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Índice desta página:
Nota: Cada seção contém Comentário, Leituras, Homilia do Diácono José da Cruz e Homilias e Comentário Exegético (Estudo Bíblico) extraído do site Presbíteros.com

. Evangelho de 18/03/2012 - 4º Domingo da Quaresma
. Evangelho de 11/03/2012 - 3º Domingo da Quaresma


Acostume-se a ler a Bíblia! Pegue-a agora para ver os trechos citados. Se você não sabe interpretar os livros, capítulos e versículos, acesse a página "A BÍBLIA COMENTADA" no menu ao lado.

Aqui nesta página, você pode ver as Leituras da Liturgia dos Domingos, colocando o cursor sobre os textos em azul. A Liturgia Diária está na página EVANGELHO DO DIA no menu ao lado.
BOA LEITURA! FIQUE COM DEUS!

Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! Na celebração damos graças ao Pai , porque em Jesus realiza o maior gesto de amor para conosco. Contemplando-o erguido na cruz, nossas trevas são desmascaradas e vencidas e a esperança de um mundo feliz e libertado é reavivada. Como povo peregrino, comemos de seu pão, antecipando na fé a realização da comunhão entre nós, com o mundo e com Deus. A comunidade cresce e se fortalece na medida em que põe em prática o projeto de Jesus, a serviço da vontade do Pai, manifestada pelos mandamentos e pela vida de Jesus. Lembramos que este domingo é de muita alegria, pois a Igreja nos lembra que a Páscoa do Senhor está se aproximando. Sintamos o júbilo real de Deus em nossos corações e cheios dessa alegria divina entoemos cânticos jubilosos ao Senhor!

(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)


PRIMEIRA LEITURA (2Cr 36,14-16.19-23): - "Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele, e que se ponha a caminho"

SALMO RESPONSORIAL 137(136): - "Que se prenda minha língua ao céu da boca, se de ti, Jerusalém, eu me esquecer!"

SEGUNDA LEITURA (Ef 2,4-10): - "Somos obra sua, criados em Jesus Cristo para as boas ações, que Deus de antemão preparou para que nós as praticássemos."

EVANGELHO (Jo 3, 14-21): - "Quem age conforme a verdade, aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus"



Homilia do Diácono José da Cruz – 4º Domingo da Quaresma - Ano B

"Deus elevado na cruz..."

Talvez se substituirmos a palavra elevar-se pela palavra Subir, a gente possa compreender melhor a profundidade do versículo inicial desse evangelho. Subir significa estar em ascensão, ser referência, mostrar seu poder, ser visto e notado por todos. Entretanto, o modo como Jesus é elevado só serviu para ser escarnecido em uma morte humilhante e vergonhosa. Naquele momento de amargura e derrota, ninguém, nem mesmo os apóstolos pensariam que Jesus estava solidificando a sua Soberania e seu Senhorio sobre todas as coisas, ninguém ousaria dizer que ali, naquele "maldito" pendente da cruz do calvário, estava a Salvação da humanidade, o resgate do Ser humano, a sua remissão e redenção. O que se viu foi um corpo ensangüentado, dilacerado, chagado, entretanto, foi um momento Bendito e glorioso para toda a humanidade. Deus mostrou na cruz toda a Força e o Poder do Amor verdadeiro.

Por isso que, após introduzir a reflexão, o evangelista João vai direto ao tema central "Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho único, para que todo o que Nele crê não pereça, mas tenha a Vida Eterna." Crer em Jesus Salvador é Crer no Amor que vivifica, restaura, reconstrói o Homem, eterno objeto do Amor de Deus. Quem Nele não crer já está condenado, justamente porque não crê no Poder libertador do Amor de Deus. E a vida de quem fecha o seu coração para o amor, é amarga, vazia e sem sentido, porque não optar pelo amor significa a solidão total e completa, que é ficar longe de Deus já nesta vida.

Em seguida João desfaz o equívoco dos que trazem no coração e na mente a imagem de um Deus que condena e castiga o pecador. Deus não enviou Jesus ao mundo para vingar-se do pecado cometido por Adão e Eva e que toda a humanidade acabou herdando. Mesmo com a tragédia da cruz, Deus Pai não planejou uma vingança contra os que mataram a Jesus, ao contrário, o próprio Filho pede para que o Pai os perdoe...

O amor é sempre transparente e iluminador isso é, a tudo dá sentido, tudo crê, tudo espera, tudo tolera, é compassivo e fiel, Viver nesse amor é antecipar a Vida Eterna, mas sem o amor, o homem acabará naufragando nas profundezas dos mares do seu próprio egoísmo.

Crer e aceitar Jesus Cristo significa acolhê-lo por inteiro, vestindo a camisa do seu evangelho, aceitando com ele construir o novo Reino. Essa nossa opção por Cristo ou contra ele, reflete nos atos e ações que fazemos. É impossível fazer o Bem e permanecer nas trevas, assim como também é impossível praticar o mal e permanecer na Luz, pois são coisas contrárias que jamais estarão juntas em, um mesmo lugar ou em mesmo coração.

Nossas comunidades cristãs vivem essas duas realidades que caracterizam o Reino de Deus, por um lado, apresentam um Cristo elevado na cruz, anunciando assim a sua morte, mas por outro lado, esse Cristo crucificado faz nascer cada vez mais forte no coração de quem crê, a esperança escatológica de quem espera a Ressurreição. O Cálice Bendito elevado pelas mãos do Sacerdote é ao mesmo tempo amargura e doçura, Vida Morte e Ressurreição do Senhor, é a nossa humanidade tão frágil e pequena, mergulhada no mistério da Grandeza de Deus.

José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail  jotacruz3051@gmail.com


Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa – 4º Domingo da Quaresma - Ano B

“Entre a luz e as trevas”

Temos a impressão de que a maior parte da nossa vida passa-se entre a luz e as trevas. Aquela antiga expressão que afirmava que há pessoas que mantêm duas velas acessas, uma ao diabo e outra a S. Miguel, parece encontrar o seu correlativo na vida de um filho de Deus que procura ser bom e encontra frequentemente as dificuldades da jornada. Uma coisa é bem certa: é preciso apagar a vela ao diabo!

No interior do ser humano trava-se uma batalha constante e que poucas vezes dá trégua. Não é à toa que somos chamados “Igreja militante”, isto é, a família de Deus que luta, que combate, que quer viver sempre na luz ainda que as trevas queiram entrar no seu interior. “Aquele que pratica a verdade, vem para a luz” (Jo 3,21). Observemos que a passagem citada não diz “aquele que fala a verdade”, mas “aquele que pratica a verdade”. O que seria então “praticar” a verdade? Poderíamos resumir em poucas palavras: “viver conforme a verdade”.

Viver segundo a verdade de Deus é adaptar a nossa maneira de pensar, querer, sentir e agir à maneira de Jesus, pois ele é a verdade. Não nos esqueçamos de que no cristianismo, a verdade não é simplesmente um argumento, a verdade é uma pessoa: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). Viver conforme a verdade de Deus é pensar a própria vida segundo o plano de Deus que se manifestou suficientemente no mistério da Palavra de Deus que se encarnou para a nossa salvação.

Mas, como sabemos e experimentamos, não basta saber essas coisas, é preciso lutar para propor-se seriamente o seguimento de Jesus-Verdade. O ambiente no qual nos movemos oferece muitas atrações que não nos conduzem a bom porto, que não nos levam pelo caminho da salvação. O pecado frequentemente se assemelha a uma maçã que, estando podre por dentro, apresenta-se com belíssimo aspecto, bem atraente aos sentidos. O que fazer? Pedir a luz de Deus para vermos que tal fruta está podre, que não alimenta. O Evangelho de hoje ressalta justamente isso: andar na luz, que é sinônimo de andar na verdade.

O cristão tem que ser consciente de que sem a luz da fé na inteligência e sem a caridade na vontade, não fará o bem que almeja. Ninguém pode mover-se sobrenaturalmente sem a graça de Deus. É impossível! A nossa natureza, depois do pecado original, ficou estragada (não totalmente), posteriormente foi resgatada, e, contudo, nela permanece a ignorância e a concupiscência. Essas duas realidades são as que obscurecem a nossa inteligência e debilitam a nossa vontade. A fé vem para curar a ignorância e o amor de Deus vem para dar força à nossa vontade.

Nesta quaresma, tempo de conversão, é preciso ter em conta essa realidade: quem vive habitualmente na graça de Deus não está livre de todas as tentações, também ele se encontra exposto às trevas do pecado. Nunca percamos o bom senso: somos fracos, precisamos da luz e do amor de Deus. Não sejamos ingênuos: fujamos das ocasiões de pecados! Nada dizer: “não importa, eu resisto, pois eu sou forte”. Quantos heróis já foram derrotados por causa de uma confiança exagerada nas próprias forças!

Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa


Comentário Exegético – 4º Domingo da Quaresma - Ano B
(Extraído do site Presbíteros - Elaborado pelo Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

EPÍSTOLA (Ef 2, 4-10)

INTRODUÇÃO: Esta perícope é um hino à misericórdia divina que constitui uma declaração dogmática da forma em que Deus planejou a nossa redenção: A fé é a única condição que exige do homem um Deus que é todo amor e misericórdia. Paulo o define como rico na mesma pelo imenso amor que nos manifestou. Não escolheu unicamente um homem para uni-lo à sua divindade, mas nesse homem, Deus vê todo homem que acredita ser seu salvador; e assim, juntamente com ele, os fará partícipes de sua glória, ou se quisermos de sua família. Somos filhos no Filho, como diz João: Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome (Jo 1, 12).

A MISERICÓRDIA DIVINA: Pois o Deus sendo rico em misericórdia pelo muito amor dele que nos amou (4), e estando nós mortos pelas culpas, deu-nos a vida por Cristo: de graça sois salvos (5). Deus autem qui dives est in misericordia propter nimiam caritatem suam qua dilexit nos. Et cum essemuador que um presens mortui peccatis convivificavit nos Christo gratia estis salvati. RICO [plousios<4145>=dives] é um adjetivo que indica abundância de bens materiais, especialmente de posse de moedas com as que manifestarem suas economias, como em Mc 12, 41: Estando Jesus assentado defronte da arca do tesouro, observava a maneira como a multidão lançava o dinheiro na arca do tesouro; e muitos ricos (plousioi) deitavam muito. Temos o relato do jovem que era muito rico [plousios sfodra] (Lc 18, 23) porque tinha muitas propriedades. EM MISERIDÓRDIA [en eleei<1656>=in misericordia]: eleos sigifica boa vontade para com o miserável  ou aflito, unida ao desejo de socorrê-lo. No  hebraico, é o Hesed <02617> que a Setenta traduz por eleos como em l Cr 19, 2: Então disse Davi: Usarei de benevolência [hesed=eleos] com Hanum, filho de Naás, como seu pai usou de benevolência [hesed=eleos] comigo. No AT hesed está frequentemente unida a emeth formando uma expressão que define o caráter divino com respeito ao homem no seu estado de queda, como lemos em Gn 24, 27: Bendito seja o SENHOR Deus de meu senhor Abraão, que não retirou a sua benevolência e a sua verdade de meu senhor. A frase Paulina é uma cópia dessa definição que Jahveh deu de si mesmo em Êx 34, 6: Eu sou o Senhor! O Senhor Deus misericordioso e compassivo, paciente e grande em benevolência e verdade [we rabhesed we emeth= polyeleos kai alëthinos]. A frase hesed we emeth se repete continuamente no AT para ser acolhida como definição do Filho, no prefácio de João 1 14: E vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade [plërës charitos hai alëtheias] cuja tradução mais correta seria: cheio de benevolência e fidelidade. Esse Salvador que foi um presente de Deus para os homens de sua eudokias [benevolência] (Lc 2, 14). Ou se quisermos essa benevolência é entranhas de mãe, que J. P. II explica em sua primeira encíclica Dives in misericordia, influenciado pela mensagem de S Faustina Kowalska para o terceiro milênio, segundo mandato do próprio Jesus, escrito no Diário da Divina Misericórdia, donde a futura santa narra as revelações de Jesus para o século futuro. E Paulo continua afirmando que essa misericórdia não foi uma ideia abstrata; mas se realizou na prática através do amor. Porque estávamos nós mortos pelas CULPAS [paraptömasin<3900>=peccatis]. A palavra paraptöma significa originalmente cair ao lado de alguém. Mas nunca é tomada neste significado. Porém, no significado figurado, que é o usual, denota queda, desvio da verdade e da honestidade: logo uma transgressão, que se diferença de amartëma [pecado] em que este é dirigido contra a lei de Deus e paraptöma pode ser contra qualquer lei ou mandato, como no Pai nosso: se perdoardes aos homens as suas ofensas [paraptömata=debita] também vosso Pai celestial vos perdoará a vós (Mt 6, 14). No lugar paralelo de Lucas (11, 4) em vez de paraptomata temos amaratiai [<266>=peccata.[Pois apesar dos pecados, transgressões ou desobediências dos homens Deus nos amou- dirá Paulo. E como prova desse amor, nos deu vida juntamente com Cristo. Mas o mais admirável é que essa predileção foi DE GRAÇA [chariti<5485>=gratia]: é o dativo de charis de significado favor, mercê,  dom gratuito não devido, como lemos em Lc 1, 30: Não tenhas medo, Maria, pois foste favorecida por Deus. SOIS SALVOS [sesösmenoi<4982>=estis salvati] e o particípio perfeito do verbo sözö: resgatar, salvar, preservar, como vemos em Mt 18, 11: o Filho do homem veio salvar o que se tinha perdido. A salvação é da morte pelo pecado porque ele salvará o seu povo dos seus pecados (Mt 1, 21), recebendo por isso o nome de Jesus [Salvador]. Morte segundo Paulo como consequência do pecado segundo o que escreve Paulo: Por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte (Rm 5, 12). Morte que será definitiva e que no apocalipse é chamada de segunda morte caso não existir arrependimento (Ap 20, 6). Esta salvação não é devida a méritos ou obras boas mas é uma mercê gratuita de Deus.

