedor, e se ele realmente ressuscitara, após aquela morte horrível na cruz, onde afinal havia se enfiado, que ninguém o via. Minha mãe sorriu, disse-me que com o decorrer do tempo eu iria entender, desde que continuasse a ir à igreja, escutar a santa palavra e a receber a eucaristia. Achei que a minha mãe tinha algum segredo sobre Jesus, que não queria me contar. Comecei a segui-la sem que ela soubesse, um domingo a tarde foi ao hospital Santo Antonio, visitar uma amiga internada, levou duas maçãs, e já no quarto, abraçou e a beijou, dizendo-lhe palavras de conforto e esperança,. Na outra semana pediu a meu pai para entregar ao soldado Ranieri, uma marmita cheia de comida e pedaços de frango, para ele levar para o Chiquinho, que estava preso por bebedeira, e que não tinha mais família. Em outro dia, acolheu em nossa casa, com a permissão do meu pai, um andante (eu morria de medo de andante) ele tinha uma barba grande e estava mau vestido, meu pai lhe cedeu uma calça e uma camisa limpa, um sapato usado para seus pés descalços, ele sentou-se na mesa e almoçou com muito apetite, igual os cachorros famintos que a gente alimentava na calçada.
E em minha última espionagem, notei que ela ficou quase uma semana ajudando a cuidar de uma criança enferma, que vivia com o avô, carregando a menininha pobrezinha uns três dias, prá cima e prá baixo, levando-a na farmácia e no Posto de Atendimento. Percorria as casas rezando o terço nos meses de maio e outubro, e preferia sempre as mais pobres, para alegria das pessoas simples, que saudavam Nossa Senhora das Graças, com muita festa. Meu coração se questionava cada vez mais, onde estava o Rei dos reis, triunfante? Qual a relação desse Reino do Bem, com aquelas atitudes de minha mãe? Lembro-me que já andava nos meus 14 anos e falava em ir para o seminário, certa tarde o Vico, marido da Nhá Jandira caiu em frente a nossa casa, esfolando o rosto na calçada, sangrando muito, sendo que meu irmão o recolheu para dentro de casa e ela, limpando o ferimento fez um curativo, lavando o rosto ferido daquele homem, e foi quando então uma luz brilhou dentro de mim, assim que ela foi para a cozinha corri atrás “Descobri mãe, descobri onde está o Jesus vencedor do mal!”. Enxugando as mãos no velho avental, ela indagou-me para que falasse logo, pois ainda tinha de preparar a janta para nós. “Ele está escondido em todas essas pessoas que Senhora ajuda, eu andei espionando tudo o que a senhora fez.”
Minha mãe sorriu, e disse-me que era mesmo verdade, que um dia o Padre Antonio explicara para o povo, o que Mateus havia escrito em seu evangelho (nos anos 60 a gente não tinha acesso a Bíblia) que em todas as pessoas que sofriam alguma dor, física ou moral, Jesus estava presente e precisava ser tratado bem, com carinho, amor e ternura. E assim desvendei o mistério de Cristo Rei, o seu reino alicerçado no amor, na justiça, na igualdade entre as pessoas é eterno, e jamais as forças do mal irão prevalecer contra ele.
É este o único critério que o evangelho desse penúltimo domingo do ano litúrgico nos coloca, para entrarmos na comunhão plena com Deus na Vida Eterna, crer na vitória da cruz, no Cristo Ressuscitado, que quer ser amado nos pobres, enfermos, idoso, crianças, encarcerados, prostituídos, nos famintos, e nos que estão nus, porque já perdeu toda sua dignidade. Há algo que nunca contei à minha mãe, e que guardei só para mim: É que na caminhada para o calvário, havia poucas pessoas que acreditavam em seu poder e realeza, Verônica, a que enxugou o seu rosto ferido, era uma delas, quando minha mãe limpou o rosto ferido daquele Homem alcoolizado, que caira em frente a nossa casa, eu me lembrei do filme, desvendando o grande mistério “tive sede e me destes de beber, tive fome e me destes de comer, estava nu e me vestistes, preso e enfermo, e fostes me visitar”.
José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa
Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa – SOLENIDADE DE CRISTO REI – ANO C
“Relativismo e verdade”
A festa de hoje foi instituída no Ano Jubilar de 1925 pelo Papa Pio XI com a Carta Encíclica “Quas Primas” (QP), com o qual coincidiu o 16º centenário do Concílio de Nicéia, que proclamara a divindade do Filho de Deus; este Concílio inseriu também em sua fórmula de fé as palavras: “cujo reino não terá fim”, afirmando assim a dignidade real de Cristo (cf. QP 2).
Jesus Cristo, sendo a Verdade, é também o rei da verdade, isto é, verdade é o que ele diz. O ser humano sempre mantem essa sadia curiosidade por conhecer a verdade. No filme “A Paixão de Cristo” de M. Gibson há um momento em que Pilatos pergunta a Jesus: Quid est veritas? – O que é a verdade? Tanto no filme como na Escritura se pode ver que “falando isso, saiu de novo” (Jo 18,38). Dá a impressão de que no fundo ele não queria saber a resposta. E, no entanto, o ser humano sempre tem o desejo de conhecer a resposta para os seus interrogantes, ainda que seja verdade que às vezes tente abafar esse desejo.
No Evangelho de hoje, se percebe esse desejo a través da conjunção “se”: “se é o Cristo, o escolhido de Deus!” – manifestam os príncipes dos sacerdotes; “se és o rei dos judeus” – dizem os soldados; “se és o Cristo” – diz um dos malfeitores crucificados com Jesus. Parece existir uma dúvida que no fundo é um “grito silencioso” que poderia ser traduzido dessa maneira: “Por favor, Senhor, se manifesta; por favor, me diz quem é você. Não aconteça que pela minha ignorância, venha eu a perecer. Se você é o Cristo, me salva”. Frequentemente, diante da aparente indiferença em relação à escuta do Evangelho, devemos escutar esse apelo oculto, silencioso, um grito suplantado.
O chamado “bom ladrão” teve coragem de expressar nitidamente o desejo do seu coração: “Jesus, lembra-te de mim, quando tiveres entrado no teu Reino!” Não devemos temer as revoltas humanas contra Deus. Temos a esperança de que, um dia, essas pessoas possam dizer como esse pecador que, como era um bom ladrão, soube “roubar” o céu nos últimos minutos de vida. Tenhamos por certo: a verdade de Cristo é que o que todos os homens e mulheres desejam, sabendo ou não.
A verdade, na Sagrada Escritura, não é somente uma luz na inteligência evidente para o sujeito, mas principalmente um apoio para toda a vida. O símbolo da verdade na Escritura é a rocha, a solidez da pedra. Na verdade de Deus nós podemos apoiar-nos para levar uma vida justa e bela, humana e sobrenaturalmente.
Joseph Ratzinger, um dia antes da sua eleição como Sucessor de Pedro, afirmava que nós “não devemos permanecer crianças na fé, em estado de menoridade. E em que é que consiste ser crianças na fé? Responde São Paulo: significa ser batidos pelas ondas e levados ao sabor de qualquer vento de doutrina… (Ef 4, 14). Uma descrição muito atual! Quantos ventos de doutrina conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantos modos de pensamento (…). Todos os dias nascem novas seitas e cumpre-se assim o que São Paulo disse sobre o engano dos homens, sobre a astúcia que tende a induzir ao erro (cf. Ef 4, 14). Ter uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, é frequentemente catalogado como fundamentalismo, ao passo que o relativismo, isto é, o deixar-se levar ao sabor de qualquer vento de doutrina, aparece como a única atitude à altura dos tempos atuais. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que usa como critério último apenas o próprio “eu” e os seus apetites. Nós, pelo contrário, temos um outro critério: o Filho de Deus, o verdadeiro homem. É Ele a medida do verdadeiro humanismo. Não é “adulta” uma fé que segue as ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é antes uma fé profundamente enraizada na amizade com Cristo. (…). Devemos amadurecer essa fé adulta (…). Em contraste com as contínuas peripécias daqueles que são como crianças batidas pelas ondas, São Paulo oferece-nos a este propósito uma bela palavra: praticar a verdade na caridade, como fórmula fundamental da existência cristã. Em Cristo, verdade e caridade coincidem. Na medida em que nos aproximamos de Cristo, assim também na nossa vida, verdade e caridade se fundem. A caridade sem a verdade seria cega; a verdade sem a caridade seria como um címbalo que tine (1 Cor 13, 1)”.
Cristo é o rei da verdade, mas é custoso deixar que essa verdade penetre até o mais profundo do nosso ser para ser nosso apoio, guia e modelo. Queremos conhecer a verdade, mas temos medo de comprometer-nos com ela, tememos que a verdade conhecida nos arranque do nosso habitual comodismo e das nossas costumeiras tradições. Quando Cristo bate à porta do nosso coração nos sentimos alegres, mas também – à medida que ele vai pedindo um maior espaço – percebemos como nos incomoda. No entanto, graças a Deus, somos conscientes de que a felicidade desejada só se encontrada nessa verdade abraçada.
Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa
Comentário Exegético – SOLENIDADE DE CRISTO REI – (Ano C)
(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
EPÍSTOLA (Cl 1, 12-20)
INTRODUÇÃO: Paulo está em Roma preso e recebe notícias de Epafras [=simpático, contração de Epafrodito], por ele convertido em Éfeso, à fé cristã e provável fundador da igreja de Colossas (Cl 1, 7 e 4, 12). Colossas era antiga cidade de Frigia na península de Anatólia [hoje Turquia asiática] situada a 18 km de Laodiceia. Durante o século I seu tamanho e importância estavam muito reduzidos, porque Laodiceia foi declarada capital do distrito. Mais tarde entrou em decadência, devido talvez a um terremoto. Com o nome de Konia foi famosa pela aparição medicinal do arcanjo Miguel em Chairotopa numa fonte, de modo que os que se banhassem nela, invocando a Trindade e a Miguel, fossem curados. A carta paulina foi sem dúvida escrita entre os anos 57 a 62. Paulo não tinha visitado a cidade, conforme declara a Filemon. A ocasião da carta é uma série de doutrinas heréticas procedentes dos judeus cristãos, entre elas algumas não muito boas sobre certas ideias que os judaizantes de Colossas, Laodiceia e Hierápolis difundiam com base na moralidade essênica e o gnosticismo e sincretismo gregos. Diversas potestades angélicas tomavam o lugar de Cristo, tanto na criação como na redenção. Contra essas ideias heréticas Paulo reclama o único poder supremo de Cristo, como criador, anterior a sua encarnação e a singular mediação, como redentor. Daí parte o apóstolo para uma série de consequências morais: a união com Cristo é o princípio da vida nova dos cristãos, a família cristã e o espírito apostólico próprio de todo cristão.
AÇÃO DE GRAÇAS: Agradecendo ao Pai que nos fez aptos para a parte da sorte dos santos na luz(12). gratias agentes Patri qui dignos nos fecit in partem sortis sanctorum in lumine. AGRADECENDO: [eucharistountes<2168>= gratias agentes] do verbo eucharisteö cujo significado é estar agradecido, dar graças, ou agradecer. Tratando-se de uma oração, vemos como Jesus, tomando os sete pães e os dois peixes, deu graças antes de reparti-los a seus discípulos (Mt 15, 36). No nosso caso, é melhor traduzir por agradecer. FEZ APTOS [ikanösanti <2427> =dignos fecit] do verbo ikanoö com o significado de fazer apto, equipar com poder suficiente para desempenhar um ofício ou um dever. É um particípio de aoristo que neste caso devemos traduzir pelo perfeito: que nos fez aptos seria a melhor tradução. Capaces é a tradução espanhola, idôneos a RA evangélica, capaci a italiana, fit a inglesa e dignos a Vulgata. Segundo a outra ocasião em que encontramos ikanoö, em 2 Cor 3, 6, Paulo declara que Deus lhe fez ministro capaz de um novo testamento. PARTE [meris<3310>=pars] com significado de parte, porção, percentagem, ou cota; optamos por parte. SORTE [klëros <2819>=sors]; Klëros era um objeto, pedra, casco de cerâmica, ou pedaço de madeira para lançar a sorte; e daí a mesma sorte ou prêmio que se obtém com o lançamento dos objetos antes citados. A consequência desse quinhão do qual formamos parte é que seremos contados entre os SANTOS NA LUZ. Esta expressão é única. Luz metaforicamente implica a essência de Deus, que se mostrou no monte como nuvem de luz (Mt 17, 5); e, como vida humana, Cristo é a luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo (Jo 1, 9). Assim, o próprio Jesus exclama, durante as festas dos sukoth ou tabernáculos: eu sou a luz do mundo (Jo 8, 12). Jesus chama a seus discípulos luz do mundo (Mt 5, 14); e como filhos da luz, os compara com os filhos deste mundo, a quem considera mais prudentes na sua geração. Paulo fala aos efésios que antes eram trevas, mas agora são luz no Senhor e, portanto devem andar como filhos da luz (Ef 5, 8). De tudo isso se deduz que Paulo, como parte do grupo dos apóstolos, foi escolhido como luz do mundo (Mt 5,14) e de modo especial do mundo pagão. Paulo usa o plural majestático que logicamente se refere a si mesmo, mas também é válido para os fieis a quem se dirige.