RESSURREIÇAO E GLORIFICAÇÃO: E nos ressuscitou com Ele e nos sentou no mais altos céus em Cristo Jesus (6). Et conresuscitavit et consedere fecit in caelestibus in Christo Iesu. Como efeito necessário a esta salvação, temos duas mercês: ressurreição e glória juntamente com Cristo, como produto de sua vitória sobre o pecado e a morte, esta a última inimiga a ser derrotada (1 Cor 15, 16). Para isso, primeiro manifestou o seu poder ressuscitando Cristo dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus (Ef 1, 20). E como somos filhos no Filho (Jo 1, 12) temos o mesmo destino deste último: ressurreição e trono nos céus. Esse trono será especial para os doze apóstolos como prometeu Jesus: Quando, na regeneração, o Filho do homem se assentar no trono da sua glória, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel (Mt 19, 28).

COMO MANIFESTAÇÃO: Para manifestar nas idades vindouras a excessiva riqueza da sua caridade em benignidade por nós em Cristo Jesus (7). Ut ostenderet in saeculis supervenientibus abundantes divitias gratiae suae in bonitate super nos in Christo Iesu. MANIFESTAR [endeixëtai<1731>=ostenderet] aoristo subjuntivo de endeiknymi de significado demonstrar, expor, exibir, revelar, manifestar. IDADES [aiösin<165>=saeculis] no grego, dativo plural de aiön, período longo de tempo, era, idade, que no latim é traduzido por saeculus ou sáeculi em plural e que em vernáculo conserva a tradução latina como séculos. Ao falar de vindouros indica que é uma demonstração futura definitiva; e assim o traduz para sempre a Portuguesa Corrigida Fiel (ACF). A manifestação é da RIQUEZA [plouton] que concorda com o início desta perícope [rico em misericórdia] a qual a chama de EXCESSIVA [yperballonta<5235>=abundantes] particípio presente de yperballö de significado ultrapassar como em 2 Cor 3, 10: A glória que brilhou no passado não se compara com a glória atual, que é muito maior. Porque, se o ministério da condenação foi glorioso, muito mais excederá em glória o ministério da justiça (idem 9). Daí a tradução excessiva que outros traduzem por suprema. BENIGNIDADE [chrëstotës<5544>=bonitas]. É o que encontramos em Tt 3, 4: Quando apareceu a benignidade [chrëstotës] e amor de Deus, nosso Salvador, para com os homens. Como vemos, pela citação de 2 Cor 3, 9, Paulo distingue entre o ministério de Moisés que ele chama de condenação [kayakrideös] e o da justiça [dikaiosynës]. O primeiro não levava à vida e ao perdão. O segundo é o que dá a justificação ou justiça, transformando o homem em justo diante de Deus. E essa justificação é salvação, vida e glorificação em Cristo Jesus.

SALVOS POR GRAÇA: Porque por mercê fostes salvos por meio da fé e isto não de vós, presente de Deus (é) (8). Gratia enim estis salvati per fidem et hoc non ex vobis Dei enim donum est. MERCÊ [charis<5485>=gratia]. Paulo não deixa de afirmar repetidamente que  justificação e suas consequências, ressurreição e glorificação, têm como base a bondade divina, que gratuitamente nos salva por amor  que tem como raiz o sacrifício do Filho e não as obras da lei. É pela FÉ no batismo e não pela circuncisão. Eis uma amostra entre tantas: Pela sua bondade imerecida, Deus os justifica gratuitamente por meio de Jesus Cristo que os libertou do poder do pecado (Rm 3, 24). Porque estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos. Ef 2,5). E finalmente, em 2 Tm 1,9: Nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos. A única condição é que confiemos na sua misericórdia, ou seja, a FÉ [pistis<4102>] a que Jesus demandava para curar o doente: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê (Mc 9, 23). Assim dirá Jesus à mulher hemorroisa: Tem bom ânimo, filha, a tua fé te salvou; vai em paz (Lc 8, 48). Dirá Paulo: Portanto, é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé que teve Abraão, o qual é pai de todos nós (Rm 4, 16). Tudo o qual confirma em Rm 5.2: Foi por meio de Cristo e pela fé que nós conseguimos esta harmonia com Deus que agora temos. E isso dá-nos a maravilhosa esperança de tomar parte na glória de Deus. Se Deus unicamente pede a fé ou confiança no seu poder, realmente é um PRESENTE [döron<1435>=donum] dádiva gratuita de Deus. Ele oferece o perdão e salvação. De nossa parte pede fé, confiança e entrega a essa proposta divina completamente gratuita de salvação. É, pois, um presente totalmente gratuito de Deus que aceitamos pela fé no momento do batismo.

SEM OBRAS: Não por obras, para que ninguém se glorie (9). Non ex operibus ut ne quis glorietur. Essas obras são as obras da Lei [Torah] como vemos em Rm 3, 20: Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei. E Paulo explica o efeito da Lei: Pela lei vem o conhecimento do pecado (idem). Para deduzir: Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei (Rm 3, 28). E em Rm 11, 6 declara: Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra. E uma vez afirmada a gratuidade da justificação, Paulo se atreve a estabelecer a razão dessa graça: Para que ninguém se glorie, como ele escreve em 1 Cor 29-31: Para que nenhuma carne se glorie perante ele…. como está escrito: Aquele que se gloria glorie-se no Senhor (Jr 9, 23-24). Pois Ele nos salvou e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos (2 Tm 1,9). Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo (Tt 3, 5).

CRIADOS EM CRISTO: Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas (10). Ipsius enim sumus factura creati in Christo Iesu in operibus bonis quae praeparavit Deus ut in illis ambulemus. Paulo explica agora a intervenção da providência como se fosse uma nova criação feita por Cristo Jesus. FEITURA [poiëma<4161>=factura] é uma obra, uma criatividade ou produção como diz Paulo em At 17, 28: Somos também sua geração [genos] e desta semelhança com Deus (a sua imagem e semelhança em Gn 1, 26) somos feitos novas CRIATURAS [ktisthentes<2936>=creati] em Cristo Jesus. Ktisthentes é o particípio aoristo do verbo ktizö de significado criar como em Mc 13, 19 Porque naqueles dias haverá uma aflição tal, qual nunca houve desde o princípio da criação [ktiseös] , que Deus criou [ektisen], até agora. Paulo, pois, vê uma nova criação na figura de Jesus Cristo, a cuja imagem é feito o cristão como diz Paulo: Meus filhinhos, por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós ( Gl 4:19). Com efeito –dirá Paulo- todos os que foram batizados em Cristo revestiram-se das qualidades de Cristo. E não só qualidades anímicas, mas também corpóreas: Não sabeis vós que os vossos corpos são membros de Cristo? (1 Coríntios 6, 15). João fala de novo nascimento: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus (Jo 3, 3). Para esse novo homem, Deus preparou boas obras, segundo o que Paulo afirma: Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito (Rm 8, 28).

EVANGELHO (Jo 3, 14-21) - DIÁLOGO COM NICODEMOS

NICODEMOS: Provém do grego e significa vitorioso sobre o povo. Impressiona que sendo um fariseu e contado como um dos líderes [archön <758>] dos judeus [princeps Iudaeórum], mestre em Israel, tenha que se encontrar com Jesus de modo reservado. Nem todos os fariseus foram raça de víboras. O próprio Paulo se gloria de pertencer a essa classe. Não está disposto a se desprender de tudo o que foi sua vida anterior, como a Lei, a Tradição, sua posição dentro do Sinédrio; mas a postura de Jesus no templo e os fatos extraordinários de Jesus o deixam desorientado. O único evangelista que cita o nome é João e além desta perícope sai em 7, 50-52 defendendo a pessoa de Jesus que devia ser julgado antes de ser condenado, e em 19, 39-40 ajudando a José de Arimateia no sepultamento de Jesus. Nicodemos está convencido que o poder de Jesus provinha de Deus sendo que sua mensagem era a palavra de um profeta. Nicodemos, insatisfeito com a atuação dos colegas no Sinédrio, quer saber dos lábios de Jesus, as novas que ele anunciava. Sem dúvida que a sua pergunta era como entrar no Reino que Jesus proclamava. A resposta de Jesus foi desconcertante: Precisava-se de um novo nascimento. E então o douto fariseu fica ainda mais confundido: Como pode isto acontecer? (Jo 3, 9). No fim da entrevista, o mestre Nicodemos confia sua vida ao Mestre Jesus no qual busca a Verdade para encontrar o Caminho que o conduza à Vida. O critério de Nicodemos é o único a se seguir em contato com Deus: A Transcendência, ou se quisermos traduzir em palavras mais inteligíveis, a Sobrenaturalidade dos fatos dos quais somos testemunhas oculares, ou ouvintes diretos dessas testemunhas, constituídos em ministros da Palavra, como narra Lucas no prólogo (Lc 1, 1). Essa sobrenaturalidade dos fatos demonstra a existência de uma causa superior à Natureza. Uma causa, razão de todas as causas ou causa causantis como dirá a escolástica. Esses fatos constituem os verdadeiros sinais dos tempos (Mt 16, 3) que encontraremos na vida de cada um de nós se tomarmos tempo para investigar e refletir. {nota: a Bíblia de Jerusalém diz que esses sinais são os milagres que Jesus opera}. Anteriormente a esta perícope de hoje Nicodemos fez três perguntas a Jesus nos versículos 2, 4 e 9: A verdade como Mestre; como é possível o novo nascimento e como é o nascimento no Espírito. A todas elas responde Jesus com uma ênfase extraordinária: Em verdade, em verdade eu te digo.

A SERPENTE: Pois assim  como Moisés içou a serpente no deserto, da mesma forma será içado o Filho do Homem (14). Et, sicut Móyses exaltávit serpéntem in desérto, ita exaltári opórtet Fílium hóminis. IÇOU: O verbio usado em grego é ypsôsen[<5312>=exaltavit ] alçar, erguer, içar (enarbolar espanhol)  não um simples levantar, mas um mostrar no alto para que todos pudessem ver o objeto ou pessoa que merecia tal honra ou reverência. Sabemos muito bem que a serpente que estava na arca teve que ser destruída, pois a reverência se tornou adoração com o tempo, apelidando-a de Noestã [a feita de bronze] (2 Rs 18, 4). Em Nm 21, 9 se diz que Moisés colocou a serpente sobre um poste ou haste. Porém, nos targuns [glosas em aramaico do texto hebraico] a serpente foi colocada num lugar elevado. O grego usa a haste  como se fosse o pau de um estandarte, que também é usado para sinal. Logo o alçamento de Jesus é o sinal e o estandarte da nova Aliança. É o sinal do Filho do homem que Mateus refere como estandarte da parousia (Mt 24, 30), que será o sinal da derrota para os inimigos que não o aceitaram em vida; e vitória e gozo para os que em vida viveram à sua sombra. Um midrash [explicação popular com propósitos didáticos], sobre o assunto da serpente, diz: Tinham um símbolo de salvação como memorial do mandato de tua Lei. Com efeito: o que se voltava para ele sarava, não em virtude do que via, mas graças a ti, Salvador de todos. E continua: olhar a serpente significa voltar o coração para a memrá [palavra] de Deus. {nota: ver memrá em Exegese número 68 de presbíteros.com.br}. O próprio João evangelista declara em 12, 32: Porque se  eu for alçado [mesmo verbo ‘ypsoô] da terra, arrastarei todos a mim. Et ego, si exaltátus fúero a terra, ómnia traham ad meípsum. Evidentemente no segundo caso tratava-se da morte na cruz, como comenta o mesmo evangelista, indicando de que morte deveria morrer. DEVE: Um segundo verbo cuja importância deve ser aclarada é o verbo dei <1163>  um impessoal que é traduzido por must [é necessário] ao inglês e que o latim traduz por oportet [é conveniente, sem excluir a necessidade]. A tradução IT diz: deve essere innalzato indicando uma obrigação tanto natural como moral. O grego distingue entre chrê <5534> uma necessidade física, enquanto dei denota essa obrigação que provém de um desígnio divino, como é nosso caso. Cremos nisso porque está mais de acordo com o pensamento que Jesus quis transmitir a Nicodemos. O FILHO DO HOMEM: é uma expressão semítica que em princípio designa um membro da comunidade humana. No livro de Daniel se transforma numa figura simbólica que representa o povo dos santos de Jahvé (Dn 7, 18+) no seu triunfo sobre os reinos pagãos. Isto não impede que se concentre na figura do chefe, ou rei e que adquira um valor individual que tem no judaísmo intertestamentário, especialmente no livro de Henoc. Aparece no NT sempre em boca de Jesus, talvez sintetizando o mistério de sua individualidade ao mesmo tempo humana e divina. Porém muitas vezes está no sentido do eu ou a gente como se diz em linguagem de modesta humildade. É neste sentido de eu que aparece aqui no diálogo de Nicodemos, pois não existe relação alguma com lugares que possam relacioná-lo com a passagem de Daniel e é mais apropriado de Is 51, 12: quem te julgas para temer o filho do homem cujo destino é o da erva?