O RESGATE: O qual nos resgatou da autoridade das trevas e transladou para o reinado do Filho de seu amor(13). Qui eripuit nos de potestate tenebrarum et transtulit in regnum Filii dilectionis suae. RESGATAR [errysato <4506>=eripuit] do verbo ryomai, com o significado de resgatar, libertar, como vemos em Mt 27, 42: Confiou em Deus; pois venha livrá-lo agora. AUTORIDADE [exousia<1849>=potestas] DAS TREVAS [skotos<4655>=tenebrae] Autoridade ou poder o que implica domínio. Skotos tanto em latim como em português, trevas é plural. Também em espanhol [tinieblas] embora o significado fundamental é escuridão, falta de luz. Na linguagem metafórica do NT trevas é oposta à luz do Logos: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz (Jo 3, 19). Como poder das trevas encontramos no NT três versículos: Lc 22, 53: aos dirigentes judeus, Jesus disse: esta é vossa hora e o poder das trevas. Paulo fala duas vezes em suas cartas: sobre os governadores [kosmokratores] destas trevas (Ef 6, 12) em que não parece indicar poderes supranaturais, mas senhores do mundo; e finalmente, neste versículo, em que aparentemente é o diabo o senhor das trevas, como vemos também em At 26, 18: Paulo narra sua conversão e diz que o Senhor lhe escolhe para enviá-lo aos gentios para abrir os olhos deles para que se convertam das trevas para a luz e da potestade [exousia] de Satanás. Podemos, pois, afirmar que essa autoridade, ou melhor, poder, é o poder diabólico que dominava o mundo pagão através dos diversos ídolos e costumes depravados, que nele exerciam o domínio supremo com a conivência das autoridades romanas. Desse império das trevas fomos resgatados e conduzidos para o reino do filho, o amado de Deus (Mt 3, 17 e 9, 7); na realidade, Filho de seu amor que em termos bíblicos indica o primogênito ou unigênito, como afirma João (1, 14 e 1, 18).
REDENÇÃO: No qual temos a redenção mediante seu sangue, a remissão dos pecados (14).In quo habemus redemptionem remissionem peccatorum. Este versículo é uma clara definição do que nós chamamos de redenção. REDENÇÃO [apolytrösis<629>=redemptio] preço do resgate em geral de um escravo. Seria melhor falar de resgate, palavra que todos entendem; e esse resgate foi pago por Cristo por meio do seu sangue na cruz. Que dívida foi paga? Evidentemente com a REMISSÃO [afesis <859>=remissio] se indica uma dívida que, neste caso, foi contraída pelo pecado dos homens, a começar pelo original de Adão. Pecado [hattah <02403> =amartia=peccatum], em hebraico é o mesmo que dívida mashaah<04859>=debitum como vemos em Mt 6,12 donde o grego ofeilëma <3783>=debitum: Perdoa-nos as nossas dívidas [ofeilëmata] assim como nós perdoamos aos nossos devedores. Assim, pois, com o sangue de Cristo na cruz foram perdoadas as dívidas [os pecados] contraídas pelo homem através da História, desde Adão até o último homem nascido. Nisso consiste essencialmente a redenção, que o grego designa como resgate, pois foi pago um preço por uma dívida.
SOBRE CRISTO: O qual é imagem do Deus invisível, primogênito de toda criatura(15). Qui est imago Dei invisibilis primogenitus omnis creaturae. IMAGEM [eikön<1504>=imago] é também figura, efígie como era a do César na moeda do denário (Mt 22, 20). Porém Jesus, o Cristo, como Filho, era a figura visível do Deus invisível (2Cor 4,4 e Col 1,15) e os cristãos são toda criatura chamados a ser imagem do Filho de Deus (Rm 8, 29),e o varão imagem da glória de Deus (1Cor 11, 7). E sendo Cristo primeiro que é imagem de Deus, ele é considerado PRIMOGÊNITO [prötotokos<4416>=primogenitus] de toda CRIATURA [ktisis <2937>=creatura]. Como afirma Orígenes, ele não é criado, mas de toda a natureza criada é primogênito. Em Rm 8, 29 Paulo afirma que a predestinação é para conformar os bemaventurados à imagem de seu Filho a fim de que Ele seja o primogênito de muitos irmãos.Também é o primogênito dentre os mortos para ter em tudo a primazia (Cl 1, 18). Ktisis pode ser o ato de fundação ou edificação de uma casa, a criatura, e a natureza como criação. Depende do contexto. Aqui, se supõe que seja criatura e não criação.
NELE TUDO FOI FEITO: Porque nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam senhorios, sejam principados, sejam potestades: todas por meio dele e para ele foram criadas (16). Quia in ipso condita sunt universa in caelis et in terra visibilia et invisibilia sive throni sive dominationes sive principatus sive potestates omnia per ipsum et in ipso creata sunt. Tomando como base a figura de Cristo, Paulo fala dos privilégios do mesmo em relação com Deus, com a criação e com a Igreja. Ele não só é o primogênito, mas nEle foram CRIADAS [ektisthë<2936>=condita] do verbo ktizö, com o significado de fazer habitável um lugar, fundar uma cidade e finalmente criar, originar, dar existência. E ao dizer NELE, isso significa a transcendência como modelo e como fim, motivo e realização de tudo que existe no Universo, que Paulo abrange dizendo coisas celestes e terrestres. Tudo foi criado POR ELE E PARA ELE dirá imediatamente [di autou kai eis auton=per ipsum et in ipso]. Disso deduzimos que Paulo acredita em seres invisíveis como são os anjos e demônios, coisa que no credo afirmamos. E o interesse de Paulo é colocar o Cristo acima de qualquer poder, tanto humano como de outra ordem superior, por isso ele enumera uma série de potestades como tronos, senhorios, principados e potestades. Também estes domínios e autoridades podem significar as diversas características dos domínios angélicos. Na realidade, o importante é saber que Cristo é tudo em todos (Cl 3, 11).
ANTERIOR: E ele é antes de todas as coisas e todas nele subsistem (18). Et ipse est ante omnes et omnia in ipso constant. Ainda não existiam os dogmas cristológicos, que firmaram a fé em Cristo como Deus encarnado; mas numa linguagem simbólica e modélica Paulo nos diz que ele existia antes de todas as coisas, exatamente como o próprio Jesus afirmou aos judeus: antes que Abraão existisse, eu sou (Jo 8, 58). Isto é o que Paulo diz quando afirma que ele é anterior a tudo. SUBSISTEM [synestëken <4921> =constant] do verbo synistemi, unir, integrar, compor, juntar, unificar, agregar. Geralmente a tradução é subsistir, ou seja, persistem, permanecem ou tem consistência. Significa que tudo depende dEle, de modo que sem Ele, não existiriam.
CABEÇA: E ele é a cabeça do corpo da Igreja, o qual é princípio, primogênito dentre os mortos para ele se tornar em tudo o primeiro (18). Et ipse est caput corporis ecclesiae qui est principium primogenitus ex mortuis ut sit in omnibus ipse primatum tenens. CABEÇA E PRIMOGÊNITO: [kefalë<2776>=caput] do CORPO [söma <4983> =corpus] da Igreja. É a base do chamado corpo místico de Cristo que Paulo descreve de modo mais detalhado em Rm 12, 4-5 e 1 Cor 12, 12-27. Além do que os santos padres dizem sobre este mistério, hoje com o DNA podemos dizer que todo fiel, unido a Cristo pelo batismo tem o DNA de Cristo, assim como as células de um corpo têm o mesmo DNA que as distingue de um outro e as une ao único e próprio como partes de um todo. Pois todos somos conformes à imagem do Filho (Rm 8, 9). É a fé e a caridade com a seiva do Espírito que nos une e conforma com o Cristo, Filho de um único Pai, para termos um só Pai, um só Senhor e um mesmo Espírito, assim como temos uma só fé e um só batismo (1 Cor 8, 6 e Ef 4, 6). E seguindo o esquema do DNA, Cristo é como o zigoto inicial, o princípio do novo ser, e logicamente sendo o primeiro a ressuscitar se torna também primogênito dentre os mortos e como primeiro em tudo.
PLENITUDE: Porque nele pareceu bem habitar toda a plenitude(19). Quia in ipso conplacuit omnem plenitudinem habitare. PLENITUDE [plëroma<4138>=plenitudo] é a carga com a qual um barco está cheio, que além do frete incluia marujos, velas, etc. Para Paulo o kosmos é cheio de Deus (1Cor 10, 26) e, conforme o uso da época, o designa com o termo de pléroma. Derivado de plëres, completo ou repleto, foi usado pelos gnósticos, significando a totalidade de tudo que era considerado divino e dessa substância derivavam-se os diversos seres intermédios ou eons. Usada essa palavra 12 vezes por Paulo, em suas epístolas, significa o conjunto de todo o Universo, criado por Deus e submetido à soberania de Cristo. Este é o total cumprimento das antigas profecias (Rm 11, 25) e a plenitude dos tempos (Ef 1, 10), o cumprimento inteiro da vontade do Pai (Gl 5, 14) que opera o conjunto total das bênçãos, como fez por meio de Paulo (Rm 15, 19). Na cabeça deste kosmos, ou pléroma de Deus, Paulo coloca Cristo, recapitulando em si todo o céu e a terra (Ef 1, 10) Pois em Cristo habita ou está incorporado todo esse pléroma de Deus, como vemos neste versículo. E é por essa plenitude divina que nEle se encontra, que pode realizar a pacificação, como vemos no versículo seguinte.
A RECONCILIAÇÃO: E por ele reconciliar todas as coisas nele, fazendo a paz por meio do sangue da sua cruz por ele, quer as sobre a terra quer as nos céus (20). Et per eum reconciliare omnia in ipsum pacificans per sanguinem crucis eius sive quae in terris sive quae in caelis sunt. Como pléroma da divindade, a Cristo pertence a autoridade e poder de reconciliar todas as criaturas, inimigas de Deus desde o primeiro pecado. NEle e por meio dEle: Sendo que essa paz, foi conseguida na cruz, pelo sangue derramado como sacrifício. Nesse sacrifício pelo pecado, o Universo inteiro [quer o terrestre, quer o celeste] foi reconciliado com Deus.