FÉ E VIDA: a fim de que todo o que crê nele não seja destruído, mas tenha vida eterna (15). Ut omnis qui credit in ipsum non péreat, sed hábeat vitam aetérnam.  DESTRUIDO: O verbo perecer, apollymi <622> significa seja destruído que traduzem por perecer como voz media, que tanto o latim como as traduções vernáculas adotam. O verbo é usado pelos quatro evangelistas no sentido de matar, ou destruir, perecer e até perder o caminho como no caso de uma ovelha desgarrada (Mt 15, 24 e 18, 14). A  vida, quando declarada eterna, é a que Jesus dá como garantia; pois dela é sua ressurreição, suprema prova e penhor; e se antecipa neste mundo com a união pelo batismo e fé com sua pessoa (Rm 6, 4) e que João afirma que é a vida do Logos que gozava junto com o Pai e que foi manifestada no homem Jesus (1 Jo 1, 2). Estando esta vida no Filho, quem tem o filho tem a vida e quem não tem o filho de Deus, não tem a vida. E essa vida é a dos que creem no nome [pessoa] do Filho de Deus (1 Jo 5, 11-12). Esta vida eterna é a primeira vez que o evangelista usa como expressão e que afirma seria o dom do Espírito para todos os que nele creem. A vida eterna é a vida dos filhos de Deus, vida gerada do alto, gerada pela infusão do Espírito, comunicada como fonte de vida por Jesus a todos os que nele acreditam, na sua cruz de modo especial, para alcançar a salvação, como era devolvida a saude aos que olhavam a serpente com esperança de cura.

O AMOR DO PAI: Pois desse modo amou [êgapêsen] (o) Deus o mundo até o ponto que deu o Filho dele, o unigênito, para que, todo aquele que crê  nEle, não esteja perdido, mas tenha vida eterna. Sic enim Deus diléxit mundum, ut Fílium suum unigénitum daret, ut omnis qui credit in eum non péreat, sed hábeat vitam aetérnam. AMOU: O aoristo grego êgapêsen, indica uma ação pontual intensa passada, que talvez fosse melhor traduzida por tem amado porque Jesus está descrevendo uma ação passada como é a Encarnação, que continua em sua pessoa e que terminará com a entrega de Jesus à cruz para satisfação de seus inimigos, mas na realidade para o triunfo de Jesus e dos seus como diz João em 16, 20: Em verdade vós chorareis e vos lamentareis, mas o mundo se alegrará; vós estareis tristes mas vossa tristeza se tornará em alegria. Por isso, Paulo afirma que poderá gloriar-se na cruz de Cristo, que representa o amor de Deus ao mundo e do qual nenhum sofrimento ou mal poderá afastá-los (Rm 8, 1-35). E tornará a afirmar: Longe esteja de mim gloriar-me senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo (Gl 6, 14). O MUNDO: Segundo João esta palavra tem dois sentidos diferentes. 1o) Um geral como o conjunto dos homens que vivem na terra: Saí do Pai e vim ao mundo; de novo deixo o mundo e volto ao Pai (16, 28). 2o) Um outro é o conjunto dos homens que estão dirigidos pelo que Jesus chama o príncipe do mundo, contrário a Jesus. Evidentemente ele era o mesmo que ofereceu a Jesus os reinos do mundo com o seu esplendor (Mt 4, 8). Por isso, dirá Jesus: Agora é quando vai ser julgado este mundo; agora o príncipe deste mundo vai ser lançado fora (Jo 16, 28). E é precisamente a este mundo inimigo, que Deus entregou seu Filho. O amor de Deus ao seu inimigo, o mundo, é uma extraordinária revelação que jamais homem algum poderia suspeitar, e que implica toda uma política ou providência revolucionária. É uma revelação básica para as atitudes homem/Deus que emolduram toda a história humana após a Encarnação. Deus dá o primeiro passo para salvar o homem dando-se integramente e sofrendo os caprichos dos piores inimigos para demonstrar que ele não tem ninguém como adversário, mas que, como Pai, todos são seus filhos. E, portanto, pune o inocente, tornando-o  pecado (2 Cor 5, 21), para não ter que castigar todos os culpados. UNIGÊNITO: [monogenês <3439>] é o unigênitus latino que aparece unicamente no evangelho de João somente nos três primeiros capítulos (1, 14.18 e 3, 16.18). Os outros evangelistas preferem o agapetós [o amado]. Talvez esta escolha de João seja totalmente propositada para debelar o demiurgos dos gnósticos como vemos em exegese no  68 de presbíteros.com.br. Com o monogenês não existe dúvida nenhuma sobre a origem de Jesus e sua vida anterior no seio do Pai, comparando seu estar dentro dele ao seio de uma mulher, no qual o sêmen se desenvolve até germinar e no futuro ser independente. A teologia dirá que esta geração não é um ato pontual, mas um ato eterno sem princípio nem fim. Nesse seio, o Logos aprendeu os planos divinos sobre a sua histórica entrada no círculo do mundo dos seres humanos. Daí sua sabedoria podendo afirmar: A Deus ninguém jamais viu; o Filho Único que está no Pai nos deu a conhecer (Jo 1, 18). E essa história humana se centra na hora em que, temida, mas desejada (Jo 12, 27), centra a sua vinda, que é um sacrifício de amor ao Pai e de misericórdia para com os pecadores. Essa hora, ao mesmo tempo em que de profunda prostração, é a hora de sua glorificação: É chegada a hora em que o Filho do Homem será glorificado (Jo 12, 23) com uma ação que repetirá Pedro [talvez o único entre os apóstolos] segundo Jesus o prediz, e que o evangelista apostila como sendo o gênero de morte que daria glória a Deus (Jo 21, 19). A cruz é, pois, o sinal de Vitória. Poderemos apropriar todos os cristãos do título visto por Constantino antes da batalha da ponte Milvio: in hoc signo vinces [baseado neste signo vencerás]  A FÉ: João repete neste versículo a mesma conclusão do anterior como para reafirmar uma insólita proposta. Se no versículo 15 era com ocasião do exemplo da serpente, como para dizer que Deus pode fazer com o ser inteiro o que realizou com os corpos dos israelitas, agora é pelo amor de Deus que facilita enormemente a salvação. A fé no Filho como salvador é necessária para a salvação.

O ENVIO: Pois não enviou (o) Deus o Filho dele ao mundo para que condene [krinë <2919>] o mundo, mas para que se salve o mundo por ele (17).  Non enim misit Deus Fílium suum in mundum ut iúdicet mundum, sed ut salvétur mundus per ipsum. Num crescente paralelo como se fossem ambos os versos de um poema antitético com um versículo segundo, em oposição. O primeiro hemistíquio é para indicar o fim positivo do envio; o segundo, após a cesura,  declara o fim negativo. Foi enviado (1o)  para os que nele creem tenham a vida eterna e (2o) para indicar que não foi para condenar. O verbo Krinô tem dois sentidos usados indistintamente, com o significado de  julgar (1o) ou  com a acepção semântica de condenar (2o). Aqui, como na maioria dos casos dos evangelhos, o verbo Krinô deve ser tomado na acepção de condenar, pois esta é a palavra oposta a salvar e o hemistíquio a exige em comparação com o primeiro verso do dístico. E não somente Jesus não é o juiz que considera o mundo como réu, mas é o Salvador. Essa é sua missão. Daí que as últimas palavras que ele pronuncia na terra têm um valor extraordinariamente profundo: Pai perdoa-lhes porque não sabem o que estão fazendo (Lc 23, 34). Uma reflexão a mais para terminar: a missão de Jesus não era uma missão solitária, mas solidária com o envio do Pai. Ambos estão empenhados em demonstrar que o bem sempre é mais forte que o mal e que a vitória do bem se dá na base do perdão e do acolhimento do pecador. Vence o mal com o bem que dirá S Paulo (Rm 12, 21) e donde abundou o pecado mais superabundou a misericórdia (Rm 5, 20). A lógica do amor [charis] divino é tão mais imensamente abundante que a lógica da verdade ou fidelidade [aletheia]. Assim dirá João no prólogo que no lugar da Lei [que produz naturalmente a condenação] a graça [charis] e a fidelidade [aletheia] vieram por Jesus Cristo (Jo 1, 17).

O JULGAMENTO: O crente nele não é condenado; mas o não crente já está condenado, porque não há acreditado no nome [onoma <3686>] do unigênito Filho (do) Deus (18). Qui credit in eum non iudicátur, qui autem non credit iam iudicátus est, quia non credit in nómine unigéniti Fílii Dei. É uma solução que salva o amor do Pai, o sacrifício do Filho e pune em seu pecado os que não querem se salvar. Rejeitar o Filho Único de Deus é rejeitar a salvação e por isso eles já são condenados. O NOME: No mundo semita o nome se identifica quase com o mesmo ser de uma pessoa ou de uma coisa. Deus revelando o seu nome revela todo o seu poder e grandeza (Gn 32, 30). Qual era o nome de Jesus? Pois o nome por excelência é o de Jesus [Salvador, ou melhor, Deus salva], porque ele salvará o seu povo de seus pecados (Mt 1, 21). A lógica da verdade evangélica é tremendamente irresistível.

COMO SERÁ ESSA CONDENAÇÃO: Esta é, pois, a condenação: porque a luz [fös <5457>] tem chegado ao mundo e amaram [ëgapësan <25>] os homens mais a escuridão [skotos <4655>] do que a luz. Porque eram más [ponëra <4190>] suas obras (19). Hoc est autem iudícium, quia lux venit in mundum, et dilexérunt hómines magis ténebras quam lucem; erant enim eórum mala ópera. Vamos explicar cada palavra, porque veremos o verdadeiro sentido sabendo o significado do conjunto. Na Bíblia no AT a palavra LUZ é a que dá origem a ação de Deus no princípio do Universo. Separou a luz das trevas (Gn 1, 3). Como tal, a luz é uma criatura, mas de tal beleza que é a imagem de Deus como verdade que ilumina o mundo e da sua bondade (Sb 7, 16). É também símbolo de vida. Tobias dirá, uma vez cego, vivo entre trevas como os mortos. Sou um vivo entre os mortos (Tb 5, 10). Os preceitos do Senhor são luz (Sl 5, 6 e Pr 6,3). Confundir o bem e o mal é trocar as trevas por luz (Is 2,5). O povo judeu, ou o profeta,  é luz das nações (Is 42, 6). O direito ou Lei do Senhor é luz dos povos (Is 51,4). Deus mora no meio da luz (Dn 2, 22). No NT a luz profetizada por Isaías é o próprio Jesus (Mt 4, 16). Os discípulos serão a luz do mundo através de seus testemunhos (Mt 5, 14). Os filhos das trevas são mais sagazes do que os filhos da luz (16, 8). O Logos encarnado é a luz: Existe a luz verdadeira que com sua vinda ao mundo ilumina todo homem (Jo 1,8) e logicamente ela é Jesus, do qual João era testemunha (Jo 17-8). Jesus solenemente afirma ser a luz do mundo para não caminhar nas trevas, mas ter a luz da vida (Jo 8, 12). Crer na luz é se tornar filho da luz (Jo 12, 36). Quem crê em Jesus não fica nas trevas (Jo 12, 46). A palavra amaram [egapesan] pode ser traduzida por preferiram, já que a pobreza da semântica hebraica não distingue os cinzas e só fala em branco e preto: amar-odiar. A razão desta preferência não é a verdade que emana da luz, mas as trevas que suscitam as obras perversas ou malvadas que eles cometem e que não aguentam a condenação que oferece a verdade da luz. A palavra ponera em plural indica uma obra feita com maldade, perversa, muito mais forte que o kakos, simples ausência do bem e presença do mal. Ponerós indica, pois, uma obstinação após uma aberração em conduta.