EVANGELHO ( Lc 23, 35-43)
CRISTO REI: DO ALTO DA CRUZ, REINARÁS
INTRODUÇÃO: A agonia na cruz é o momento mais sublime da vida de Jesus como homem. É o seu sacrifício, que não só é acompanhado duma intensa dor, mas também duma profunda humilhação, que consiste em se desprender de todo contato com sua divindade e se mostrar na hora da morte como um simples mortal, um homem sofrido e humilhado, como um escravo castigado e não como um senhor dominador. Por isso, Deus se aproxima muito mais de todos nós na cruz infamante, assumindo toda nossa fragilidade e adotando o mais débil e frágil da natureza humana, num momento em que as forças e o sofrimento igualam todos os homens. E, não obstante, é nesse momento de fragilidade e abatimento em que Jesus morria, que o título dizia a verdade: Ele era por causa de sua cruz o rei dos judeus. Aceitá-lo como tal nesse momento paradoxal de sua vida, exige maior fé do que, vendo-o ressuscitado, confessar como Tomé: Meu Senhor e meu Deus! Esta foi a fé do bom ladrão, como vulgarmente falamos dele. A fé deste converso é um chamado para que nós vejamos, no Jesus da cruz, o verdadeiro Cristo, modelo de nossas vidas, sem ter que recorrer ao Jesus ressuscitado na Páscoa. A SOLENIDADE: No dia 11 de março de 1925 esta solenidade foi instaurada pelo papa Pio XI, querendo motivar os católicos a reconhecer, em público, que o mandatário da Igreja [e Igreja somos cada um de nós] é Cristo Rei. No dia 11 de dezembro desse ano Pio XI deu a conhecer uma carta encíclica, explicando as razões dessa sua eleição. Entre outras coisas, afirma: Podemos chamar de Rei a Jesus Cristo no sentido metafórico por sua Excelência que o exalta sobre todas as coisas criadas. Porém Ele reina nas inteligências dos homens porque é a Verdade da qual todos os homens necessitam beber e receber obedientemente. Reina sobre todas as vontades porque nele a Vontade está submetida à vontade divina e, também porque, com suas inspirações, influi em nossa livre vontade e a eleva a nobilíssimos propósitos. Finalmente é REI DOS CORAÇÕES porque com sua supereminente caridade e com sua mansidão e benignidade se faz querer pelos homens de modo que ninguém tenha sido nem seja nunca tão amado como Cristo Jesus. Mas também em sentido estrito o título de Rei pertence a Cristo porque ele recebeu do Pai a potestade, a honra e o reino (Ef 1,20-21); pois sendo Verbo de Deus, em substância igual ao Pai, possui, como o Pai, o mesmo império supremo e absoluto sobre todas as criaturas. O Papa fala das três potestades atribuídas aos reis [executiva, legislativa e judicial] e que em Cristo são eminentes, pois abrangem toda a terra e todos os homens, e são prioritárias sobre qualquer outra potestade ou soberania. Já que como afirma Paulo Omnis potestas a Deo (Rm 13,1): todo poder vem de Deus. O Papa termina, dizendo a razão pela qual instituiu a festa: não existe melhor meio para a instrução do povo cristão nas coisas da fé do que as festas anuais, muito mais eficazes que qualquer ensino ou magistério eclesiástico. Como causas negativas contrárias, o Papa fala da peste dos tempos modernos que é o Laicismo querendo substituir a religião de Cristo por uma religião natural, com certos sentimentos puramente humanos. É o que afirma no seu recente livro, Maçonaria em decadência, José Antônio Ullate: A raiz filosófica da maçonaria é o naturalismo, quer seja panteísta ou deísta: a eleição está pela razão natural, contra a fé sobrenatural. A maçonaria como instituição está em decadência, mas a maçonaria como doutrina adquire uma difusão quase universal; ou seja, a influência do naturalismo filosófico e o laicismo político.
OS ASSISTENTES: E estava a multidão olhando. Também os chefes junto com eles mofavam dele, dizendo: Outros salvou; salve-se a si mesmo se ele próprio é o Ungido, o escolhido de (o) Deus (35). Et stabat populus expectans et deridebant illum principes cum eis dicentes alios salvos fecit se salvum faciat si hic est Christus Dei electus. O POVO: Lucas fala dos que estavam presentes observando, enquanto Mateus e Marcos falam dos que passavam por lá. Ambas as coisas podem ser verdadeiras. Com isso se confirma que não foi o povo, o responsável, pelo menos principal, da morte de Cristo. Embora também o povo se uniu às mofas dos chefes, que Mateus e Marcos declaram ser os chefes sacerdotais [oi archiereis=summi sacerdotes]. AS ZOMBARIAS: Para Lucas, o motivo eram as curas produzidas por Jesus. Para Mateus e Marcos, a causa da mofa era a reivindicação de Jesus de reconstruir o templo em três dias após a destruição do mesmo. Também ambos os sinóticos coincidem em que o gesto principal era o balancear da cabeça, num sinal de desaprovação. OS DIRIGENTES: Porém serão os dirigentes religiosos do povo, aqueles que Jesus definia como chefes sacerdotais, anciãos e escribas (Lc 9, 22) os que neste momento, como chefes [archontes](35) zombavam dele e riam dizendo: Ele que salvou outros que se salve a si mesmo se é o Messias [Cristo ou Ungido] de Deus, o seu Eleito. Aparentemente a cruz era a destruição de um inimigo, de um homem; mas na realidade tratava-se da ressurreição de um novo Deus, e de um Senhor que era, precisamente por isso, tanto Kyrios como Chrestós [Deus e Ungido] (At 2, 36). A mofa dos magistrados dá pé para saber que Jesus morria na cruz por se ter declarado Messias e Eleito de Deus, segundo os salmos: Fui eu que consagrei o meu Rei sobre Sião [Jerusalém], minha montanha sagrada (Sl 2, 6). Assim, os outros dois sinóticos, acrescentam o desça da cruz como objetivo de salvação. Porém esse homem, destroçado pelo sofrimento na cruz, era verdadeiramente o Ungido, transformado em Redentor, segundo Isaías 59, 20: Virá um redentor em Sião aos que se converterem da sua rebelião em Jacob. Jesus, em sua resposta à petição do bom ladrão, não nega seu reinado e por isso lhe declara que estará com ele no paraíso onde seu reino será total e definitivo.
OS SOLDADOS: Menosprezavam-no, pois, também os soldados, aproximando-se e oferecendo-lhe vinagre (36) e dizendo: se tu és o rei dos judeus salva a ti mesmo (37). Inludebant autem ei et milites accedentes et acetum offerentes illi. SOLDADOS: Lucas emprega duas palavras diferentes. Uma para soldados romanos Stratiotes <4757>e outra, Strateuoma para guardas e policiais<4753>. O estratiotes é usado neste caso e o strateuoma no caso de Herodes (23, 11) e dos que perguntam a João sobre seus deveres (3, 14). Neste caso, eram soldados romanos os que custodiavam os crucificados. Como tropas auxiliares, muitos deles eram samaritanos, inimigos natos dos judeus. Daí que a burla fosse natural, especialmente por ter o réu o título de rei dos judeus. Um detalhe para ver até que ponto os evangelistas contam a verdade: Na burla dos chefes judeus vemos que eles pedem que Jesus demonstre sua missão: Se és o Cristo, intenção que não aparece entre os soldados. E os chefes sacerdotais ainda pedirão como supremo sinal o descendimento da cruz para crer no envio de Jesus como rei de Israel. VINAGRE: O termo oxos [acetum em latim] não pode ser traduzido por vinagre simplesmente; mas na época significava o que hoje chamamos de vinho seco, sendo oinos o termo que indicava vinho doce. Assim se entende a frase latina acre acetum [vinho azedo] ou, como outros traduzem, vinagre azedo, que não tem muito sentido, pois o vinagre sempre é azedo. O oxos, pois, era o vinho que tomavam por costume os soldados romanos. A tradução da bíblia KJ é vinegar [vinagre]. João confirma com sua narração o que acabamos de dizer: Estava lá um vaso cheio de vinho [oxos grego e acetum latino] (19, 29). Outros, afirmam que era a bebida chamada posca, também utilizada pelos soldados, e que consistia numa mistura de vinho azedo, ou vinagre, com água. Geralmente o vinho de baixo teor alcoólico facilmente vira vinagre, especialmente em climas cálidos. Lucas, aparentemente considera este ato como parte da burla dos soldados. Mateus fala de uma esponja empapada em oxos (27, 48), coisa que repete Marcos (15, 36), embora pouco antes tinha escrito que deram-lhe vinho com mirra, que Ele não tomou (15,23), porque este parece ser um ato costumeiro dos que assistiam aos condenados para diminuir as dores, como se fosse um calmante. João fala também dessa esponja. (19, 29) que tomou ou provou, logo dizendo está cumprido. Sem dúvida que se refere ao salmo 68, 22 segundo a Setenta ou 69, 22 no hebraico. Para se cumprir o dito pelo profeta: quando tinha sede deram-me a beber vinagre [chomets hebraico]. Lucas diz que se aproximaram os soldados, quer dizer que na custódia estavam um tanto longe da cruz, não tão longe como os familiares e amigos. REI DOS JUDEUS: O motivo do caçoamento dos soldados era ver um rei condenado sem que nenhum dos seus súditos o tivesse defendido. Como tal rei, ele devia se defender, e, a melhor forma, era descer da cruz nesse momento crucial, e lutar. É muito provável que os soldados fossem samaritanos e, portanto entendiam perfeitamente as mofas dos chefes judeus assim somando-se as mesmas (versículo 35). A razão desta burla está no versículo seguinte.
O TÍTULO: Já que também uma epígrafe estava escrita sobre Ele, em letras gregas e romanas e hebraicas: Este é o Rei dos judeus (38). Erat autem et superscriptio inscripta super illum litteris graecis et latinis et hebraicis hic est rex Iudaeorum. : Os réus na cruz tinham um capuz na cabeça [obnubilato capite que diz Cícero] e sobre a cruz, pendurado, estava o nome e o motivo da condenação. Era o elogium romano. O título de Jesus estava escrito em três línguas: hebraico, grego e latim. O título mais comprido, talvez o autêntico, é o de João: Jesus, o Nazareno [Nazoraios], o rei dos judeus. Em latim, Iesus Nazarenus Rex Iudeorum. Daí as iniciais INRI tão em uso nas imagens do crucificado. João é o único que usa o sobrenome Nazoraios, pois Mateus e Marcos usam unicamente o nome Jesus e Lucas se contenta com Rei dos judeus. A palavra Nazoraios nada tem a ver com Nezer, Nazir ou Nazireu aquele que se consagra a Deus e por isso deixa o cabelo crescer e não bebe bebidas alcoólicas, segundo os estatutos do Nazir ou consagrado em Nm 6,1 +. Na tabuleta encontrada como a original da cruz, o Nazareno em hebraico é Nzri [naziri(?)]segundo a reconstrução de Marini. Mas qual era o verdadeiro sobrenome de Jesus? Nazaraios ou Nazareno? É o demônio que o Chama de Nazareno (Mc 1, 24); também assim o chama a criada que acusa Pedro (14, 67) e o anjo no sepulcro (16, 6). Mas será Nazoraios em Mc 10, 34. e parece que este evangelista usa uma retradução do latim em que o adjetivo toponímico usa o nus como terminação: palestinus , jerosolimitanus, etc.. Lc 4, 34 é uma cópia fiel de Marcos 1, 24. Porém em todos os outros casos dos demais evangelistas o uso de Nazoraios é total e, portanto esta devia ser a palavra correta. Jesus recebe um sobrenome que não é o patronímico comum entre os judeus, mas um toponímico como é o caso de Maria Madalena ou Simão de Cirene. Jesus de Nazaré seria o nome oficial do réu na cruz. REI DOS JUDEUS: Esta era a razão, segundo Pilatos, pela qual foi condenado Jesus. O crime de lesa majestade era suficiente para o castigo máximo, que no tempo era a cruz. Esse delito era o que tinha contemplado Pilatos para poder aplicar a lei, segundo narra João: Todo aquele que se faz rei opõe-se a César (19, 12). E como os gritos dos assistentes pedissem a cruz, Pilatos deve perguntar: Crucificarei o vosso Rei? (19, 15). E, na opção dos chefes dos sacerdotes de não ter mais rei que o César, Pilatos dá a ordem: Ibis in crucem (irás para a cruz). A condena, da parte dos judeus, era uma blasfêmia: Ouvimos a blasfêmia, que vos parece? E todos julgaram-no réu de morte (Mc 14, 63). Era a condena judaica, a verdadeira, segundo João: Nós temos uma Lei e conforme essa Lei, Ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus (Jo 19, 7). Porém, da parte romana era necessário um delito civil, tal qual diziam os acusadores: Encontramos este homem subvertendo nossa nação, impedindo que se paguem os impostos a César e pretendendo ser Ungido-Rei (Lc 23, 2). Pilatos, segundo o costume romano ditou Sententiam, ex autoritate principis não baseada no caráter arbitral ou num ato restrito do cidadão, mas como Praetor, magistrado, presidindo o processo da cadeira curul. A cadeira curul [sella curulis] era o assento sobre o qual os magistrados que possuíam Imperium [máxima potestade, soberania e comando que era a personificação, no magistrado, da supremacia do Estado], tinham direito a se assentar. Estes magistrados incluíam