A PREVARICAÇÃO DAS OBRAS DO MAL: Já que todo (o) praticante de coisas desprezíveis [faula<5337>] odeia a luz e não vêm à luz, para que não reprove [esta] [elegthë<1651>] as obras dele (20). Omnis enim qui male agit, odit lucem et non venit ad lucem ut non arguántur ópera eius. O latim tem provavelmente induzido uma tradução errada. O elegthë é singular e não concorda em número com faula que é plural. Logo tem que ser a luz a que envergonhe, reprove ou acuse o tal praticante de obras que merecem o desprezo ou a censura pelos homens honestos ou não malvados. A tradução é pois todo aquele que pratica obras dignas de censura, odeia a luz e não se expõe à mesma, para que esta não o censure pelas suas obras indignas. É uma observação de simples sabedoria humana.

SEGUNDO DÍSTICO: Aquele, porém, praticante da verdade [alëtheian<225>], vêm para a luz, para que manifeste suas obras; porque são feitas em Deus (20). Qui autem facit veritátem venit ad lucem, ut manifesténtur ópera eius, quia in Deo sunt facta. Como temos visto anteriormente, todo este diálogo tem uma estrutura semipoética, e existem duas perícopes antepostas: a primeira negativa de quem pratica o mal e a segunda de quem pratica a verdade. Ambas têm uma prótase condicional e uma apódose explicada com diferentes razões. A primeira tem como explicação a vergonha de ser censurado pelos homens pela maldade descoberta. A segunda tem como justificação o aplauso divino ao bem realizado. Que significa aletheia? A tradução literal é verdade. Mas estamos no terreno moral e não lógico, e portanto, essa verdade deve ser considerada como retidão, o único procedimento moral que merece o apelativo de verdadeira conduta. Talvez essa correção seja a conformidade entre o pensamento e a ação, sempre fazendo o que dita a consciência, iluminada pela lei.

COMENTÁRIO: Muitos comentaristas pensam que todo este trecho evangélico é um discurso em grande parte inventado pelo evangelista como são os diálogos de Platão. De fato, podemos tirar o capítulo 3 sem que exista uma interrupção no relato evangélico entre os dois capítulos, 2 e 4. Não duvidamos de que houve um encontro de fato entre o mestre da Lei e o Mestre da Misericórdia. Sabemos que a perícope tem como ocasião a expulsão do templo dos mercadores. Mas estranha que Nicodemos tenha visto os sinais de Jesus que apontam para os verdadeiros milagres neste início de sua vida pública. E estranha que na sua primeira visita a Jerusalém Jesus tivesse feito sinais tão prodigiosos como para chamar a atenção de Nicodemos. Talvez tenhamos que retrair esta visita um pouco no tempo. Portanto a maioria aceita um diálogo suposto para dramatizar um ensinamento que não se dirige unicamente a Nicodemos, mas que abrange todo intelectual, especialmente os gnósticos, já combatidos no primeiro capítulo. Não podemos esquecer que estamos no fim do primeiro século e que a doutrina primitiva estava sendo deturpada por gnósticos e docetas, que tinham em comum a afirmação da carne como princípio do mal, oposto ao espírito, e a busca incansável da verdade como objetivo de purificação e salvação. O problema aqui é também a salvação e os meios necessários para a mesma. Nicodemos faz três perguntas que Jesus responde de modo categórico com em verdade, em verdade te digo. A resposta de Jesus implica um nascimento no Espírito, certamente aludindo ao batismo, e se apresenta como o único Mestre da Verdade, porque ele veio do Alto (13) e fala do que pode dar testemunho (11). Há uma certa ironia em Jesus ao declarar se não credes nas coisas da terra, como ireis [notar o plural] acreditar quando vos falar das coisas do céu (12)? Divagações à parte, este trecho, como temos visto, é uma lição magistral sobre a Salvação, o Salvador verdadeiro, o ato em que isto se realiza e a maneira de como os homens aceitam a Verdade oferecida por Deus. A comparação com o AT da antiga serpente, é ilustrativa de como se realizaram os planos de Deus, tendo como bandeira e sacrifício do Unigênito. Toda esta parte pode ser autêntica explicação de Jesus. O último comentário parece ser próprio do evangelista, explicando como os homens reagem a esta magnanimidade divina não aceitando a sua oferta porque as obras que realizam não são as que correspondem aos filhos da luz, que precisamente eram assim os que se chamavam os gnósticos. Os intelectuais da época estavam representados pelo mestre Nicodemos. Quais são os gnósticos do dia de hoje? Veremos nas pistas:

PISTAS:

1) As perguntas de Nicodemos são tão atuais como na sua época: Se realmente os sinais que se atribuem nos evangelhos são verdadeiros, quem é esse Jesus que necessariamente encontramos no caminho de nossa vida? Tem ele a solução de nossas perguntas e de nossos problemas, ou esperamos um outro, como perguntou João (Mt 11, 3).

2) Quais são os gnósticos modernos? Os que ainda buscam a Verdade e se dizem filhos da luz; os que deixam a razão como última luz de sua vida e a natureza como único campo de investigação. Por isso, sua reposta diante dos sinais do alto é o ceticismo, porque não é conforme à razão, ou deve ter uma explicação que agora não sabemos.

3) Entre os modernos gnósticos que seguem os passos dos antigos gregos que andam em busca da sabedoria (1 Cor 1, 22) estão os maçons. Seu deus é o deus da Teosofia, não o Deus da Teologia. Expliquemos: teósofo [de theós=deus e sofós=sábio] é o homem que tem como deus o deus da filosofia, o deus da razão, compreensível, encontrado conforme ao que pensa e pretende, ou seja, um deus conveniente e submisso às necessidades e limites da razão humana. Não é o Deus da Teologia [literalmente Deus do logos, da palavra] o Deus que se revelou em sua palavra e principalmente em sua Palavra [Logos] encarnada. Este é o Deus da fé, o Deus que confunde os argumentos humanos, precisamente com a loucura da cruz, na qual vemos o Poder e a Sabedoria de Deus como diz Paulo (1 Cor 1, 24). A diferença entre os maçons e os católicos verdadeiros é que eles buscam a verdade e nós vivemos a Verdade.

4) Os altos graus da maçonaria que é chamada invisível respondem a uma influência marcante de Helena Petrova Blavatsky [HPB] indiscutível rainha do esoterismo e que é considerada mãe de três correntes atuais de pensamento: A Sociedade Teosófica, a seita New Age  e a Internacional Socialista. Para a seita New Age, ela valeu-se da principal discípula: Alice Bailey. Para a Internaional Socialista, da segunda discípula, Annie Besant, presidenta da Sociedade Teosófica e iniciada na maçonaria feminina, membros da maçonaria de adoção antes de criar maçonaria própria, feita através da Sociedade Fabiana [de Quinto Fábio Máximo, o Cunctator, contemporizador]. Sobre New Age, podemos afirmar que é um novo modo de praticar a gnose, que definiu o Papa João Paulo II como postura do espírito que em nome de um profundo conhecimento de Deus, acaba por tergiversar sua Palavra, substituindo-a por palavras que são unicamente humanas.

5) Cuidado! Um dos autores mais vendidos e típico do New Age é  Paulo Coelho               (Maçonaria Invisível de RC. pg 622). Eis uma citação de João Paulo II: Questão à parte é o renascimento das antigas ideias gnósticas na forma chamada de New Age… A gnose não tem desaparecido nunca do âmbito do cristianismo, mas convivido sempre com ele sob as formas de correntes filosóficas, mais a miúdo com modalidades religiosas e para-religiosas, com uma decida, embora às vezes, não declarada divergência, com o que é essencialmente cristão. {Nota: pessoalmente eu tenho recebido junto com um jornal maçônico convites para entrar no teosofismo}

6) Sejamos sinceros. Escolhamos a loucura da cruz e deixemos que o poder e a sabedoria de Deus domine a nossa fraqueza para se tornar nossa sabedoria, justiça, santificação e redenção como nos escreve Paulo (1 Cor 1, 30). Pessoalmente nas minhas conversas com os maçons que aduzem como argumento religioso a seu favor a crença em Deus, eu arguo com duas interrogantes: é um deus pessoal que se revela ou é um Deus que se manifestou em Jesus? Diante disso eu não tenho recebido reposta alguma.


EXCURSUS: NORMAS DA INTERPRETAÇÃO EVANGÉLICA

- A interpretação deve ser fácil, tirada do que é o evangelho: boa nova.

- Os evangelhos são uma condescendência, um beneplácito, uma gratuidade, um amor misericordioso de Deus para com os homens. Presença amorosa e gratuita de Deus na vida humana.
- Jesus é a face do Deus misericordioso que busca o pecador, que o acolhe e que não se importa com a moralidade ou com a ética humana, mas quer mostrar sua condescendência e beneplácito, como os anjos cantavam e os pastores ouviram no dia de natal: é o Deus da eudokias, dos homens a quem ele quer bem e quer salvar, porque os ama.

Interpretação errada do evangelho:

- Um chamado à ética e à moral em que se pede ao homem mais que uma predisposição, uma série de qualidades para poder ser amado por Deus.
- Só os bons se salvam. Como se Deus não pudesse salvar a quem quiser (Fará destas pedras filhos de Abraão).

Consequências:

- O evangelho é um apelo para que o homem descubra a face misericordiosa de Deus [=Cristo] e se entregue de um modo confiante e total nos braços do Pai como filho que é amado.
- O olhar com a lente da ética, transforma o homem num escravo ou jornaleiro:aquele age pelo temor, este pelo prêmio.
- O olhar com a lente da misericórdia, transforma o homem num filho que atua pelo amor.
- O pai ama o filho independentemente deste se mostrar bom ou mau. Só porque ele é seu filho e deve amá-lo e cuidar dele.
- Só através desta ótica ou lente é que encontraremos nos evangelhos a mensagem do Pai e com ela a alegria da boa nova e a esperança de um feliz encontro definitivo. Porque sabemos que estamos na mira de um Pai que nos ama de modo infinito por cima de qualquer fragilidade humana.


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Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! Como comunidade celebrante, novo templo do Senhor, recebemos a proposta de realizar o verdadeiro culto, feito em espírito e verdade na celebração e na vida. Participando do memorial da entrega de Jesus, obediente à vontade do Pai, o Espírito nos torna abertos e disponíveis ao mandamento do amor, a serviço da vida, da dignidade e da esperança. A Igreja, com a proximidade da Páscoa, orienta a repetir o gesto de Jesus, convidando a todos nós à purificação do templo dos nossos corações, para que possamos prestar a Deus um culto mais digno e que se ligue com a vida e a realidade do povo, gerando assim a verdadeira fraternidade. Sintamos o júbilo real de Deus em nossos corações e cheios dessa alegria divina entoemos cânticos jubilosos ao Senhor!

(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)


PRIMEIRA LEITURA (Ex 20,1-3.7-8.12-17): - "Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses além de mim."

SALMO RESPONSORIAL 19(18): - "Senhor, tu tens palavras de vida eterna."

SEGUNDA LEITURA (1Cor 1, 22-25): - "Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, esse Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus."

EVANGELHO (Jo 2, 13-25): - "Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei"



Homilia do Diácono José da Cruz – 3º Domingo da Quaresma - Ano B

"MERCANTILISMO RELIGIOSO"

Um dia quando líamos esse evangelho em uma reunião de equipe, levantou-se a Dona Maria, que veio lá do norte, e disse que Jesus a fez lembrar-se dos fiscais que davam o “rapa” quando ela e o marido tentavam vender mercadorias em uma rua de São Paulo, “eles chegavam arrebentando tudo, virando a banca de pernas prá cima e a gente corria, senão o cassetete de borracha “comia solto”, nunca pensei que Jesus Cristo também perdesse a paciência e ficasse brabo desse jeito” – finalizou Dona Maria.
 
Foi quando uma catequista muito jovem, perguntou-nos se Jesus estava realmente bravo, e com o que, qual a causa da sua indignação?

O grupo ficou dividido, uns acharam que ele já estava cansado de ver aquela exploração no templo, e que nesse dia, estando com o pavio curto e a paciência esgotada, não se segurou e “soltou os cachorros” prá cima dos exploradores gananciosos. Outro grupo achou que na verdade, o evangelista quer colocar essa briga como o estopim que irá desencadear todo o processo contra Jesus, já que era a semana da páscoa judaica e os vendedores que foram expulsos, não iriam deixar barato aquela atitude de Jesus, mesmo porque, eles vendiam com autorização dos sumo sacerdotes, que tinham interesse nas vendas, uma vez que em sua maioria eram latifundiários, portanto, “fornecedores” naturais de animais para serem sacrificados, podendo então concluir que Jesus havia “cutucado a onça com a vara curta, ou ainda, havia mexido com um vespeiro”.

Como membro da comunidade e freqüentador do templo, Jesus não concorda que haja uma segunda intenção naqueles que trocam moedas e vendem animais para o sacrifício, porque comunidade não é lugar de se fazer barganha, de se buscar interesses particulares que não sejam os do bem comum, não é lugar para se fazer negociatas e trocas de favores, e vem daí a indignação de Jesus para com as lideranças que permitiam a exploração, porque a venda lhes trazia um lucro bem gordo.

Muitas vezes tranqüilizamos a nossa consciência quando pensamos que trabalhamos realmente com amor e que nada buscamos para nós, na pastoral ou movimento onde atuamos, entretanto, sempre há a tentação de ganharmos algo em troca do nosso trabalho, quem é que não quer ser reconhecido por aquilo que faz?

Ser sempre ouvido, consultado, ter a opinião mais importante, ter uma palavra de peso maior, ter poder de influência no conselho e nas demais equipes, exercer um poder paralelo ao da instituição, medir forças com outra liderança, com nossos pastores, ministros, cooperadores, ter prioridade em ocupar salas ou outro espaço qualquer, fazer certas exigências para desempenhar o trabalho. A grande verdade é que, embora de uma maneira dissimulada, também temos nossas “barraquinhas” particulares que faz da comunidade uma verdadeira feira livre, às vezes.

A indignação de Jesus é porque as relações no templo tornaram-se mercantilizadas, e então o evangelho nos faz um forte apelo chamando-nos a uma conversão sincera, para que a convivência na comunidade seja sempre marcada pelo amor gratuito, pela docilidade e flexibilidade, não nos faltando misericórdia, compreensão e paciência, e que possamos eliminar do nosso meio as divisões, os ranços e azedumes, que magoa, fere e machuca os irmãos e irmãs. Que não profanemos o templo sagrado que é a vida dos irmãos, onde o Senhor está presente, senão, de pouco adiantará respeitarmos o ambiente sagrado da igreja templo.

No êxodo, Deus caminhava no meio do povo, habitando em tendas, depois, na monarquia ele foi “enlatado” no templo de Jerusalém, para dar sustentação ao Rei, seu ungido que reinava em seu nome. Deus estava no templo para ser adorado, receber as ofertas e sacrifícios, mas agora, ao se colocar como novo templo, Jesus Cristo está dando um solene basta a antiga religião, Deus deixará o templo para habitar na “Eclésia”, na assembléia da igreja, no meio do povo da nova aliança, aberto a todos os homens que quiserem participar do novo reino. Deus faz morada no mais íntimo do homem dando um novo significado à vida humana, que entra em comunhão com o Divino, tornando-se sagrada e indestrutível.

Aos homens que pensaram ter destruído Jesus para sempre na cruz do calvário, Deus Pai o encheu de glória com a ressurreição, os que hoje pensam ser capazes de enterrar o cristianismo, ridicularizando os seus ensinamentos terão uma surpresa no final da história, pois Jesus garante que esse Reino é eterno e atingirá a sua plenitude, independente da vontade do homem.

José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail  jotacruz3051@gmail.com


Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa – 3º Domingo da Quaresma - Ano B

“A santa violência de Jesus”

Incrível! E, além do mais, a cena do Evangelho de hoje poderia assustar os meramente pacifistas: Jesus pega no chicote e expulsa os vendedores do Templo: "Tirai isso daqui e não façais da casa de meu Pai uma casa de negociantes" (Jo 2,16). Trata-se do Filho que zela pelas coisas que são do seu Pai. Também nós, se formos bons filhos de Deus, cuidaremos direitinho das coisas do nosso Pai do céu seguindo o exemplo do nosso irmão e Senhor Jesus.

Jesus Cristo falou e agiu com firmeza. Ele foi até mesmo santamente violento: chicote, gritos e quem sabe até alguma chibatada em algum dos vendilhões. Como é possível que aquele que disse de si mesmo que é manso e humilde de coração (cf. Mt 11,29) agora atue dessa maneira? A cólera de Deus, diferente da nossa ira, é sempre santa. Jesus se irrita fortemente para por a salvo os direitos de Deus, a glória que só a ele lhe convém, e o bem das nossas almas. Mais ainda, aquele que é manso, pediu que fossemos violentos se quisermos alcançar o reino dos céus: "Desde a época de João Batista até o presente, o Reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam" (Mt 11,12). É interessante também que a mansidão de Jesus e a violência que ele nos aconselha encontram-se no mesmo capítulo do Evangelho segundo Mateus! Qual é o tipo de violência que se nos pede? Deus pede de cada um de nós que travemos uma guerra contra os nossos apetites desordenados, as nossas ideias insensatas e a dureza dos nossos corações. Quiçá não seja infrequente que sintamos a força da soberba, da inveja, da luxúria e dos demais pecados capitais. Eles gritam em nós reclamando os campos perdidos e pedindo revanche pelas batalhas nas quais foram derrotados.

Estamos em guerra! Constantemente o inimigo se nos apresenta disposto a vencer-nos e arruinar-nos para, dessa maneira, tentar atingir o próprio Deus. Nesses quarenta dias quaresmais estamos com Jesus acompanhando-o no seu grande jejum, procurando completar na nossa carne que falta à Paixão de Cristo (cf. Cl 1.24). As forças do mal não nos deixarão em paz, mas é exatamente essa luta que nos fará livres. Não estamos sozinhos, é Deus quem nos fortalece!

Jesus tinha um chicote para defender a causa do seu Pai. No nosso caso, quais são as nossas armas nessa luta de paz, de amor e de alegria? Oração, Eucaristia, Confissão, penitências, rosário de Nossa Senhora, luta para extirpar vícios e adquirir virtudes, boas leituras e o trabalho bem feito por amor a Deus e com o desejo de servir a todos com os quais convivemos. O fim é comum, o céu, e os meios são os de sempre, isto é, os que todos os santos utilizaram. Na vida espiritual não há novidades senão aquelas que a graça realiza na alma de cada fiel com os meios de sempre e encaminhando-os para a mesma felicidade, Deus.

Eu dissera no começo que alguém poderia se assustar com a expressão "violência de Jesus" e creio não equivocar-me. Isso é assim porque estamos, paulatinamente, adocicando o cristianismo e dele apresentando uma versão light. Contentamo-nos com pouco ou quase nada, semelhante àquele amigo que disse ao outro: – "vou te dar um livro no Natal". Então o amigo lhe responde: – "não precisa, pois eu já tenho um, muito obrigado". Quando descuramos a vida da nossa alma passa a ser suficiente uma missa de vez em quando, uma confissão de vez em anos, um sinal da cruz desajeitado porque feito às pressas, uma oraçãozinha noturna que não se repete todas as noites, um velório aqui e outro acolá sem pensarmos que num futuro próximo ou distante seremos nós os velados. Cristianismo light! E como não parece suficiente o gosto do cristianismo tal como ele é, fazemos como a Coca-Cola, pedimo-lo com gelo e limão! Isto é, acrescentamos à religião cristã as nossas manias e más ideias a tal ponto que conseguimos desfigurar essa realidade humano-divino que Cristo fundou para a nossa salvação, a Igreja.

Nessa hora, diante do perigo de que os negociantes – os amigos de gelo e limão no cristianismo, os falsificadores da verdade – mintam e enganem sobre a pessoa e obra de Cristo, também nós precisamos de chicotes, um contra nós mesmos (nossos pecados) e um contra a mentira, o engano e a traição dos valores cristãos, perenes como o Evangelho.

Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa


Comentário Exegético – 3º Domingo da Quaresma - Ano B
(Extraído do site Presbíteros - Elaborado pelo Pe. Ignácio, dos padres escolápios)

EPÍSTOLA (1 Cor 1, 22-25)

INTRODUÇÃO: O partidarismo existente entre os membros da igreja em Corinto [sou de Paulo, sou de Pedro, sou de Apolo] é contrário à natureza do evangelho. Pois este não é uma eloquência humana, nem uma especulação filosófica. Provavelmente Paulo condena aqui determinadas correntes religiosas de tipo gnóstico, que se vangloriavam de sua união estreita com o Cristo celeste, esquecendo e desconectando-se do Cristo crucificado, a quem realmente devemos a salvação e a esperança. A estultícia aparece aqui de forma e sentido negativos. Não é com a ciência e eloquência do homem que devemos olhar a obra da salvação, produto da bondade de Deus, mas é a sabedoria divina a que deve iluminar a história do Universo e a finalidade da ação salvadora do homem, fundada na cruz como elemento da misericórdia e não da justiça de Deus.

SINAL E SABEDORIA: Já que também os judeus pedem um sinal e os helenos buscam sabedoria (22). Quoniam et Iudaei signa petunt et Graeci sapientiam quaerunt. Nos versículos anteriores Paulo pergunta: Onde estão os sábios? Onde estão os doutores das Escrituras? Onde estão os entendidos nas coisas deste mundo? Não mostrou Deus que a sabedoria deste mundo não passa de loucura? (20). E sua primeira resposta é clara: Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação (21). Deus permitiu que os homens não o conhecessem e, portanto, a sabedoria destes não passa de tolice e insensatez. Deus então a tornou insensata [emöranen], sem valor; insípida seria a melhor tradução, como em Mt 5, 13 o sal deteriorado, que perdeu sua qualidade. De sabedoria se tornou em insensatez ou tolice. Daí o juízo dos homens é tão inútil como o sal que perdeu seu valor. Não podemos confiar, pois, na sabedoria humana para resolver os grandes interrogações do homem. E agora Paulo entra a criticar as conclusões dessa sabedoria. Em primeiro lugar a proveniente dos judeus: Eles pedem um SINAL [sëmeion<4592>=signa] para crer. No grego o encontramos em singular e na tradução da Vulgata em plural. Qual é esse sinal, ou sinais, solicitado pelos judeus? Lemos em Mt 12, 38: Então alguns dos escribas e dos fariseus tomaram a palavra, dizendo: Mestre, quiséramos ver da tua parte algum sinal. Pensavam que era uma descida no templo suave do Messias vindo do céu, como tentando-o, pediam-lhe um sinal do céu (Lc 11, 16). Isso tudo Jesus descartou com uma resposta decisiva: Uma geração má e adúltera pede um sinal; porém, não se lhe dará outro sinal senão o do profeta Jonas (12, 38). Ou seja, a sua ressurreição que não seria experimentada por todos, mas só pelos que deviam ser testemunhas da mesma e que Deus já tinha escolhido (At 10, 41). E os gregos buscam SABEDORIA [sofia<4678>=sapientiam]. Qual era a sabedoria que os gregos ou helenos buscavam na doutrina de Cristo? Como definição, sabedoria é o juízo correto através do entendimento, pelo conhecimento profundo das ciências e das coisas. Em certo sentido se confunde com a Filosofia antiga que abarcava todo conhecimento, para dar solução aos problemas mais essenciais da existência humana. A Filosofia da época era a de Zenão de Cítio, de origem judaica, fundador do estoicismo, de considerável semelhança em ética e cosmologia com o cristianismo. Um dos seguidores da chamada Estoá Média era Antípatres de Tarso [conterrâneo de Paulo]. De onde passa para a Estoá Nova ou Romana, dominante entre as elites do Império, onde a Filosofia passa a ser principalmente ética com Lúcio Aneu Sêneca (+64 dC), e o nascido escravo Epicteto (+130 dC) para terminar com o imperador Marco Aurélio (180 dC). Qual era a sabedoria desta Escola? O mundo é fundado sobre a justiça: o mal perde, o bom é premiado segundo seus merecimentos. É claro que, nesta ética, a bondade de Deus e a graça de seu perdão, que constituem a base da cruz, nada têm a ver com o orgulho do justo que a si mesmo se justifica. A cruz, como dirá Paulo, é uma loucura para a chamada sabedoria grega, que os rabinos judeus diziam se fundamentar em metáforas ininteligíveis, cujo estudo estava proibido para um verdadeiro israelita. Na realidade, a sofia grega era a destreza em falar ou a maneira grega de chegar a ser um sofista um bom mestre de retórica. De modo que com conhecimentos humanos podia se formar um bom silogismo tão agradável como conquistador. Paulo era todo o contrário, sua figura e argumentos eram tão desprezíveis, de modo que escreve estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor (1 Cor 2, 3) e suas cartas são graves e fortes, mas a presença do corpo é fraca, e a palavra desprezível (2 Cor 10, 10). Como Apolo era tudo o contrário, bom orador e bom filósofo [eloquente e conhecedor das ciências (At 18, 24)] daí sua fama entre os corintianos (1 Cor 1, 12). Contra essa fama de sábios entre os helenos está a verdadeira sabedoria da cruz, como Paulo explica na continuação.