o dictator, o magister equitum, o consul, o praetor e o aedilis curulis. A cadeira curul estava habitualmente construída de marfim, com pernas curvas formando um amplo X sem respaldo e com braços baixos. Podendo ser dobrada facilmente e assim ser transportada, especialmente pelos generais no caso de guerra. Pensemos também que o juízo de Jesus foi feito no Praetorium, a tenda do Imperator, o comandante máximo do exército que representava a Majestas Populi Romani. Os detentores de imperium tinham o poder de executar ordens e, para simbolizá-lo, eram escoltados por lictores com bastões enfeitados com fasces (feixes) de varas com um machado no meio, indicando a potestas de castigo e morte. À parte do Imperium existia a Potestas um poder derivado como consequência de uma delegação total ou parcial desse Imperium, embora a potestas era também o poder daquele que em si mesmo representava o Imperium. Precisamente o Proetor era o delegado da suprema autoridade, Imperium, nas províncias até o ano 42 em que foi chamada de Procurator. O imperium inclui todas as atribuições da potestas e mais: o direito de tomar os auspícios fora de Roma, o direito de organizar e comandar o exército; a jurisdição (poder de dizer o direito), repartida, paulatinamente, entre os magistrados; o direito de exercer coerção (coercitio), consistente em deter o cidadão e obrigá-lo a comparecer perante a autoridade; o direito de convocar o povo fora de Roma, nos comícios centuriados. A potestas, por sua vez, compreende: o direito de tomar os auspícios dentro da cidade; publicar os editos (jus edicendi); impor multas (jus multae dictionis); direito de convocar o povo dentro da cidade, para lhe dirigir a palavra e para fazê-lo votar; direito de convocar e de presidir o Senado (Senatum vocare), determinar que este aprecie um caso determinado (referre ad senatum) e que delibere e vote (cum patribus agere). Quando Paulo fala de Potestas et Imperium este sempre se refere ao Imperium Domini [império do Senhor arché= principium] ou seja, de Deus e a potestas [exousia= potestas]. Finalmente, vemos como os judeus apelam ao crime de MAJESTAS LAESA, ou Perduellio. Expliquemos os termos: A palavra Majestas significava a dignidade do povo romano. No período republicano, o termo Majestas laesa ou minuta era aplicado aos casos em que um general traía seu exército, ou capitulava diante do inimigo, em que como mando excitava uma sedição e em geral sua má conduta na administração que prejudicava a majestade do estado. As Leis das XII Tábuas punia com morte quem agitasse um inimigo contra Roma ou entregasse um cidadão romano ao inimigo. Alguns destes delitos foram enumerados na Lei Julia, modificada com o tempo pelas Senatus Consulta e Constituições Imperiais. Nos primeiros tempos da República, um ato injurioso contra o estado ou a paz, recebia o nome de Perduellio e o ofensor era julgado publicamente [populi judicio] e, se convicto, executado. A palavra parece que significava inimigo e assim, essa ofensa era equivalente a fazer guerra contra a república. O nome se transformou em lex de majestate nos tempos de Júlio César [daí o nome de lex Julia] e Augusto. Durante o Império, o termo Majestas aplicava-se à pessoa do César reinante e assim temos a frase Majestas Augusta, do mesmo modo que era aplicável aos magistrados da República como cônsules e pretores. No tempo de Tibério a ofensa ou delito de Lesa Majestade estendeu-se a atos e palavras desrespeitosas contra o Príncipe. Destruir ou vilipendiar uma estátua, consagrada ao César, era considerado crime de Lesa Majestade. Ulpiano [século II] afirma que o crime de Lesa Majestade é próximo ao de sacrilégio. O Crime de Lesa Majestade é aquele que é cometido contra o povo romano e contra a sua segurança. A falsificação da moeda entrava também dentro desse crime de Estado. Assim compreendemos que os cristãos que não podiam nem adorar nem venerar as estátuas do Imperador fossem considerados como réus de sacrilégio contra a Majestas e, portanto sujeitos do crime de Laesae Majestatis, ou como escreveu Tácito, convictos de ódio contra o gênero humano. Os cristãos morriam por não ter mais rei que Cristo à semelhança dos cristeros do México e de muitos mártires da guerra civil na Espanha, que morriam gritando: Viva Cristo Rei! Concede-me – orava diariamente o cristero mexicano- que meu último grito na terra e meu primeiro cântico no céu seja: Viva Cristo Rei! Porém, em nosso caso, o de Jesus, temos o delito de convocar uma sedição, ou revolta armada, ou ajudar os inimigos e armá-los contra os soldados romanos. Não é esta a acusação dos dirigentes judeus contra Jesus? (encontramos este homem, subvertendo nossa nação, impedindo que se paguem os impostos a César e pretendendo ser Rei). E não podemos esquecer que estamos nos tempos de Tibério que endureceu os termos de Laesa Majestas. A mesma alternativa de Barrabás confirma a nossa tese: ele era um subversivo [um terrorista] que, numa sedição ou revolta, tinha matado provavelmente algum soldado romano e seus cúmplices seriam os dois lëstai que no meio dessa sedição [en te stasei] tinham cometido um homicídio (Mc 15,7). Se Marcos (15, 27) e Mateus (27, 38) os chamam de ladrões [lëstai] e João nada diz com respeito aos seus crimes, Lucas diz deles que eram kakourgoi, ou malfeitores. É bom observar que a palavra lëstes, em grego significa ladrão violento [robber] a diferença de kleptes que é um vulgar ladrãonzinho [thief]. Por isso lëstes deve ser traduzido por bandido, com mais propriedade do que ladrão. Essa é a tradução que dão do delito de Barrabás em Jo 18, 40, como bandido, embora o latim use o latro [ladrão vulgar] inaplicável para um sedicioso (Mc 15, 7). Como nota, pensemos que Jesus nada respondia diante das autoridades civis. Suas palavras podiam ser mal interpretadas tanto pelo juiz, quanto pelos ouvintes. A melhor defesa era o silêncio. As únicas palavras de Jesus foram: Não terias poder algum sobre mim [potestatem adversus me] se não to tivesse dado Deus (Jo 19, 11). Com isso, Jesus diz a Pilatos que a autoridade dEle [de Jesus] era superior à do juiz nesse momento, que era o pretor romano. Indiretamente Jesus se declara superior ao Imperium. Nessa circunstância, Deus quer que o pretor julgue e condene quem não poderia ser nem julgado nem condenado por uma autoridade humana. E só como testemunha da Verdade Ele quer ser julgado, pois foi para isso que veio ao mundo (Jo 18, 17). Esse é seu reino. E como testemunha da verdade muitos o condenam.
OS KAKOURGOS: E um dos malfeitores pendurados blasfemava dele dizendo: Se tu és o Ungido (messias-rei), salva a ti mesmo e a nós (39). Respondendo, porém, o outro lhe reprovava, dizendo: Nem temes tu a(o) Deus já que estás sob a mesma condena? (40). Unus autem de his qui pendebant latronibus blasphemabat eum dicens si tu es Christus salvum fac temet ipsum et nos Respondens autem alter increpabat illum dicens neque tu times Deum quod in eadem damnatione es. Que tipo de malfeitores [tradução da palavra kakourgos] eram os dois crucificados? Em parte já temos respondido essa pergunta no parágrafo anterior. Mas vejamos mais sobre isto. Lucas nada diz, mas emprega uma palavra que somente ele usa e que unicamente fora dos evangelhos a encontramos em 2 Tm 2, 7, quando Paulo declara seus sofrimentos, entre os quais enumera os perigos dos kakourgoi que podemos assimilar a Lëstoi [salteadores] ou seja, os que assaltavam nos caminhos (Lc 10, 30) e que tinham como moradas, covas por viverem fora da lei (19, 46.): Era a vida que os subversivos da época deviam viver para se subtrair da justiça que os perseguia com espadas e porretes (Mt 26, 55). Era o antigo terrorismo que hoje infelizmente conhecemos tão bem. Dessa ralé era Barrabás (Jo 18, 40), supostamente chefe de uma rebelião (Mc 15, 7) e salteador (Jo 18, 40). Por isso, Pilatos o compara com Jesus a quem os chefes locais acusam de subversivo [kakopoiós] (Jo 18, 30 e Lc 23, 14). É uma boa sugestão pensar que há indícios de que os dois malfeitores eram cúmplices de Barrabás, porque os romanos crucificavam os subversivos que recorriam a práticas terroristas. O simples assaltante era levado, como outros pequenos malfeitores, às galeras ou às minas. Caso os dois malfeitores fossem subversivos ou zelotas, compreende-se melhor a acusação dos chefes dos sacerdotes perante Pilatos ao afirmar: Se este não fosse malfeitor [kakopoios=fazedor de mal igual a kakourgos= operador do mal] não to entregaríamos (Jo 18, 30). O crime de Jesus era a subversão: Se tornar rei dos judeus, opondo-se ao César (Jo 19, 12). Entre Jesus e a conduta prévia dos dois malfeitores, existia uma correspondência que um zelota de boa vontade entendia perfeitamente do ponto de vista religioso. Daí a repreensão deste último a seu companheiro. KRIMA: A palavra significa tanto julgamento como pena, devida a uma condenação, muitas vezes com ela identificada. A tradução mais divulgada é que ele, o outro kakourgos, encontrava-se na cruz, cumprindo uma condenação. Uma delas é a que diz que, na cruz, estava sob a mesma condenação que Jesus. Por que, pois, repreendê-lo? Podemos deduzir isso também da Vulgata [in eadem damnatione] era pedir respeito para quem sofria como companheiro e que não merecia o desrespeito, que era um pecado segundo as leis mosaicas. Esta é a impressão dada pela tradução da RA portuguesa: estando sob igual sentença. A outra é que ele, o malfeitor que blasfemava, estava dentro da própria pena que o condenava, sem referência a Jesus. Esse castigo era justo e definitivo, e a hora era a de temer pelo juízo de Deus, não a de se mofar de outros. Eis a tradução espanhola: Nem temes a Deus tu que estás no mesmo [próprio] suplício? Estando já sofrendo a condenação, era a hora do arrependimento pelos crimes cometidos, necessário para ser recebido benignamente pela justiça divina. Esta segunda versão vem avaliada pelo versículo seguinte.
ESTE NENHUM MAL TEM FEITO: Já que nós, portanto, com justiça, recebemos as consequências merecidas dos atos praticados; porém este nada de errado realizou (41). Et nos quidem iuste nam digna factis recipimus hic vero nihil mali gessit. O bom malfeitor [bom pécheur, que diria Peguy] reconhece o castigo sobre eles como justo. Mas também confessa que o homem a seu lado nada fez contrário às leis e que era inocente. Quem melhor do que um cúmplice ou um entendido na matéria para defender um inocente? O acusado, Jesus, era inocente, embora estivesse cumprindo o mesmo castigo que os dois culpados. Em que momento das aproximadamente três horas de agonia na cruz, ele confessou seu pecado e pediu para ser socorrido? Nada podemos dizer a respeito. Mas sabemos por experiência que os homens só pensam em Deus quando toda ajuda humana está perdida.
LEMBRA-TE DE MIM: E dizia a Jesus: lembra-te de mim, Senhor, quando chegares em teu reino (42). Et dicebat ad Iesum Domine memento mei cum veneris in regnum tuum. Uma vez confessados e aceitos seus crimes, que é o primeiro passo do arrependimento, ele se dirige a Jesus dizendo: Senhor [Kyrie], lembra-te de mim quando chegares em teu reino. A palavra Kyrie tem um significado transcendente como é o de quem se dirige a Deus; mas pode ter o alcance de apelar para alguém de certa autoridade. O verbo vir está em aoristo subjuntivo, tendo como significado um condicional: se algum dia vieres como rei. É uma frase difícil de entender: Como podia o malfeitor esperar coisa boa, um prêmio, de um condenado às mais humilhante das penas, no meio de insultos que transformavam seu reinado no mais espantoso dos ridículos? Só a graça de Deus que fortalece a debilidade (2 Cor 12, 10) é a resposta a essa petição. Sem dúvida que se interpretamos a palavra kakourgos por revoltoso, um zelota [embora a palavra foi cunhada mais tarde], como seria o nosso protagonista, estaria a par dos acontecimentos e especialmente dos fatos sobrenaturais de Jesus e de sua entrada triunfal pouco antes em Jerusalém. Tudo isso tinha um significado transcendente, que o nosso kakourgos não podia esquecer. É possível que a conduta tão singular de Jesus na cruz e os fenômenos que acompanharam a crucifixão (trevas, terremoto e outras coisas como testemunhou também o centurião [Lc 23, 44 e Mt 27, 54]), influíssem também neste raciocínio, do qual o centurião romano também participou: Certamente, este homem era um justo (Lc 23, 47) ou como escreve Mateus: Em verdade, filho de Deus era este (Mt 27, 54). A fé sempre é dada quando a pessoa está disposta a distinguir os sinais dos tempos (Mt 16, 3).