CRISTO CRUCIFICADO: Nós, porém, proclamamos Cristo crucificado; para judeus certamente escândalo; para helenos, contudo, insensatez (23). Nos autem praedicamus Christum crucifixum Iudaeis quidem scandalum gentibus autem stultitiam. PROCLAMAMOS [këryssomen<2784>=praedicamus] é o termo usado para o anúncio do evangelho [e antes para descrever a pregação do Batista (Mc 1, 4)] e o ministério dos apóstolos em Lc 24, 47: E em seu nome se pregasse o arrependimento e a remissão dos pecados, em todas as nações, começando por Jerusalém. É uma proclamação pública, um anúncio como o que diz Jesus em Mt 10, 27: O que eu vos digo em segredo, digam-no à luz do dia, e aquilo que vos é dito ao ouvido, apregoem-no em cima nos telhados. CRUCIFICADO [estaurömenos <4717>=crucifixus] particípio passivo do verbo stauroö com o significado de pregar na cruz, crucificar, Inicialmente era empalar ou fixar a uma estaca ou poste. A cruz foi adotada pelos romanos nas guerras púnicas e era o suplício mais atroz e mais humilhante. Somente os escravos; e estes se eram revoltosos contra o poder romano, eram pregados na cruz como escarmento e castigo exemplar. Por isso, Paulo acrescenta que esse Cristo [Messias], ungido de Deus, era ESCÂNDALO [skandalon <4625>=scandalum] para os judeus. Materialmente o escandalon era uma armadilha, um ardil, um laço: daí um impedimento no caminho que causa tropeço e queda. Assim Paulo fala da pedra de escândalo em Rm 11, 9. Em sentido figurado é uma tentação ao pecado como sedução e instigação ao mesmo, como foi Pedro para Jesus lhe propondo não aceitar a paixão e morte do mesmo (Mt 16, 23). Também coisa ou pessoa que causa ofensa, revolta, oposição, como pode ser uma conduta imoral, ou uma ação reprovada pela Lei. Esse é o nosso caso. Segundo a Torah todo homem pendurado é maldito de Deus (Dt 21, 23). Paulo acolhe esta tradição e a aplica a Cristo em Gl 3, 13: Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro. Sem dúvida que este texto do Deuteronômio era usado pelos judeus como motivo de escândalo ou impedimento para admitir a fé. Já Josefo, para evitar a cruz, e sua maldição, se entregou aos romanos na guerra dos anos 60, quando era chefe dos sediciosos na Galileia. Morrer como maldito de Deus era a última coisa que se esperava de um judeu e menos ainda do que devia ser seu rei e chefe como Messias. Por isso a cruz era um obstáculo [escândalo] para um judeu ortodoxo. Paulo elimina esse obstáculo afirmando que Cristo se tornou maldito (Gl 3, 13) e se tornou pecado (2 Cor 5, 21) sendo inocente, para que os verdadeiros malditos e pecadores fossem resgatados da maldição e do pecado. INSENSATEZ [möria<3472>=stultitia] insensatez, asneira, tolice, doidice, loucura: coisa que não tem sentido, coisa de loucos. Como podia ser crível que a salvação viesse de um supliciado na cruz como rebelde e escravo? Não tinha sentido algum para quem buscava beleza e sabedoria, como eram os gregos. Um condenado pela justiça romana não podia ser amigo, quanto menos filho dos deuses. Como adotar como rei quem morreu como pobre e culpável numa cruz, símbolo da ignomínia e infâmia mais aviltada que no tempo se podia pensar? E a sua ressurreição? Quem, senão um doido, podia conceber semelhante mito que insultava o senso comum dos homens? Não foi Paulo rejeitado em Atenas quando começou a falar da ressurreição? (At 17, 32). Tudo isso era ridículo e parecia mito de uma mente transtornada.

PARA OS ELEITOS: Contudo para aqueles mesmos, os chamados, tanto judeus como helenos, Cristo de Deus força e de Deus sabedoria (24). Ipsis autem vocatis Iudaeis atque Graecis Christum Dei virtutem et Dei sapientiam. CHAMADOS [klëtoi <1672>=vocati] são os convidados, como em Mt 20, 16: Muitos são chamados, mas poucos escolhidos. Paulo chama de agioi [sagrados] aos fiéis de Roma (Rm 1, 7) unido ao adjetivo eklektoi [1588>=electi] (Ap 17, 14) constituem os verdadeiramente chamados de Jesus Cristo (Rm 1,6). E para estes escolhidos, que segundo palavras do próprio Jesus são os que o Pai lhe dá, já que todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora (Jo 6, 37). E uma coisa muito importante nesses primeiros tempos do cristianismo que dificilmente foi admitida pelos judeus conversos: que Paulo não faz distinção entre gregos e judeus (Cl 3, 11). Pois a salvação unicamente depende da FORÇA da cruz com a qual Deus, o Pai reforçou a debilidade da morte de seu Filho, para demonstrar ao mesmo tempo a base da SABEDORIA DIVINA em ordem ao conjunto do Universo. O veremos no EXCURSUS.

DIFERENÇA ENTRE DEUS E O HOMEM: Porque o insensato de (o) Deus mais sábio dos homens é; e o débil de (o) Deus mais forte é dos homens (25). Quia quod stultum est Dei sapientius est hominibus et quod infirmum est Dei fortius est hominibus. Paulo admite que o homem não tem a última palavra sobre sabedoria e poder dentro do plano universal das coisas. Como Deus adverte a Jó: Porventura o contender contra o Todo-Poderoso é sabedoria? (40,2). Tens braço como Deus, ou podes trovejar com voz como ele o faz? (40, 9). E passando do poder à sabedoria lemos em 38, 2: Quem é este que escurece o conselho com palavras sem conhecimento? E em 38, 4: Onde estavas tu, quando eu fundava a terra? Faze-mo saber, se tens inteligência. Intentaremos ver a sabedoria de Deus de modo especial no seguinte EXCURSUS.

EXCURSUS

A SABEDORIA DA CRUZ: Temos algumas premissas das quais podemos tirar as consequências para descobrir o plano universal de Deus para a salvação dos homens. 1º) O maior atributo externo de Deus é a Misericórdia (Lc 6, 36). Mt em lugar paralelo fala de perfeição (Mt 5, 48). 2º) Essa misericórdia deriva de sua única bondade (Mt 19, 17). Em seguida, em todo caso, devemos perguntar: que é mais conforme a sua bondade e misericórdia: Perdoar ou fazer justiça? Castigar ou esperar pela conversão do culpado? 3º) O universo tem suas regras não só físicas, mas também de ordem ética: o amor é a base das relações humanas e esse amor consiste em dar-se e servir (Mc 10, 45). Esse amor tem como raiz o amor imensurável de Deus: a escolha da salvação dos inimigos através da morte temporal do seu verdadeiro e único Filho. Porque Deus quis elevar o homem à categoria de sua divindade tornando-o filho no Filho (Jo 1, 12). E para a salvação, santificação e glorificação do homem, criado à sua imagem, escolheu um homem e não um anjo. Esse homem, Jesus, pagou do modo mais doloroso e humilhante com a sua morte pelos pecados do mundo (Jo 1, 39). Não existe uma mais cruel paixão na história da humanidade sobre um condenado que era inocente. Ele se tornou um verme mais do que um homem (Sl 22, 6) devido aos castigos recebidos materialmente podemos afirmar: Desde a planta do pé até a cabeça não há nele coisa sã, senão feridas, e inchaços, e chagas podres não espremidas, nem ligadas, nem amolecidas com óleo (Is 1,6). Foi um castigo exemplar e único. A história de Jesus é a história de um sacrifício por todos que nenhum homem escolheria como parte de sua vida. De que homem poderíamos afirmar como Paulo humilhou-se a si mesmo, obedecendo até à morte, e morte na cruz (Fp 2, 8)? Cristo foi a vítima do holocausto pelo pecado, o pastor que deu sua vida pelas ovelhas e que se alegra mais por ter achado a perdida, que pelas 99 que não se desgarraram. Há uma razão para perdoar o pecado humano e não o pecado angélico: os anjos foram todos criados ao mesmo tempo, mas os homens têm filhos que seriam culpados sendo inocentes. Realmente o pecado de Adão merecia um castigo eterno. E assim foi como foi transmitido a seus descendentes: como deficiência em dons extraordinários, não essenciais a sua natureza, já não transmitidos. Mas o perdão veio pelo sacrifício do homem Jesus, unido pessoalmente a Deus. Deus ofendido tomou como primeiro dever o de perdoar, castigando o filho inocente [daí sua justiça] para salvar os culpados [aqui mostrou sua misericórdia] e manifestar sua bondade. Por isso, a cruz é justiça em primeiro lugar; mas é misericórdia como fim último. E sempre será o símbolo do amor divino que com respeito ao homem se torna misericórdia.

EVANGELHO (Jo 2, 13-25) - PURIFICAÇÃO DO TEMPLO
(Lugares Paralelos: Mt 21, 12-13; Mc 11, 15-18 e Lc 19. 45-46)

A PÁSCOA: E estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém (13). Et prope erat Pascha Iudaeórum, et ascéndit Iesus Ierosólymam – dirá a Vulgata. O termo de ilação com o versículo anterior em João é a conjunção kai, geralmente traduzida por e mas que pode, ao ser uma versão do we original hebraico, ser traduzida por depois, então, logo, porque, já que etc. Lucas usa kai egeneto [e sucedeu] como ilação entre duas narrativas. Cremos que este deve ser o sentido que devemos dar a esse e de João, buscando, não uma ilação temporal, senão uma ligação lógica. Talvez desta maneira poderemos entender melhor as diferenças cronológicas que existem entre os 4 evangelistas. Pois João parece colocar a expulsão dos vendilhões do templo no início da vida pública de Jesus e os sinóticos no fim da mesma. Três vezes ao ano deviam os israelitas comparecer ao templo para oferecer um sacrifício festivo (Êx 23,14 e 17). Uma delas era a Páscoa que correspondia ao 14 de Nissan, ou primeiro mês do ano e começo da primavera. A Páscoa durava sete dias. O dia seguinte ao dia da Páscoa era o Haguigá, dia dos sacrifícios festivos, dos quais a Mishná tem um tratado especial. A Páscoa dos judeus era, pois, uma dessas três principais festas religiosas nas quais os israelitas estavam obrigados a subir a Jerusalém. Era a festa dos ázimos e da ceia do cordeiro. Até 20 mil eram sacrificados para celebrar a ceia pascal. João evidentemente une a subida de Jesus com a celebração da Páscoa. Como em seu evangelho Jesus sobe para Jerusalém num mínimo de seis vezes, (cap 2, 5, 6, 7, 10 e 12) daí que sua cronologia seja mais ajustada à realidade. Enquanto os sinóticos, que somente descrevem uma subida para Jerusalém, a última, devem inserir a purificação do templo no fim da vida do Mestre. João a coloca no início da mesma. O evangelista fala de subir para Jerusalém. Efetivamente, o último trecho dos três dias desde a Galiléia era uma subida dos quase 400 metros abaixo do nível do mar de Jericó, até os mais de 400 metros sobre o nível do mesmo em que se encontra Jerusalém. Daí a subida, que era o termo tradicional pelo qual era conhecida a peregrinação.

O MERCADO: E encontrou no lugar santo os que vendiam bois e cordeiros [e também cabritos] e pombas, e os cambistas assentados (14). Et invénit in templo vendéntes boves et oves et colúmbas et nummulários sedéntes. Temos traduzido probata [gado menor, ou seja, ovelhas e cabras] por cordeiros, contrariamente ao que fazem as traduções vernáculas que falam de ovelhas, pois os animais de sexo feminino não eram próprios para o sacrifício. A palavra cambista kermatistës<2773> recebe em Mateus e Marcos o nome de kollybistës <2855>, tendo ambas uma mesma origem ideológica embora não filológica. Derivam de palavras que significam pequenas moedas ou, como dizemos em português, trocados. O próprio João usa também o kollybistês no versículo 15. O significado de ambos os termos é cambista. Os cambistas eram necessários porque o templo não admitia outras moedas que o shekel judaico, equivalente a dois denários com o qual se pagava o imposto pessoal do templo. Como havia muitos que vinham de fora com moedas nas quais efígies e inscrições de cunho idolátrico abundavam, tendo efígies de deuses ou imperadores, e como não eram permitidas dentro do recinto sagrado, daí que o cambista era um intermediário importante para as compras e vendas de artigos próprios para os sacrifícios e oferendas do templo. Eles sempre cobravam o Kolbon, um dezesseis avos do shekel. Por isso, estes cambistas eram chamados de Colibistas [Kolobos em grego significa moeda pequena], como indica o grego de João (2, 15). As suas mesas estavam abertas desde o dia 25 do mês de Adar, pouco antes do mês de Nissan, mês da Páscoa. Jesus encontrou muitas mesas desses colibistas no templo. No pátio dos gentios estavam as bancas dos cambistas junto aos estabelecimentos dos vendedores de gado e animais, de incenso e azeite. Como vemos o latim traduz por nummularius da palavra nummus moeda; seria o contador de moedas ou caixa atual. Com esta mesma palavra traduz a vulgata os termos correspondentes gregos em Mateus e Marcos.

O TEMPLO: Era precisamente o terceiro templo, o de Herodes, que fundamentalmente foi construído em 8 anos, mas que em detalhes só foi terminado no ano 63. Na época de Jesus, realmente o tempo da sua construção era de aproximadamente 46 anos. O NT usa duas palavras para templo: Ieron [lugar sagrado] e Naos [nave]. A primeira abrangia todo o conjunto, com os pátios dos gentios e das mulheres. A segunda era o tabernáculo propriamente dito [mishkan] descrito em Êxodo 25-31 e 35-40, onde entravam os sacerdotes e compreendia o santo e o santíssimo. Em termos metafóricos, Jesus é o santuário onde habita corporalmente toda a plenitude da divindade (Cl 2,9). Por isso Paulo também fala aos cristãos dizendo: Não sabeis que sois templos [naós] de Deus que habita em vós (I Cor 3,16)? Tema que repete em II Cor 6,16.

A EXPULSÃO: E tendo feito de cordas [schoinion <4979>] um azorrague [fragellion <5416>] expulsou todos do lugar santo, tanto os cordeiros, como os bois e derramou os trocados dos cambistas e virou suas mesas (15). Et, cum fecísset quasi flagéllum de funículis, omnes eiécit de templo, oves quoque et boves, et nummulariórum effúdit aes et mensas subvértit. Estava proibido qualquer bastão, bordão ou vara no templo, por não se permitirem armas no mesmo, a menos que estivessem nas mãos dos guardas, armados com bastões. Por isso Jesus teve que fazer um azorrague com as cordas que seguravam os animais do sacrifício. Embora os evangelistas falem de espadas e cacetes quando da prisão de Jesus, pelos guardas do templo, João, a única testemunha do fato, fala de lanternas, tochas e armas (18, 3). Foi com um bastão que segundo o mesmo João, Jesus foi golpeado diante de Anás por um servidor do mesmo (19, 22). Mas vejamos o que Jesus fez. O fragellum era um instrumento tremendo de castigo. Os romanos usavam vários instrumentos de castigo como açoites. Varas de olmo usadas para açoitar homens livres. Como castigo militar os centuriões usavam bastões de parreira, louro ou murta, que portavam como símbolo de seu cargo para impor sua autoridade. No castigo aos escravos usavam-se vários tipos de açoites. Entre estes a férula, que era uma correia de couro. O lorum ou scutica, ou seja, um látego com caudas feitas de pergaminho retorcido. O Flagrum com dois ou três apêndices com pequenos halteres metálicos nas pontas. O Flagellum é o diminutivo de flagrum. Variações do flagrum eram o astrágala com ossos de carneiro no lugar dos halteres e o scorpion, com pontas ou puas metálicas, próprias para desgarrar a carne. Existiam três formas de açoites judiciais: a fustigatio, menos severa, para ofensas leves e acompanhada de severa advertência, a flagellatio um forte castigo para crimes mais sérios e a verberatio, a mais severa, usada geralmente como prelúdio a outros castigos como, por exemplo, a crucifixão. A lei não determinava o instrumento nem o número de golpes, que estavam sujeitos à vontade do lictor que comandava a execução. Os castigados pela justiça eram amarrados a uma coluna baixa ou deitados no chão para poder açoitá-los de ambos os lados das costas. Geralmente o condenado era açoitado por vários lictores [cornifex ou carrasco] até que estes ficassem exaustos ou eram detidos pelo oficial em cargo. Segundo a Vulgata, as cordas eram pequenas, ou seja, não grossas, daí o funiculus diminutivo de funes [corda]. Com isso compreenderemos melhor o castigo infligido a Jesus por Pilatos, e entendemos por que a Vulgata traduz o fragellion grego por um quase flagellum [uma espécie de flagello] latino. São duas as ações relatadas pelo evangelista: a expulsão de animais por meio de um látego, feito de pequenas cordas, e a reviravolta de moedas e mesas dos cambistas. Precisamente o latim fala de aes que significa cobre, ou moedas de pequeno valor, que eram as usadas como troco; pois uma dracma grega era igual em valor a um denário do templo. Só que, no câmbio, se cobravam alguns centavos [como diríamos em linguagem moderna] e daí os trocos necessários nas bancas dos cambistas. Esses trocos de pequeno valor estavam à vista e parece que as moedas de maior preço como eram as de prata estavam nos cintos dos cambistas. O 4o evangelista nos oferece, pois, uma série de detalhes que, contrastados com os outros três, apontam a uma testemunha ocular, frente a estereotipados relatos de segunda mão, como vemos em Mateus o mais detalhado dos três restantes: e expulsou todos os vendedores e compradores dentro do lugar sagrado e virou as bancas dos cambistas as cadeiras dos vendedores de pombas (Mt 21, 12). Marcos parece uma cópia de Mateus empregando quase os mesmos léxicos e a mesma sintaxe, com a única exceção de colocar o verbo virou em último lugar da frase. O relato de Lucas é muito mais breve.

A ADVERTÊNCIA: E disse aos que vendiam pombas: Tirai estas coisas daqui. Não façais da casa de meu Pai, casa de comércio (Jo 2, 16). Et his qui colúmbas vendébant dixit: Auférte ista hinc et nolíte fácere domum Patris mei domum negotiatiónis. Segundo João, Jesus unicamente adverte aos vendedores de pombas, pedindo que retirassem as gaiolas de pombas, sem virar as mesmas. Talvez por serem voláteis e de difícil expulsão com um látego, como era o caso dos outros vendedores. Jesus apela à casa de meu Pai. Evidentemente essa casa é o lugar sagrado onde especialmente no naós [santuário] Jahveh habitava, assentado sobre os querubins da arca, dentro do Santo dos Santos [Santíssimo] (1 Sm 4, 4). Com esta frase, casa do meu Pai, que repete a dita por ele com idade de 12 anos (Lc 2, 49), Jesus expressa a ideia que tem de sua personalidade, como verdadeiro Filho de Deus. O templo, pois, para Jesus era a casa do Pai. Daí seu zelo por mantê-la limpa do que ele considerava a maior das impurezas, o ídolo do dinheiro, a mammona (Mt 6,24). A cena que Jesus contemplava era a de um verdadeiro comércio: As grandes fortunas de Israel tinham seu dinheiro nas arcas do templo, que como em outras nações servia de banco. Também servia de centro de informação, de modo que todas as famílias e clãs tinham sua estirpe de pertença às suas respectivas tribos. Na derrota do ano 70 o ouro das fortunas foi tomado pelas tropas romanas, mas os documentos das diversas pessoas foram perdidos. Por isso hoje não se pode saber a tribo dos judeus atuais. À parte esse inciso do Pai só narrado por João, precisamente para indicar que Jesus era o Logos encarnado, contrariamente ao que afirmavam do Logos os gnósticos (ver sobre Logos Spermatikós dos estóicos em WWW.presbiteros.com.br, exegese número 68), completamente diferente do demiurgo, o quarto evangelho coincide com os outros evangelistas ao citar Is 56, 13: a minha casa será chamada casa de oração para todos os povos [apontando ao pátio dos gentios] e Jr 7, 11: este templo, onde meu nome será invocado, será por ventura um covil de ladrões aos vossos olhos? Mateus dirá: está escrito a minha casa será chamada casa de oração; vós a fizestes cova de bandidos [salteadores] (Mt 21, 13). Segundo Marcos, Jesus não permitia que ninguém carregasse um utensílio [vaso] através do templo. E ensinava dizendo-lhes: não está escrito que a minha casa será chamada casa de oração para todas as nações? Vós a fizestes toca de bandoleiros [Mc 11, 16-17]. Lucas é o mais breve e coincide com Mateus dando como razão da expulsão a mesma de Mateus. Era célebre o grande mercado da Páscoa que começava três semanas antes da festa, onde se vendiam pombas e trocavam moedas no pátio dos gentios e que se abrigava aparentemente sob o pórtico real. O importe das licenças revertia ao sumo sacerdote. Como antes temos dito, toda moeda, devido às inscrições, tinha que ser cambiada por moedas cunhadas no templo. Nessa troca havia um ganho importante [3 centavos por denário], de modo que um tanto por cento elevado ficava nas mãos dos sacerdotes chefes, tornando-os ricos. Os templos antigos eram verdadeiros açougues, já que a maioria das vítimas eram em parte queimadas e em parte vendidas como idolotitos [= carnes oferecidas aos ídolos]. O templo de Jerusalém não era alheio a este costume. Os sacrifícios pacíficos eram uma prova do mesmo. Nem toda oferenda era admitida, devido às razões de pureza. Só as puras deviam ser aceitas, e para isso deviam morar durante um mês em Jerusalém, por isso as vindas da Galileia, terra de gentios, eram excluídas. (Mt 5,15). Os peregrinos vendiam seus animais nos seus respectivos lugares e com o mesmo valor compravam no templo de Jerusalém os substitutos, livres de toda impureza. Para comprar uma vítima devia-se comprar primeiro um vale de um dos 15 presidentes da compra. Com o vale na mão escolhia-se a vítima correspondente. No fim do dia o número de vales devia corresponder ao dinheiro arrecadado. Por isso não havia mais dinheiro que os trocados devidos aos juros da compra-venda. Sobre as vítimas mais numerosas, as pombas, sabemos que em certas épocas, devido aos partos das mulheres, o pedido era grande e, portanto, os preços disparavam. Nos edifícios circundantes ao naós estavam as 13 bocas de recipientes em forma de trombetas com a parte mais estreita dentro da parede interna para as diversas contribuições. Uma dessas bocas, a primeira, era para receber os shekels da contribuição pessoal anual do ano em curso. A segunda era para a contribuição do ano anterior. Sabemos que numa delas a viúva pobre introduziu dois leptons (dois centavos) (Lc 21,2). Os cambistas eram necessários porque o templo não admitia outras moedas que o shekel, equivalente a dois denários com o qual se pagava o imposto pessoal do templo. Já que as outras moedas tinham efígies de deuses ou imperadores, não permitidas dentro do recinto sagrado. As grandes fortunas de Israel tinham seu dinheiro nas arcas do templo que como em outras nações servia de banco. Era um roubo e os ladrões eram os chefes dos sacerdotes principalmente; especialmente porque a lei impedia a cobrança de juros dos que pertenciam à religião judaica. O templo era, pois, transformado num banco de comércio. Contra esta utilização mercenária do templo, Jesus se indigna e resolve a questão por meios violentos. Sabemos também de um mercado no Monte das Oliveiras, lugar por onde entravam em Jerusalém os galileus. As disputas entre os dois mercados deviam ser frequentes, e por isso o caso da expulsão dos vendilhões do templo nada tem de inverossímil, referendado aparentemente pelos numerosos galileus da festa.

A EXPLICAÇÃO: Lembraram-se, pois, os discípulos dele que está escrito: o zelo pela tua casa me devorou. (17). Recordáti sunt vero discípuli eius quia scriptum est: "Zelus domus tuae comédit me. [katesthiö < 2719> devorar, consumir apoderar-se totalmente de alguém]. É a citação do Salmo 69, 10: Pois o zelo por tua casa me devora, e os insultos dos que te insultam recaem sobre mim. Sem dúvida que a ação violenta de Jesus contrastava com sua pregação de misericórdia e sua atitude de mansidão e acolhimento para com os publicanos e prostitutas. Por isso eles tiveram que recorrer à Escritura para explicar sua conduta, em si nada edificante, pois declarando-se manso e humilde (Mt 11,29), agora apela ao uso da força. Esta conduta só pode ser compreendida à luz do AT como se Jesus tivesse um dever que obrigatoriamente devesse realizar: O Zelo de tua casa me consumiu e as injúrias dos que me ultrajam caem sobre nós (Sl 69,9).

A PERGUNTA: Em reposta, por isso, os judeus disseram-lhe: Que sinal tu nos mostras, já que realizas estas coisas? (18). Respondérunt ergo Iudaéi et dixérunt ei: Quod signum osténdis nobis quia haec facis? Como toda a tradução feita neste evangelho, decidimos preferir a literalidade muito mais do que a sintaxe. Qual é o sinal que os judeus pedem? O poder em forma de violência denotava em Jesus uma autoridade que o ligava com o futuro Messias. Existia nos tempos de Jesus a opinião de que o Messias devia se apresentar como vindo do céu e descendo suavemente no átrio dos gentios, à maneira que o diabo tentou Jesus a pôr em prática (Mt 4, 5-6). Seria este o sinal provindo do céu esperado pelos judeus (Mt 16, 1), os dirigentes da nação, para acreditar em Jesus?