A PROMESSA: Então lhe disse Jesus: Certamente te digo: hoje comigo estarás no paraíso (43). Et dixit illi Iesus amen dico tibi hodie mecum eris in paradiso. Jesus afirma rotundamente [amém] que nesse mesmo dia o malfeitor que estava junto de Jesus como condenado, estaria com ele como perdoado. Vamos ver o significado, sempre escuro, de Paradeisos [paraíso]. É uma palavra de origem oriental de onde se origina o hebraico Pardes. É parte do Hades que os judeus pensavam ser a mansão das almas dos homens piedosos esperando a ressurreição. Mas outros entendem que designa um paraíso celestial, à semelhança do inicial do Gênesis. Vamos estudar isto com maior detalhe. Vamos distinguir entre Seio de Abraão, Éden e Paraíso. SEIO DE ABRAÃO: A palavra que se traduz por seio é Kolpos [seio, regaço] próprio dos homens assim como koilia [cavidade, ventre] é próprio das mulheres. O Reino é semelhante a um banquete. Nestes, os convivas reclinavam-se ao modo romano e por isso o discípulo amado se reclinava no seio de Jesus (Jo 13, 23). O mesmo evangelista usa imediatamente a palavra Stethos [peito] em 13, 25 e em 21, 20. Daí que no relato de Lucas sobre Lázaro, o pobre, este fosse levado pelos anjos ao seio de Abraão (16, 22) onde foi visto pelo rico epulário nos seios (sic) de Abraão que a Vulgata e as línguas modernas reduzem ao singular: no seio dele. Explicávamos, em recente evangelho, como a palavra kolpos pode também designar baia ou remanso. (ver comentário do dia 30 de setembro, XXVI do Tempo Comum). Claramente temos aqui uma reminiscência do banquete que Jesus afirmava era a alegria e gozo do Reino previsto no Antigo Testamento. Em João, sabemos que o Unigênito que estava no seio do Pai era quem o revelaria a nós. Como comentávamos em nossa exegese sobre Lucas, no XXII Domingo deste ano sobre Sheol, Gehena e Seio de Abraão, o banquete do rico foi assumido por Lázaro como banquete do além eterno. Porém, com Jesus não era a companhia de Abraão que representava o conjunto dos justos, dos amados de Deus, mas se tornava em Paraíso, o lugar feliz da companhia de Deus, perdido pelo pecado, mas agora recuperado pela morte sacrifical de Jesus. Que significava, pois, paraíso nos lábios de Jesus? Primeiro explicaremos Éden. ÉDEN: Derivada do acadiano edinu que tem origem no sumério éden significando planície ou estepe. O topônimo bit adini designa a região dos dois lados do Eufrates. Foi indiretamente ligada à palavra hebraica ádan <0527> [com ayim] que significa desfrutar, ter prazer bem [diferente de Adam<0120>, homem ou nome próprio, com aleph]. A LXX parece que tomou como raiz a hebraica e, portanto traduziu o gan be-eden [jardim em Éden] por paraíso em Éden [Paradeisos em Éden], que a vulgata traduz por paradisus voluptatis [paraíso do prazer]. A tradução da vulgata não é tão ilógica, pois em hebraico as três consoantes de YDN são idênticos para Éden [nome próprio de uma região] e para adan [prazenteiro]. Daí que gan é paraíso e Éden é um nome próprio no hebraico e na LXX; e um adjetivo na Vulgata, como vemos em Gn 2, 15 e 3, 23 que a Vulgata traduz o gan Éden por paradisus voluptatis. Unicamente a LXX traduz por paradeisos tes tryfés (da delicadeza ou do prazer) o versículo 3, 23 [hebraico gan-eden e não gan be-den] em que Adam foi expulso do jardim do Éden para a terra de onde tinha sido tomado. No Gênesis hebraico, parece que Éden é uma região geográfica onde se situava o jardim, propriedade de Deus, que parece estava na confluência ou foz dos rios Tigre e Eufrates no Golfo Pérsico, em que agora encontramos Basorá, a não ser que entendamos essa região como situada no terceiro céu, lugar do palácio divino. Éden é um símbolo de grande fertilidade em Isaías 51, 3, Ezequiel 36, 35 e Joel 2-3. Daí que em Isaías Jardim do Éden é paralelo a Jardim do Senhor e em Ezequiel Jardim de Deus, para significar mais tarde, não um lugar geográfico, mas um estado de comunhão perfeita com Deus. Em Joel lemos como, após a passagem dos gafanhotos, a terra que era como um jardim de Éden [gan eden, paradeiso tryfés, hortus voluptatis em hebraico, grego e latim] ficou como um deserto desolado. Amós fala da casa do prazer [beate éden, domus voluptatis]. No período intertestamentário só temos um caso em Sirac: a generosidade [charis] é como um paraíso [paradeisos] de bênçãos [en eulogiais], que repetirá no versículo 27, só que neste caso será o temor de Deus a fonte das bênçãos. O paraíso de Deus se identificará com o lugar onde os justos ficavam esperando a ressurreição no meio do seio de Abraão como vemos em Lc 13, 28 [meso tou paradeisou tou Theou no meio do paraíso de Deus]. Mas vejamos a palavra Paraíso tanto no grego como no hebraico. O PARAÍSO: Existe uma palavra derivada do avéstico [antiga língua do norte da Pérsia] pairidaeza [= cercado circular, aplicado aos jardins reais] que deu origem ao grego paradeisos e ao latim paradisus. A) No AT era o lugar onde Deus colocou o primeiro homem para que o trabalhasse e do qual o jogou fora após o pecado. Já temos visto que a vulgata traduziu os textos de modo a ser identificado com jardim de delícias. Segundo os comentários dos modernos judeus, a palavra Paraíso é tradução do pardes hebraico, que significa parque real, jardim. É a tradução do gan [jardim fechado, ou cercado por uma sebe ou muro]. Nos livros posteriores da Bíblia encontramos três vezes a palavra pardes com sentido de jardim (Ct 4, 13) e de parque (Ecl 2, 5 e Ne 2, 8). A literatura apocalíptica e o Talmud usam como jardim de Deus o sinônimo de Éden. O paraíso não recebe grande ênfase na visão judaica. É o lugar de delícias, jardim, ou parque, ou bosque. B) No NT se identifica com o céu, lugar em que os bemaventurados gozam da presença de Deus. Paraíso aparece três vezes nos textos do NT: Lc 23, 43; 2 Cor 12, 1-4 e Ap 2, 7. O melhor texto é o de Paulo aos de Corinto. Ele afirma que foi arrebatado ao paraíso [paradeison] que antes descreveu como sendo o terceiro céu (12, 2). Daí deduzimos que paraíso e céu, morada de Deus, eram a mesma coisa no pensamento cristão da época. Por isso o Apocalipse afirmará: ao vencedor darei a comer da árvore da vida que está no paraíso (2, 7). É a vida de Deus que, segundo o mito-parábola das árvores da ciência e da vida, fazia os mortais semelhantes a Deus (Gn 3, 22-23). Hoje usaríamos a palavra céu, a mais usada para definir a vida íntima com Deus. Jesus, com sua morte, transforma o seio de Abraão em Paraíso, ou melhor, lugar beatífico, estado de comunhão com Deus em Cristo.
PISTAS:
1) A festividade de Cristo Rei foi instituída por Pio XI pela preeminência da festa sobre o simples ensino. Daí que as festividades foram instituídas em períodos de heresia para venerar com maior frequência e firmeza algum mistério da fé. No nosso caso, diz o Papa, a heresia moderna é o laicismo, peste que infecciona a humana sociedade. Começou-se por negar o Império de Cristo sobre todas as gentes, negou-se à Igreja o direito de ensinar, de dar leis e de dirigir os povos conduzindo-os à eterna felicidade, para submetê-la à arbitrária permissão dos governantes e magistrados. Parece uma profecia do que está sucedendo na Europa atual que negou a sua origem cristã na nova Constituição programada. Um segundo motivo é a apatia e timidez dos bons que se abstêm de defender os direitos da Igreja; com isso, a força dos adversários cobra maior temeridade e audácia.
2) Na sua homilia no ano 2000, ano santo, o Papa J.Paulo II reafirmava a doutrina católica, declarando que Cristo é o alfa e ômega da criação e como verdadeiro Rei do Universo governa e renova tudo para poder entregá-lo ao Pai, assim renovado, de modo que Deus seja tudo em todos (1 Cor 15, 28). É o Paraíso final. Vivei, diz o papa, de modo que o mundo seja transformado pelo amor e para o louvor a Deus.
3) Como viver esse reino na terra? A realidade diária está longe do ideal diz o Papa. Todos estamos tentados a abandonarmos à rotina. Mas devemos realizar com esmero o trabalho, até o mais burocrático. Devemos olhar as pessoas, seus problemas e seus sofrimentos, embora tenhamos unicamente documentos nas mãos. Um discípulo de Cristo jamais deve se acomodar na mediocridade, pois todo trabalho pode ser caminho de santidade.
4) Do exposto anteriormente, vemos como a escolha estava entre o Imperium representado pelos imperadores, tendo como base os deuses de Roma, e o Reino de Cristo, em que este representava realmente o Imperium do Deus único. Ou era o Imperador, ou era Cristo. Por isso vemos como as palavras deste último se tornaram realidade: Sereis odiados por causa de meu nome (Mt 10, 22).
14.11.2010
XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C
__ "O REINO ESTÁ ENTRE NÓS, MAS AINDA NÃO SE COMPLETOU" __
Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! Nosso Deus é o Deus de amor. Não pode salvar o homem sem ele; por isso, faz aliança com seu povo; a salvação é o encontro de duas fidelidades. Mas se Deus é fiel, o povo não o é. Sob a ação das profecias nasce a esperança e a expectativa de um homem que finalmente saberá dar a Deus uma fidelidade absoluta e incondicional: o Messias. Quando ele vier, Deus concederá ao seu povo a plenitude prometida. Uma promessa de vida tal que nada mais haverá de comum entre o mundo presente e o novo paraiso. Uma nova terra, novos céus. Um coração novo tornará o homem sensível à ação do Espírito. Entoemos cânticos ao Senhor!
(coloque o cursor sobre os textos
em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)
PRIMEIRA LEITURA (Ml 3, 19-20a): - "Eis que virá o dia, abrasador como fornalha, em que todos os soberbos e ímpios serão como palha."
SALMO RESPONSORIAL 97(98): - "O Senhor virá julgar a terra inteira, com justiça julgará."
SEGUNDA LEITURA (2Ts 3, 7-12): - "Quem não quer trabalhar, também não deve comer."
EVANGELHO (Lc 21,5-19): - "Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu e ainda: O tempo está próximo. Não sigais essa gente!"
Homilia do Diácono José da Cruz – XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C
O REINO EM CONSTRUÇÃO...
A comunidade sempre gosta de recordar a história da construção de sua igreja templo, desde a primeira celebração para o lançamento e bênção da pedra fundamental, até o dia solene e festivo em que a obra, totalmente acabada foi consagrada pelo bispo diocesano e entregue ao povo de Deus. Parecia quase impossível que naquela grande área no final da rua, tomada pelo matagal, em um terreno desnivelado, fosse surgir uma bela igreja, ladeada por uma bonita praça, mudando o visual do bairro.
A comissão de construção sob a direção do pároco, viveu momentos difíceis, as obras ficaram paralisadas quase um ano, por falta de recursos, passaram-se dias, semanas,meses, anos, marcados por muita luta, empenho, coletas, promoções, eventos, rifas, bingos. Houve até divergências entre os membros e alguns abandonaram a comissão, quase gerando uma crise na comunidade. Mas enfim, um belo dia a igreja ficou pronta e totalmente acabada. Quantas histórias como essa a gente conhece ou até já viveu! O lançamento da pedra fundamental foi muito importante mas, e se tivesse parado nisso? E se a comunidade não tivesse “garra”, esperança e fé para levar adiante o projeto?
É maravilhoso participar de um projeto assim, que a gente vê iniciar-se do “nada”. No meio do caminho há os que desistem, por causa das dificuldades, há os que tomam posição contrária aos interesses da comunidade, há os que fazem intrigas ou críticas destrutivas. Há os que faltam com a caridade, amor, solidariedade, compreensão. Mas há aqueles que seguem adiante, perseverantes e firmes, nenhum argumento contrário consegue fazer com que desanimem. E um belo dia a vitória começa a delinear-se, conquistada com sofrimento, sacrifício, suor e lágrimas. No futebol costuma se afirmar que, “ganhar de virada é mais gostoso”, de fato, virar o jogo e inverter uma situação de derrota, é coisa muito prazerosa, que nos proporciona uma incontida alegria.
A construção do reino de Deus no meio dos homens, vai nessa mesma linha, quanto mais dificuldades e sofrimentos na ventura desta vida, maior grandiosidade terá a vitória. Mas é preciso ser firme, principalmente quando a força contrária quer nos arrastar para o desânimo e o derrotismo.
A derrocada da força do mal, contrária ao reino de Deus, já tinha sido anunciada através dos profetas, entre eles Malaquias, que na primeira leitura desse 33º. Domingo do tempo comum, afirma que o mal será queimado como palha e não ficará nem raiz e nem ramo, mas para quem teme o nome do Senhor, irá nascer o sol da justiça trazendo salvação. Uma montanha de palha pode causar admiração pelo volume, mas não tem consistência alguma ,bastando apenas um palito de fósforo e toda aquela palha já era. Mas é preciso acreditar que o bem é maior que o mal, é preciso ter ousadia e fidelidade ao evangelho, para acender o palito que destruirá o mal.
Por isso o evangelho, dentro do gênero literário chamado apocalíptico, estimula as nossas comunidades a continuarem firmes e perseverantes na fé, participando do reino novo inaugurado por Jesus, porém, deixa claro que a salvação não se realizará se o homem não colaborar, por isso Deus fez aliança com o seu povo. Jesus é a pedra fundamental perfeita, que os construtores rejeitaram, mas que foi tomada por Deus e colocada como alicerce de uma nova humanidade, sacramentando nele uma nova e eterna aliança.
Inúmeras vezes Jesus comparou o reino a uma semente, semeada no meio da humanidade, restando muito trabalho pela frente, e isso supõe a tarefa e a missão de cada cristão neste mundo. Ninguém pode ficar na ociosidade esperando passivamente a segunda volta do Senhor, na segunda leitura o apóstolo Paulo condena com veemência essa “vagabundagem” espiritual de alguns membros da comunidade de Tessalônica, muito ocupados em não fazer nada, só esperando pelo grande dia. Ser cristão e pertencer a uma igreja é comprometer-se em construir o reino a cada dia, se não ligarmos Fé e Vida, em todas as suas dimensões, nossas celebrações e nossos cultos, não terão nenhum sentido.
É em meio a este cenário de mentiras e enganos, de todos os dramas e as misérias humanas, de grandes catástrofes e acontecimentos trágicos e pavorosos. No meio de toda esta turbulência, o discípulo de Jesus deve permanecer firme, sem deixar-se levar pelo engano, ou desânimo, nem a traição de parentes ou amigos, porque a vida é maior que a morte, o amor é maior que o ódio, e o mal não resistirá a força da palavra e do testemunho do evangelho.. Por ora estamos no meio do caminho, coloquemos mãos a obra, esta causa vale a pena!
José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa
Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa – XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C
“O fim do mundo”
Não é raro ver escrito por aí que o mundo vai se acabar em 2012, isso segundo uma previsão do calendário maia. Mas não é a primeira vez que se prevê o fim do mundo. Graças a Deus, até o momento todas tem falhado! Nostradamus, astrólogo francês do século XVI, parece ter previsto que a terceira guerra mundial eclodiria em 1999. Essa guerra poderia ser semelhante a um fim de mundo devido ao arsenal bélico em mão de alguns países. Não houve guerra! Ainda bem!
31 de dezembro de 1980 também foi data do fim do mundo, segundo um presságio árabe. Naquela noite Júpiter e Saturno ficaram a 9 graus, mas o mundo não se acabou, como é evidente. 1874, 1914 e 1975 foram as três datas previstas pelas Testemunhas de Jeová para o fim do mundo. Falharam todas! Também o fundador da igreja Millerita, William Miller, previu o fim do mundo: 1843 seria o fim. Não foi! Não obstante, e apesar das falhas do “profeta”, o movimento dos milleritas está presente em várias igrejas, entre elas a Adventista do Sétimo Dia. Emmanuel Swendenberg, consultando a alguns anjos, disse que o mundo se acabaria em 1757. Falhou! João de Toledo, à sua vez, disse que no dia 23 de setembro (ufa, dia do meu aniversário!) de 1186 todos os planetas estariam alinhados em Libra e o mundo se acabaria. Os planetas se alinharam, mas o mundo persistiu na sua existência. Por último, para que não nos cansemos, Bernardo da Turingia em 960 afirmou que o mundo se acabaria em 992. E já estamos em 2010!
É algo verdadeiramente humano e nobre: ninguém quer morrer, ninguém quer ser enganado. E porque tantas pessoas se empenharam tanto em saber a data do fim do mundo? A curiosidade também é algo assaz humana. Viver e conhecer a verdade são dois grandes desejos que estão no coração de cada ser humano. Nisso se pode ver que o céu será a realização de tudo isso: viveremos para sempre conhecendo e amando a Verdade, que é Deus. Quando? Para cada um, logo após a sua morte haverá um juízo na qual já se decidirá a sua sorte eterna (cfr. Hb 9,27). Para todos, na consumação dos tempos, haverá um juízo universal que reafirmará a sentença do juízo particular tendo em conta as consequências das nossas ações (cfr. Mt 25,31-46). Ambos os eventos são desconhecidos quanto à sua realização.
De todas as maneiras, e em contra de qualquer teoria que pretenda saber mais que os desígnios do Altíssimo, no Evangelho da Missa de hoje, Jesus nos deixa de sobreaviso: “vede que não sejais enganados. Muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu; e ainda: O tempo está próximo. Não sigais após eles” (Lc 21,8). É verdade: Jesus voltará, ressuscitaremos com os nossos corpos, seremos julgados, há prêmio (céu) e castigo (inferno), haverá um novo céu e uma nova terra. Essas são verdades da nossa fé. Mas, quando acontecerá? Em primeiro lugar, o Senhor nos diz que tenhamos cuidado para não sermos enganados e depois nos diz que não sigamos os falsificadores da verdade. Em outra passagem lemos: “vigiai, pois, porque não sabeis a hora em virá o Senhor. (…) Por isso, estai também vós de preparados porque o Filho do homem virá numa hora em que menos pensardes” (Mt 24,42-44). O importante é vigiar e estar preparado sempre, isto é, em graça de Deus e praticando as obras da fé.
Quanto aos “presságios” do Novo Testamento sobre o fim – difusão do Evangelho, anticristo, conversão dos judeus –, parece que é preciso entendê-los como sinais enigmáticos presentes na história entre a primeira e a segunda vinda de Cristo que ajudam os cristãos a manter-se em estado de vigilância continua e a desejar a vinda do Senhor. Há uma presencia permanente de Cristo na história que se culminará com a sua Parusia gloriosa na consumação desses últimos tempos que estamos vivendo. Em efeito, já estamos nos últimos tempos desde a Encarnação do Filho de Deus: “Quando veio plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, que nasceu de uma mulher e nasceu submetido a uma lei” (Gl 4,4).
Tampouco se pode afirmar que o fim do mundo será uma aniquilação da criação material. Mas esse assunto ficará para uma reflexão posterior.
Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa
Comentário Exegético – XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM – (Ano C)
(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
EPÍSTOLA (2 Ts 3,7-12)
INTRODUÇÃO: Com o pretexto de que a parousia era iminente, havia entre os tessalonicenses alguns aproveitadores que diziam era inútil trabalhar e ociosos dedicavam-se a tumultuar a comunidade com suas fofocas. Contra eles, Paulo raciocina, com seu exemplo em primeiro lugar, como quem ganha o pão com seu trabalho e logo ordenando que os tais não recebam o pão caso não queiram trabalhar.
EXEMPLO DE PAULO: Pois vós conheceis como convém imitar-nos porque não nos comportamos desordenadamente entre vós (7). Ipsi enim scitis quemadmodum oporteat imitari nos quoniam non inquieti fuimus inter vos. IMITAR [mimeisthai <3401>=imitari] do verbo mimeomai significa imitar, remedar, seguir um exemplo ou modelo. Aqui, Paulo se propõe como modelo a imitar em questão de um trabalho duro, para ganhar seu sustento e não ser uma carga para os fieis de Tessalônica. Em 1 Ts 2, 10 Paulo tinha escrito Vós e Deus sois testemunhas do modo de quão piedosa, justa e irrepreensivelmente procedemos em relação a vós outros que credes. DESORDENADAMENTE [ëtaktësamen<812>=inquiete fuimus] Na realidade, o verbo atakteö significa comportar-se de modo irresponsável, sem lei, à-toa, como um bon vivant. Boa-vida sem trabalhar. E, logicamente, sem fazer nada, tinham que se divertir em fofocas e murmurações. A esse tipo de vida chama Paulo de inquieta ou desordenada, como era a formação de um exército que não guardava a ordem de desfile ou de batalha. Se de ordem trata Paulo, essa ordem é estabelecida pela tradição que os novos insurretos não guardavam e se sentiam como livres em seguir seus próprios caprichos e vontades fora dessas tradições em que tendes sido ensinados, seja por palavra, seja por carta nossa (2Ts 2, 11).Parece uma condenação da livre interpretação de Lutero e companhia.
PAULO TRABALHOU: Nem gratuitamente comemos pão de alguém, mas em labuta e fadiga de noite e de dia trabalhamos para não onerar qualquer um de vós (8). Neque gratis panem manducavimus ab aliquo sed in labore et fatigatione nocte et die operantes ne quem vestrum gravaremus. Paulo acaba de afirmar que sua conduta é exemplo a seguir, e agora diz a razão dessa sua afirmação: ele trabalhou para comer seu próprio pão que, como diz a Escritura, será no suor de teu rosto que comerás o teu pão (Gn 3, 19). Apesar de ter direito, como apóstolo, a uma manutenção digna, como diz a Escritura que não atarás a boca do boi quando pisa o trigo (1 Cor 9,9) não obstante foi seu propósito não cobrar nada pelo seu ministério apostólico quando podia, porque os que prestam serviços sagrados do próprio templo se alimentam e quem serve ao altar, do altar tira o seu sustento (1 Cor 9, 13) e assim ordenou o Senhor aos que pregam o evangelho que vivam do evangelho (idem 14). Isso foi quando enviou os discípulos de dois em dois e lhes disse não levar alforje [para a comida] porque digno é o trabalhador do seu alimento (Mt 10, 10). Paulo, não obstante, seguiu uma regra oposta, de modo que não se serviu do privilégio e nisso se gloriava: é que, evangelizando, o fazia de graça, sem se valer do direito que isso lhe dava (1 Cor 9, 18). Tudo isso o confirma o versículo atual. Ele não se aproveitou de qualquer um durante sua estância entre os Tessalonicenses.
A RAZÃO: Não porque não tenhamos autoridade, mas para dar-vos a nós mesmos modelo para imitar-nos (9). Non quasi non habuerimus potestatem sed ut nosmetipsos formam daremus vobis ad imitandum nos. Continuando o seu propósito de ser modelo de trabalho, Paulo diz que ele tem autoridade para exigir manutenção sem trabalhar, como compensação de seu ministério apostólico (1 Cor 9, 18), como temos declarado nas linhas anteriores; mas não o faz. E isso para se situar como modelo de vida cristã.
A ORDEM: Já que quando estávamos convosco isto vos ordenamos: que se alguém não quer trabalhar tampouco coma (10). Nam et cum essemus apud vos hoc denuntiabamus vobis quoniam si quis non vult operari nec manducet. Paulo usa de um provérbio de procedência rabínica, do tratado atual de Bereshit Rabba que diz textualmente que se um homem não trabalhar ele não deve comer. E ainda existia a casuística de se um homem não trabalhar na véspera do sábado, não poderia comer no dia de sábado. Parece que o caso vinha de longe, de quando Paulo estava em Tessalônica. Entre os romanos havia o costume de não trabalhar quando um homem era livre e parece que, em parte, esse costume também era próprio de certos Tessalonicenses, animados pelo fato de que pressentiam próxima a parousia do Senhor. Entre os romanos existia o dito: panem et circenses [pão e espetáculos do circo ou hipódromo] com o qual se definia a vida de um cidadão romano que recebia o pão do aristocrata de quem se declarava cliente e o espetáculo das carreiras do circo ou hipódromo que tanto suscitava as paixões populares.
OS QUE VIVEM À-TOA: Porque ouvimos que alguns andam entre vós desordenadamente sem trabalharem, mas como pessoas intrometidas (11). Audimus enim inter vos quosdam ambulare inquiete nihil operantes sed curiose agentes. DESORDENADAMENTE: É o grego ataktös[<814>=inquiete] de modo tumultuoso, especialmente de soldados, sem ordem e anormalmente. O latim inquiete é sim paz, desassossegadamente, devido a ideia de que o advento estava próximo e era por exemplo inútil semear o que não se poderia ceifar, num ano que jamais existiria porque o mundo estava a terminar. Algo parecido aconteceu com o famoso caso da invasão dos marcianos por Orson Welles em 1938 nos EEUU, com suicídios e pânico coletivo. PESSOAS INTROMETIDAS periergazomenoi<4020>=curiose agentes] usados como verbo de alguém que se mete em coisas de outros sem ser chamado, em inglês busybody [bisbilhoteiro]. Logicamente, ao não trabalhar, dedicavam-se a fofocar, pois a preguiça é a mãe de todos os vícios, como aconteceu a Davi com Bersabeia.