O TEMPLO: Respondeu Jesus e disse-lhes: Demoli este santuário [naós<3485>] e em três dias o levantarei (19). Respóndit Iesus et dixit eis: Sólvite templum hoc, et in tribus diébus excitábo illud. Como vemos, Jesus fala de naós, que seria propriamente a parte mais sagrada do amplo edifício conhecido como templo. O templo em tempos de Jesus era o terceiro templo, reconstruído por completo por Herodes o Magno. Em tamanho e materiais era uma maravilha no mundo antigo. O primeiro templo construído por Salomão sob os planos de Davi, seu pai, era em grande parte de madeiras nobres forradas de ouro. O segundo templo após a volta do cativeiro da Babilônia era minúsculo e pobre. Foi Herodes o Magno que em 9 anos, desde o ano 19 dC, construiu o templo, ou seja, a naós [=nave] própria e suas dependências, de modo que em anos sucessivos só houve necessidade de retoques e terminações. E foi assim até o ano 62, ano em que se deu como terminada a grandiosa obra. Oito anos depois ele foi destruído pelas tropas romanas. Era um edifício escalonado em que o lugar mais alto e sagrado, era o DERBI [o santo dos santos ou santíssimo], donde não havia janelas externas, nem estátuas ou figuras internas, tal e como o encontrou Pompeu, o único profano que a História revela como visitante do mesmo. Fora do recinto sagrado, existia o pátio chamado dos gentios, rodeado por pórticos de colunas. Dois deles eram famosos: o Real do sul, e o de Salomão do leste. Neste último elevavam-se duas fileiras de colunas, mantendo um teto que propiciava uma estrutura ao abrigo dos ventos, do sol e da chuva, própria para servir como sala de aula contínua ao modelo das madrasas muçulmanas. Nesse pórtico escutou Jesus pela primeira vez os doutores da lei (Lc 2,46) e ensinou o evangelho, principalmente na festa dos Tabernáculos (Jo 7,14) e na última semana de sua vida (Jo 8,2 e 10, 23). Ou seja, além de ser o santuário, morada exclusiva de Deus no meio de seu povo, o Templo era a escola universitária do Israel bíblico em tempos de Jesus. O culto, com os sacrifícios, os cantos dos salmos, as orações dos fiéis, transformava o lugar em verdadeiro recinto sagrado (Jo 2,13-25). O templo onde se desenvolvia a conversa tinha nesta época, aproximadamente 46 anos desde o início de sua construção por Herodes o Grande. A resposta de Jesus é um tanto ilógica, como veremos, ao estudar a refutação feita pelos judeus.

A RÉPLICA: Disseram, portanto, os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este santuário e tu em três dias o levantarás? (20). Dixérunt ergo Iudaéi: Quadragínta et sex annis aedificátum est templum hoc, et tu in tribus diébus excitábis illud? A dúvida e a correspondente ironia dos judeus eram claras do ponto de vista humano. Ou Jesus estava louco ou ele falava de outra coisa que os judeus não entendiam bem. Do tempo citado, poderemos saber mais ou menos a idade de Jesus. Nascido no ano -7 teríamos que tirar 12 anos aos 46 e chegaríamos à idade de 34 anos. Caso seu nascimento fosse no ano –4 [ano da morte de Herodes] teria na época 31 anos. Sua idade estava, pois compreendida entre os 31 e 34 anos.

O CORPO, TEMPLO DO ESPÍRITO SANTO: Ele, porém, falou sobre o santuário do seu corpo (21). Ille autem dicébat de templo córporis sui. Jesus falou abertamente de seu corpo como sendo um verdadeiro templo (20). O comentário do evangelista é descrito no versículo 22: Quando, pois, foi erguido dos mortos, lembraram-se os seus discípulos que disse isto e creram na Escritura e na palavra que disse Jesus. Cum ergo resurrexísset a mórtuis, recordáti sunt discípuli eius quia hoc dicébat, et credidérunt Scriptúrae et sermoni quem dixit Iesus. Nem os judeus nem os discípulos entenderam as palavras de Jesus. Estes últimos as compreenderam ao vê-lo ressuscitado. Realmente o poder de Jesus estava ao nível do poder de sua ressurreição. Desta metáfora do corpo como sendo naós do Espírito, servir-se-ão os apóstolos para ver no corpo dos cristãos o verdadeiro templo que não depende de mãos humanas. Assim Paulo fala dos corpos dos cristãos consagrados pelo batismo como sendo templos do Espírito Santo, que está em vós e que vos vem de Deus, e que vós não vos pertenceis (I Cor 6,19). Ele também tem uma expressão difícil, que considera o homem como um conjunto tripartido: Espírito, alma e corpo (I Ts 5, 23) Autores há que comparam esta tri-divisão com a de Plutarco: Corpo, alma e razão. Mas podemos dar uma solução mais cristã: o espírito na realidade é o Espírito, ou seja, o sopro divino que nos acompanha desde o batismo e forma parte de nossa natureza como cristãos, como filhos de Deus, à semelhança de Cristo, que o recebeu plenamente no seu batismo (Mt 3,16). Por isso se compreende a sentença de Jesus de que o homem, para formar parte do Reino, deve nascer de novo, tendo um novo Pai [tenhamos em conta que o único que verdadeiramente contava na antiguidade para a nova criatura era o pai]. E esse nascimento se dá na água através do Espírito que se comunica. (Jo 3, 3-6). Entenderemos, pois, melhor o significado desse nascimento, se considerarmos que os filhos eram produtos do pai e que a mãe era só a terra fértil que os alimentava. A água batismal é a mãe junto com a Igreja, e Deus é o Pai do qual nascemos e nos tornamos, como Jesus, verdadeiros templos de Deus ao qual adoraremos em Espírito e verdade (Jo 4, 23).

ATIVIDADE SOBRENATURAL DE JESUS: Como, pois, estivesse em Jerusalém na Páscoa, na Festa, muitos creram em seu nome vendo seus (sic) sinais que fazia (23). Cum autem esset Ierosólymis in Pascha in die festo, multi credidérunt in nómine eius vidéntes signa eius quae faciébat. Esta parte do relato é própria de João e introduz o diálogo com Nicodemos do capítulo 3. Como podemos ver, o latim traduz com bastante literalidade o grego do quarto evangelho. Quais foram esses sinais ou milagres? O evangelista não os narra. Mas logicamente eram coisas extraordinárias; em geral, curas impossíveis com os remédios e médicos da época, e de forma instantânea, feitas sob o comando de sua voz (ver Mt 8, 16). Por isso, dirá Nicodemos, que vens da parte de Deus como um mestre porque ninguém pode fazer o que tu fazes se Deus não estiver com ele (Jo 3, 2). O que sabemos é o comentário do evangelista que, diferente dos outros três, gosta de uma reflexão teológica após um fato que, geralmente, é um dos sinais portentosos feitos por Jesus.

O CONHECEDOR DOS CORAÇÕES: Mas o próprio Jesus, ele mesmo, não acreditava neles, por ele conhecer todos (24). Ipse autem Iesus non credébat semetípsum eis, eo quod ipse nosset omnes. Logicamente é um parágrafo próprio do evangelista como se fosse um comentário em voz alta, de uma pessoa que tinha convivido por longo tempo com Jesus e que testemunhava esse conhecimento dos corações, próprio de um homem inspirado por Deus. Desse conhecimento não se livrava ninguém, fato que indica a universalidade do conhecimento sobrenatural de Jesus. Portanto, João nos adverte: e porque não tinha necessidade de que alguém testemunhasse acerca do homem já que ele conhecia o que estava dentro do homem (25). Et quia opus ei non erat ut quis testimónium perhibéret de hómine; ipse enim sciébat quid esset in hómine. Como vemos, a tradução latina uma vez mais é literalmente exata. O evangelista, além de narrar os fatos com detalhes de uma testemunha presente neles, nos dá uma reflexão sobre a ciência infusa de Jesus que nos leva a um plano transcendente como é o profético, ou melhor, o divino. Talvez seja esta palavra do evangelista uma recordação de Jeremias: Não vos fieis em palavras mentirosas, dizendo: este é o templo de Jahweh, Templo de Jahweh, templo de Jahweh! (Jr 7, 4).

PISTAS:

1) No relato evangélico temos um testemunho da autoridade de Jesus em matéria religiosa. Sabíamos por Marcos (1, 22-28) da autoridade de Jesus para interpretar a Lei e instituir novos mandatos. Agora ele declara a dignidade do templo como impossível de compaginar com o comércio de compra e venda, feito dentro do recinto sacro. Será que isto não se repete hoje em dia em certos lugares que chamamos de peregrinação?

2) A venda de cargos, relíquias ou indulgências, que podemos chamar de simonia foi, em outros tempos, escusa para uma divisão dentro da Igreja. Temos aprendido alguma coisa quando em programas modernos de TV vemos objetos e peregrinações oferecidos como desejáveis a preços aparentemente de rebaixa comercial?

3) O templo material de Jerusalém é substituído pelo corpo [ou seja, a humanidade] de Jesus ressuscitado. Ele está presente na Eucaristia. Essa presença é a que consagra o templo material e purifica toda ação humana, por menos digna que esta apareça nas figuras do sacerdote e dos ministros que a servem e distribuem.

4) Nós somos templos do Espírito Santo segundo S Paulo (1 Cor 6, 19). De vez em quando convém deixar Jesus entrar neles para limpar os mesmos, que o mundo moderno tem maculado. O lucro, o hedonismo, o bem-estar são a nova Tríade Capitolina, que domina a política e a sociedade e que subjuga também a vida familiar e particular.

5) O templo era considerado tão sagrado que uma palavra contra ele era considerada como ofensa grave, espécie de blasfêmia, castigada até com a morte. Assim a ação de Jesus foi entendida como uma provocação, segundo vemos no julgamento. Pois colocaram na boca de Jesus: Posso destruir este templo e reedificá-lo em três dias (Mt 36, 51). Esta era uma das acusações principais e pela discrepância entre as testemunhas, parece que o tempo em que foi dito por Jesus era tão antigo, como relata João, ao início da vida pública de Jesus. Ele não foi julgado, mas criticado na época e, só depois de alguns anos, a frase, deturpada, veio à tona.

6) A ciência infusa de Jesus é como um referendum do que todos nós sabemos: não se pode confiar nas palavras de um homem. Até a Escritura afirma: maldito o homem que confia unicamente no homem (Jr 17, 5). Por isso, a mentira é talvez a chave principal para distinguir o autêntico do hipócrita, o verdadeiro do falso homem. Jesus mesmo usou esta norma quando disse de Natanael: Eis um verdadeiro israelita em que não há dolo [mentira] (Jo 1, 47).


EXCURSUS: NORMAS DA INTERPRETAÇÃO EVANGÉLICA

- A interpretação deve ser fácil, tirada do que é o evangelho: boa nova.

- Os evangelhos são uma condescendência, um beneplácito, uma gratuidade, um amor misericordioso de Deus para com os homens. Presença amorosa e gratuita de Deus na vida humana.
- Jesus é a face do Deus misericordioso que busca o pecador, que o acolhe e que não se importa com a moralidade ou com a ética humana, mas quer mostrar sua condescendência e beneplácito, como os anjos cantavam e os pastores ouviram no dia de natal: é o Deus da eudokias, dos homens a quem ele quer bem e quer salvar, porque os ama.

Interpretação errada do evangelho:

- Um chamado à ética e à moral em que se pede ao homem mais que uma predisposição, uma série de qualidades para poder ser amado por Deus.
- Só os bons se salvam. Como se Deus não pudesse salvar a quem quiser (Fará destas pedras filhos de Abraão).

Consequências:

- O evangelho é um apelo para que o homem descubra a face misericordiosa de Deus [=Cristo] e se entregue de um modo confiante e total nos braços do Pai como filho que é amado.
- O olhar com a lente da ética, transforma o homem num escravo ou jornaleiro:aquele age pelo temor, este pelo prêmio.
- O olhar com a lente da misericórdia, transforma o homem num filho que atua pelo amor.
- O pai ama o filho independentemente deste se mostrar bom ou mau. Só porque ele é seu filho e deve amá-lo e cuidar dele.
- Só através desta ótica ou lente é que encontraremos nos evangelhos a mensagem do Pai e com ela a alegria da boa nova e a esperança de um feliz encontro definitivo. Porque sabemos que estamos na mira de um Pai que nos ama de modo infinito por cima de qualquer fragilidade humana.


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Oh! meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno,
levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente
as que mais precisarem!

Graças e louvores se dê a todo momento:
ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!

Mensagem:
"O Senhor é meu pastor, nada me faltará!"
"O bem mais precioso que temos é o dia de hoje! Este é o dia que nos fez o Senhor Deus!  Regozijemo-nos e alegremo-nos nele!".

( Salmos )

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