UMA ORDEM: A semelhantes indivíduos ordenamos e exortamos por nosso Senhor Jesus Cristo para que, trabalhando tranquilamente, comam seu pão (12). His autem qui eiusmodi sunt denuntiamus et obsecramus in Domino Iesu Christo ut cum silentio operantes suum panem manducent. Realmente, Paulo sente que os preguiçosos não devem ser ajudados pelo conjunto da comunidade com esmolas ou de outra maneira. Por isso, ordena à comunidade que se faça o que é direito segundo as palavras do Gênesis, que obriga o homem a trabalhar. E exorta os indivíduos a que o façam. A ajuda é precisamente para as viúvas e órfãos como fizeram os apóstolos com a nomeação dos sete diáconos, mas não para os que, podendo, não querem trabalhar. Imediatamente, afirma que se alguém não obedece este mandato dado pela epístola, não vos mistureis com ele, para que se envergonhe (V 14). É uma espécie de excomunhão que Paulo amortiza dizendo: Todavia, não o tenhais como inimigo, mas admoestai-o como irmão.
Evangelho (Lc 21, 5-19)
1ª PARTE DO DISCURSO ESCATOLÓGICO
A ESCATOLOGIA DE LUCAS: O discurso escatológico de Lucas se desenvolve no capítulo 21 dos versículos 5 ao 36. Tem paralelos em Mt 24, 1-44 e Mc 13, 1-37. Dizer escatológico não é afirmar, em absoluto, o fim último, mas o fim de uma era ou época, especialmente da época do AT, substituída por uma outra, pelo Reino de Jesus, ou Novo Testamento, até que venha depois o fim dos fins, ou seja, a escatologia final. Aliás, a palavra escatologia não é bíblica e nas Escrituras só encontramos o adjetivo: eskhatos que significa último. Com esta consideração em mente, vamos estudar a perícope de hoje de Lucas. Segundo autores modernos, existe em Lucas (ou podemos pensar assim) após a profecia sobre a destruição de Jerusalém, uma seção à parte, referida ao fim de todas as coisas que comumente chamamos de juízo final, a começar no versículo 24: “Jerusalém será pisada pelos gentios até que se cumpram os tempos das nações”. Se realmente os versículos seguintes se referem ao fim do mundo, este versículo indica que devemos contar com um intervalo de tempo considerável e indefinido, antes que aconteça esse fim, pois devem se cumprir os tempos das nações. O discurso, pois, que chamamos escatológico, expressa a certeza de Jesus quanto ao seu triunfo final, embora admita dias escuros pela frente. Mais uma coisa devemos ter em conta: a linguagem usada pertence a um estilo bem figurativo, próprio dos profetas do AT, inaugurado por Amós com o Dia de Jahveh, (Yom Jahveh), traduzido ao grego e latim pelo Dia do Senhor. Amós inaugura assim esse estilo que chamamos apocalíptico, em que a imagem predomina sobre a verdade histórica. No evangelho de hoje, temos unicamente a profecia da destruição do templo. Logicamente com a destruição do templo vinha também a de Jerusalém e a rejeição do povo de Israel.
O TEMPLO: Então, dizendo alguns a respeito do templo que estava adornado com belas pedras e dádivas ele disse (5). Et quibusdam dicentibus de templo quod lapidibus bonis et donis ornatum esset dixit. O templo [Beit Hamikdash] contemplado pelos discípulos [os referidos, como alguns, no texto] era uma maravilha, tanto pelos materiais usados em sua construção como pela grandiosidade do mesmo. O templo visto das alturas do monte das Oliveiras era o segundo templo, remodelado por Herodes, o Grande. Façamos um pouco de História: Reinava, em Judá, Manassés (687-642). Eis como descreve o segundo livro dos reis (622 aC) o que acontecerá com o rei e o templo: “Neste templo e em Jerusalém elegida por mim entre todas as tribos de Israel, porei meu nome para sempre. Não mais permitirei que os israelitas andem errantes …de tal forma que façam o que eu lhes ordenei e cumpram a lei que lhes prescreveu meu servo Moisés” (2Rs 21,7-8). Fixemos nossa atenção para dois fatos claros: Primeiro, a promessa divina de não sair do templo caso os israelitas cumpram as ordens e a lei pactuadas no tempo de Moisés. Segundo, o fato de um imenso poder como Assíria ter que levantar o cerco de Jerusalém porque uma peste matou, no ano 700 aC, pelas preces de Isaías, o profeta, durante o reinado de Ezequias, 185 mil homens, devido ao anjo de Jahveh, 2 Rs 19, 35. O caso é explicável porque Ezequias mandou secar as fontes de água externas e talvez os poços estivessem contaminados. Como resultado desse fato, os judeus acreditaram que o seu Deus lutava pela cidade e que esta seria sempre inexpugnável. Porém, como Manassés tinha até sacrificado e queimado filhos aos ídolos, prossegue: “Eis que faço cair sobre Jerusalém e sobre Judá uma desgraça tal que fará retinir os dois ouvidos de todos os que dela ouvirem falar” (2Rs 21,12). O oráculo se cumpriu segundo narra 2Cr 33, 6-11, sendo Assíria o instrumento da ira divina, e levando Manassés, amarrado com uma cadeia dupla de bronze, a Babilônia, de onde voltou arrependido, retomando seu reinado. A ESPLANADA: Esse templo estava situado na esplanada do monte Moriá no extremo nordeste de Jerusalém. Atualmente, nessa esplanada, estão situadas as mesquitas da Rocha e de Al-Aqsa. Essa esplanada tinha 40X100 metros, alargada durante o reinado de Salomão. No tempo de Herodes tinha 300X500 metros aproximadamente. O SANTUÁRIO [naos]: dividia-se em três partes: O Ulam [vestíbulo] cujas proporções eram 5,50X11 com 16,50 de altura; o Santo ou Hekal 22X11 e da mesma altura iluminado por altas janelas, e o Santíssimo ou Debir [também Kodesh HaKodashim= santo dos santos] tendo a forma de um cubo de 10X10 metros e da mesma altura, separado do anterior por uma cortina. Era o véu que se rasgou na tarde da sexta feira santa no momento da morte de Jesus (Mc 15, 38). Nos tempos de Salomão estava aqui depositada a arca da aliança. No tempo de Jesus, o espaço estava vazio. O primeiro templo foi destruído e incendiado por Nabucodonosor II em 587 aC. Depois do cativeiro em 517 aC os persas autorizaram a reconstrução do templo. O templo sofreu modificações importantíssimas nos tempos de Herodes a partir do ano 19 aC, demorando quase 20 anos para terminar suas partes essenciais embora os últimos detalhes só foram acabados em 62 dC. Conservou a estrutura de Salomão no Santuário propriamente dito embora elevando sua altura. No ângulo nordeste construiu a torre Antônia dedicada a Marco Antônio. A esplanada e os átrios foram enormemente ampliados e ornamentados. Os materiais empregados eram mármore branco e ouro de modo que o templo visto ao pôr-do-sol do monte das Oliveiras era como um bloco de neve rematado com o reflexo do ouro dos telhados. Uma maravilha para a vista, da qual temos uma referência neste versículo e Mc 13, 1. Dele só ficaram, após a destruição do ano 70, as pedras dos fundamentos do muro ocidental que hoje constituem o chamado muro das lamentações.
A PROFECIA: Estas coisas que vedes, virão dias, nos quais não ficará pedra sobre pedra que não será derrubada (6). Haec quae videtis venient dies in quibus non relinquetur lapis super lapidem qui non destruatur. É uma clara profecia da destruição do templo, que seria arrasado como uma cidade conquistada cujos muros eram aplainados, derrubados aos rés-do-chão. Daí a descrição pedra sobre pedra. De fato, a profecia se cumpriu no ano 70 e foi completada com a destruição total nos tempos de Adriano que mandou construir um templo (ou uma estátua) dedicado a Júpiter, após a rebelião de bar Kokhba no ano 132 dC. Esta profecia é tanto mais inesperada quanto maior parecia estar Javé unido e reverenciado por seu povo de modo a se cumprir a promessa de 2Rs 21 em que afirma sempre estar com seu povo e, implicitamente, reservar a morada que tinha escolhido como templo único em Jerusalém. Que pecado teria cometido Israel para Javé ter deixado destruir assim o seu templo? O grande pecado era a rejeição de Jesus, como foi outrora a perseguição dos antigos e verdadeiros profetas, tal e qual narra Mateus em 21 37 ss.
QUANDO: Perguntaram-lhe, pois, dizendo: Mestre, quando, porém estas coisas serão, e qual o sinal quando estejam estas coisas prestes a acontecer?(7). Interrogaverunt autem illum dicentes praeceptor quando haec erunt et quod signum cum fieri incipient. São duas as perguntas: Quando e qual o sinal próximo desses acontecimentos, de modo que os discípulos estivessem preparados para um acontecimento que significaria a ruína de Israel e talvez o fim do mundo? O evangelho de hoje só trata do tempo futuro prévio à destruição. Essencialmente diz que guerras e desastres naturais não constituem o sinal precursor. Também afirma Jesus que a perseguição dos seus discípulos precederá e acompanhará estes fatos. E é sobre estas coisas que lemos no evangelho de hoje.
FALSOS MESSIAS: Ele, pois, disse: Olhai que não sejais enganados. Já que muitos virão, usando meu nome, dizendo que eu sou e que a oportunidade chegou. Não sigais após eles(8). Qui dixit videte ne seducamini multi enim venient in nomine meo dicentes quia ego sum et tempus adpropinquavit nolite ergo ire post illos. Com esta sua primeira resposta, Jesus parece que dá menos importância à destruição do templo, em consideração com outros fatos anteriores de maior importância. São estes, os falsos messias, em primeiro lugar e a perseguição dos verdadeiros discípulos. EM MEU NOME: temos traduzido o grego [literalmente sobre meu nome] por usando meu nome, que significa representando o meu ministério que é o de Messias. De fato, houve vários personagens, que, após a morte de Cristo, se declararam Messias. Nos Atos, temos o caso de Teudas (ano 47) que foi morto com cerca de 400 seguidores (At 5, 36) e depois dele Judas, o Galileu, arrastou o povo consigo. Ele morreu e o povo se dispersou (At 5, 37). No ano 66 os cristãos e os nobres se retiram de Jerusalém, após o ataque frustrado dos romanos, Cestio Galo, e os cristãos se refugiam em Péla [oriente do Jordão]. De modo especial, devemos falar de Bar Kosiva a quem um dos melhores rabinos da época, Rabi Akiva, trocou o nome dele de Bar Kosiva [filho do engano] pelo de Bar Kojba que significa filho da estrela resplendente. À parte, temos outros dois principais personagens Shabbatai Zevi no século XVII fundador do movimento Sabbateo, e mais recentemente Lubavithcher Rebbe (1902-1994) [rebbe é mestre ou mentor, de Rabbi derivado em Yiddich] cujo nome era Menachem Mendel Lubavich, do qual se derivam os grupos hassidim atuais que têm como base a Kabala e o Talmud. Foi o maior posek [intérprete da Lei] para os Hassidim [piedosos judeus modernos, cuja seita nasce na Ucrânia com Israel Ben Eliezer (1698- 1760)]. EU SOU: Evidentemente que não se refere ao nome sagrado [Hasem] YHVH, mas ao ministério de Jesus, ao declarar ser ele o Messias. Junto com o título aproveitavam a oportunidade para levantar o povo como líderes militares contra os opressores, especialmente os romanos, no nosso caso. Como temos visto, foi a revolta de Bar Kokeba ou Korhba derrotado na fortaleza de Betar [dez ou 15 km ao sudoeste de Jerusalém] em 9 de Av de 135, dando origem à diáspora definitiva judaica. Mas antes da destruição do templo e durante o assédio, enganados por um falso profeta que predisse um sinal de salvação, reuniram-se mais de seis mil pessoas nos átrios do templo, onde pereceram abrasadas. Alguns traduzem o eu sou como dizendo que eram representantes de Jesus que tinha prometido voltar (Lc 12, 35-48). Jesus adverte que não podem seguir semelhantes embusteiros.
FALSOS SINAIS: Porque quando ouvirdes sobre guerras e distúrbios não fiqueis atemorizados, pois é preciso suceder estas coisas primeiro; mas não de imediato o fim (9). Cum autem audieritis proelia et seditiones nolite terreri oportet primum haec fieri sed non statim finis. Efetivamente, do ano 41 até o 70 houve no império romano estes fatos violentos: Assassinato de Calígula (41); assassinato de Messalina (48); invasão dos partos (52); envenenamento de Cláudio por Agripina a menor (54); guerra com os partos (58); assassinato de Agripina, sua mãe, por ordem de Nero (59); paz com os partos (63); conjuração de Pisão contra Nero (65); início da guerra judaica contra Roma (66); Vespasiano ocupa a Gália (67); suicídio de Nero e luta civil entre os generais Galba [assassinado]; Otão [morto em batalha]; Vitélio, morto em batalha por Vespasiano com o resultado deste último como imperador (68-69). Faltariam 8 meses antes da destruição de Jerusalém no ano 70. Nem guerras nem conspirações violentas são os sinais esperados antes da destruição de Jerusalém, ou se queremos interpolar o texto, antes da parusia de Jesus. Pois elas não constituem os sinais do fim e são elementos necessários da vida e história humana.
AS CALAMIDADES: Então dizia-lhes: levantar-se-á povo contra povo e reino contra reino (10). Haverá também terremotos grandes de acordo com os lugares, e fomes e pestilências. Também haverá coisas espantosas e grandes sinais procedentes do céu (11). Tunc dicebat illis surget gens contra gentem et regnum adversus regnum. Terraemotus magni erunt per loca et pestilentiae et fames terroresque de caelo et signa magna erunt. Rei contra rei: Além das lutas contra os britânicos cuja conquista Cláudio levou a cabo, temos as lutas contra os germânicos e contra os partos para não falar das intrigas de palácio. Cláudio matou 30 senadores e 300 equites, sua mulher Agripina. E na morte de Nero houve uma guerra civil entre os 4 césares, até terminar com a vitória de Vespasiano. FOME: Na história da Igreja primitiva, em Atos 11, 27-28, temos a profecia de Ágabo sobre a fome no tempo do Imperador Cláudio nos ano 49-50 a começar pela Grécia. Em Jerusalém a fome foi agravada pela circunstância de ser ano sabático, o anterior. Cláudio teve que dar certas garantias e privilégios aos armadores e marujos das naves que traziam o trigo do Egito para Roma. Suetônio menciona esta escassez de alimentos, resultado -diz ele- de péssimas colheitas ao longo de uma série de anos. Como exemplo de terremotos temos a narração de Atos 16, 26 quando um deles libertou Paulo e Silas abrindo as portas do cárcere e arrancando as cadeias das paredes. PESTILÊNCIAS: é possível que a influência do loimoi [fomes] tenha sido suficiente para usar a outra palavra semelhante limoi [pestes], embora não seja esta conjunção coisa tão infrequente na história antiga. Assim sabemos daquela que matou o imperador Marco Aurélio e de uma outra, em Roma, num período mais tardio em que morreram mais de 5 mil pessoas diariamente. Se hoje temos a gripe anual não há razões para pensar que essas epidemias estivessem ausentes no mundo romano. SINAIS NO CÉU: Acreditavam os antigos que a História humana estava antes descrita nos fenômenos celestes. Daí a Astrologia, que é admitida pela Bíblia (Mt 2,2). Entre estes fenômenos, devemos destacar os eclipses de Sol (se escurecerá), de lua (aparecerá vermelha, como no último eclipse total, vista na TV porque a luz do sol se difunde ao atravessar a atmosfera terrestre, ou se apagará) e as estrelas cadentes (os anjos cairão) (Mt 24, 29 e Mc 13,24-25). Por isso, Lucas fala só de que haverá “sinais” no sol, na lua e nas estrelas (21,25). As forças, ou poderes do céu que mantinham o firmamento, [a cúpula sólida que separava o primeiro do segundo céu] serão agitados (as colunas da terra serão abaladas), as enchentes (água transformada em sangue), erupções vulcânicas (o fogo) junto às tempestades violentas (o mar alvorotado) (Lc 21, 25-27). Tudo sem distinção de lugar e tempo definidos, como se o mundo estivesse todo centrado em Jerusalém e sua vizinhança, de modo que a terra global, pequenininha, que vemos hoje pela TV a centenas de quilômetros de altura, estivesse presente na mente do profeta de forma que a terra, todo o mar e todos os céus, fossem comovidos num único instante que está próximo e numa única região da qual o centro fosse Jerusalém.
A PERSEGUIÇÃO: Mas antes de todas estas coisas, porão as suas mãos em vocês e vos acossarão entregando (vos) às sinagogas e cárceres sendo levados aos reis e autoridades por causa de meu nome (12). Acontecer-vos-á, porém, em testemunho (13). Sed ante haec omnia inicient vobis manus suas et persequentur tradentes in synagogas et custodias trahentes ad reges et praesides propter nomen meum. Continget autem vobis in testimonium. A perseguição dos discípulos precederá aos sinais prévios do fim. Irão ao vosso encalço e ao falar de sinagogas, Jesus está se referindo sobre a perseguição da parte dos judeus. Nos Atos, temos uma clara confirmação desta profecia de Jesus sobre a perseguição dos discípulos de Jesus, iniciada com a morte de Estêvão (33 dC) (At 8,1) e o mandato de Paulo para acossar os cristãos de Damasco (At 9, 1-2). Também as autoridades pagãs entrarão nessa perseguição e isso tem uma finalidade: o testemunho dos discípulos; de modo que esse testemunho será a maior prova da ressurreição do mestre. Ninguém morre por mentir e ninguém mente sem uma razão que não seja a conservação da própria vida. Não existe uma morte, nesta profecia, isso apesar de Estêvão e de Tiago ou dos numerosos condenados à morte no tempo de Nero. Isso talvez indique que o evangelho de Lucas foi escrito antes dos mártires de Roma. Marcos (13, 9) falará de açoites, mas não de morte. Em lugar paralelo, Mt 7, 21, sim fala de morte, como a tal entregues por familiares, inclusive. Sabemos como Mateus acostuma ser mais catequista que historiador e por isso às vezes explica [logicamente sem parênteses, que não eram usados na época] palavras até de Jesus para o melhor entendimento de seus leitores. (ver o Pai- Nosso e a primeira das Bemaventuranças).
O TESTEMUNHO: Ponde, pois, em vossos corações não premeditar defender (vos) (14). Porque eu vos darei boca e sabedoria que não poderão impugnar nem resistir todos os opoentes vossos (15). Ponite ergo in cordibus vestris non praemeditari quemadmodum respondeatis. Ego enim dabo vobis os et sapientiam cui non poterunt resistere et contradicere omnes adversarii vestri. Jesus afirma que seus discípulos não têm porque aprender de memória um discurso para se defender. Tal é o significado do verbo grego promeletan que o latim traduz por praemeditari. A defesa estará por cargo de Jesus que porá na boca do discípulo a palavra de sabedoria que será impossível de ser refutada pelos adversários. Marcos diz que falará o Espírito Santo por boca do imputado (Mc 13, 11). Como Espírito enviado por Jesus (Jo 16, 7; 14-15 e At 2, 33), ambas as expressões são idênticas. Também na duplicata desta passagem (Lc 12, 11-12) se menciona o Espírito Santo que vos ensinará o que deveis dizer. Diante da Sabedoria divina o saber humano deve emudecer. O fato foi bem notório na morte de Estêvão, pois os da sinagoga dos libertos não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava (At 6, 16).
OS PARENTES: Pois sereis entregues até pelos pais e irmãos e parentes e amigos e matarão (alguns) entre vós (16). E sereis odiados por todos por causa de meu nome (17). Trademini autem a parentibus et fratribus et cognatis et amicis et morte adficient ex vobis. Et eritis odio omnibus propter nomen meum. O lugar paralelo é Marcos 13, 12-13. Na vida de Jesus só temos o caso dos pais do cego de nascença, que se desentenderam do caso por medo dos judeus (Jo 9, 20-22). Mas quem entregou Jesus foi um dos que Ele chamava meus filhinhos (Jo 13, 13), embora essa palavra responda ao que em grego se diz como nepios [infante, baby], usado pelos mestres como forma de se dirigir a seus discípulos. Alguns podiam ser mortos. Temos o caso de Tiago, morto por ordem de Agripa em 44 além de Estêvão dez anos antes. Sereis odiados: Quando Tácito descreve os cristãos fala deles como sendo convictos de ódio contra o gênero humano (ódio humani generis convicti sunt). Era fácil deduzir daí as perseguições.
EXORTAÇÃO FINAL: E um cabelo de vossas cabeças não se perderia (18). Na vossa constância obtende vossas vidas (19). Et capillus de capite vestro non peribit. In patientia vestra possidebitis animas vestras. O Kai [e] é traduzido por but [porém] na bíblia de JK, que parece uma ilação mais apropriada com o versículo anterior (17). No texto grego o primeiro verbo [aboletai] é um aoristo de subjuntivo. Poderia ser traduzido por um condicional: não se perderia um cabelo. O latim, sem tantos modismos como o grego, usa o futuro peribit [perecerá]. O verbo do último versículo é um imperativo: obtende ou alcançai, que também o latim traduz em futuro [alcançareis]. Estes dois últimos versículos parecem uma adição de Lucas para exortar os cristãos a ter confiança em Cristo e a perseverar na fé. Muitos modernos falam ser este um provérbio que também é usado por Mateus em 10, 30 e citado em At 27, 34 quando Paulo pede aos soldados que se alimentem após dias de incerteza e temor no meio da tempestade. Este versículo não pode ser tomado ao pé da letra já que, anteriormente, Jesus afirma a morte de alguns de seus discípulos. Pelo que diz respeito ao segundo versículo a tradução de ypomonë [duração, persistência, espera, perseverança], não é uma virtude passiva como a paciência, mas ativa como a persistência. É uma translação de Marcos 13,13: quem perseverar até o fim, esse será salvo. Não sabemos qual é o significado do versículo 19. A história nos diz que os cristãos, ante a aproximação dos romanos em 66, após o ataque de Cestio Galo, se retiraram a Péla, na Jordânia atual de nome Tabaqat Fahl, situada no meio de Gadara ao norte e Gerasa ao sul e muito próxima ao rio Jordão.
PISTAS:
1) O evangelho de hoje descreve profeticamente a destruição do templo. Era impensável para um judeu de sua época porque aparentemente o povo era justo diante de Deus. E o Senhor tinha prometido sua assistência ao seu povo sempre que este conservasse a Aliança: Não terás outro Deus além de mim (Êx 20, 3). Porém sua súplica, o templo do Senhor, o Templo do Senhor, foi inútil, como nos tempos de Jeremias (7, 4) porque não mataram um servo, mas o Filho de Deus e esta morte, que eles quiseram que caísse sobre eles e seus filhos (Mt 27, 25) ao rejeitá-Lo como seu Rei (Jo 19, 15) foi a origem da ruptura do pacto. Rejeitaram o reino porque recusaram o Rei.
2) A destruição do templo indica que não existem lugares sacros, mas pessoas justas. Se estas não cumprem, serão, como povo, castigadas no tempo e, como indivíduos, o castigo terá agravantes ultra terrenos. A justiça divina manifesta-se de muitas maneiras no AT: Davi peca como individuo com a esposa de Urias: o filho morre. Davi peca como rei querendo apadrinhar seus súditos como se fosse o senhor dos mesmos: a peste assola Jerusalém. No NT os judeus rejeitam Jesus: YHVH rejeita o povo de coração duro e abandona seu templo para sempre.
3) Se nós rejeitamos o Reino, entenda-se o Senhorio de Jesus, quer seja frontalmente não querendo submetermos a Ele, quer seja adotando outros senhores [riqueza, prazer, bem-estar, fama] não esperemos outros resultados além da justiça divina que opera frequentemente com os castigos com que a natureza paga os excessos de quem não respeita suas leis. Cantavam os antigos: Tu não és um Deus que se compraz na injustiça, o ímpio não pode ser teu hóspede (Sl 5, 5). Porque com a morte do injusto perece sua esperança e a confiança dos malvados é aniquilada.
4) Na destruição de Jerusalém, acostumamos ver um castigo, mas também devemos observar o triunfo de Jesus e a vitória dos seus discípulos. Assim dirá Jesus como consequência de seu discurso: Levantai a cabeça [não como vencidos] porque se aproxima vossa libertação (Lc 21, 28). A justiça tem duas caras: o castigo do culpado e o triunfo do inocente.
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( Salmos )
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