GOTAS DE REFLEXÃO - EVANGELHO DOMINICAL
16.09.2012
24º Domingo do Tempo Comum — ANO B
(VERDE, GLÓRIA, CREIO – IV SEMANA DO SALTÉRIO)
TEMPO DE AMAR E LER A BÍBLIA - SETEMBRO: MÊS DA BÍBLIA
__ "Quem dizeis que eu sou? Tu és o Messias!" __
NOTA ESPECIAL: VEJA NO FINAL DA LITURGIA OS COMENTÁRIOS DO EVANGELHO COM SUGESTÕES PARA A HOMILIA DESTE DOMINGO. VEJA TAMBÉM NAS PÁGINAS "HOMILIAS E SERMÕES" E "ROTEIRO HOMILÉTICO" OUTRAS SUGESTÕES DE HOMILIAS E COMENTÁRIO EXEGÉTICO COM ESTUDOS COMPLETOS DA LITURGIA DESTE DOMINGO.
Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs!
INTRODUÇÃO DO FOLHETO DOMINICAL PULSANDINHO: Neste domingo, o terceiro do mês da Bíblia, somos convidados a dar nosso testemunho a respeito de quem é Jesus. Ele quer ouvir de nós o que pensamos e dizemos dele. O que podemos afirmar da identidade de Jesus? Não basta a resposta dos outros; cada um deve dar a própria resposta e aderir à sua pessoa. Crendo que Jesus é o Messias, o enviado de Deus, nossa fé se manterá inalterada mesmo diante de provocações, e se traduzirá em obras a favor da fraternidade. Iniciemos nossa celebração, intercedendo o dom da fé, para que o Senhor manifeste sua justiça em nossas vidas e através de nós..
INTRODUÇÃO DO FOLHETO DOMINICAL O POVO DE DEUS: Irmãos e irmãs, viemos celebrar a Eucaristia e fazer a nossa profissão de fé, dizendo a Jesus o que São Pedro afirmou: "Tu és o Messias". Também queremos abrir o nosso coração para ouvir do Senhor a exortação: "Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, vai salvá-la". É com esse espírito que nos preparamos para a Assembleia Arquidiocesana que se aproxima.
INTRODUÇÃO DO WEBMASTER: Neste domingo, a mensagem é sobre o sofrimento que acompanha o profeta em sua missão. A Palavra de Deus, muitas vezes, e em muitos ambientes, encontra resistência. Deus pede transformação e conversão, mas isto não agrada a muita gente. Então, como o ímpio não pode atingir a Deus, procura atingir o seu mensageiro. Como ouviremos na primeira leitura, o servo de Deus não deve correr nos momentos difíceis, porque Deus não o abandonará jamais. Jesus mesmo profetiza no Evangelho que ele não passará sem sofrimento e morte, mas vencerá pela ressurreição. Isto faz parte da vida daquele que quer transformar o mundo e trazer vida para os demais. Que a Bíblia seja para nós, realmente, o livro que contém a Palavra de Deus.
Sintamos o júbilo real de Deus em nossos corações e cheios dessa alegria divina entoemos alegres cânticos ao Senhor!
(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)
PRIMEIRA LEITURA (Isaías 50,5-9): - "O Senhor Deus vem em meu auxílio: quem ousaria condenar-me? Cairão em frangalhos como um manto velho; a traça os roerá."
SALMO RESPONSORIAL 114(115): - "Andarei na presença de Deus, junto a ele na terra dos vivos."
SEGUNDA LEITURA (Tiago 2,14-18): - "De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras? Acaso esta fé poderá salvá-lo?"
EVANGELHO (Marcos 8,27-35): - "Se alguém me quer seguir, renuncie-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me."
Homilia do Diácono José da Cruz – 24º Domingo do Tempo Comum – ANO B
"O CRISTO DOS DESILUDIDOS!"
Com certeza esse evangelho do 24º. Domingo do Tempo Comum, traz em nosso coração essa pergunta tão inquietante: O que significa perder a vida por causa de Jesus e do seu evangelho? Quem é Jesus, e o que significa a afirmativa de que é preciso “Perder para ganhar”?.
Nos primeiros três séculos da Igreja primitiva, quando o Cristianismo não estava atrelado ao Império, tivemos centenas de mártires que derramaram seu sangue na arena, por causa do testemunho. Nas comunidades de Marcos a perseguição do império romano era muito intensa e os que eram pegos e não renunciavam a fé em Jesus, eram presos e acabavam também mortos. Na América Latina não foram poucos os mártires, que tombaram defendendo o direito e a justiça do povo sofrido e injustiçado.
Será que é deles que o evangelho está falando, no sentido literal? Será que não podemos aplicar hoje ás pessoas de nossas comunidades essa expressão, de que elas também perdem a vida por causa de Cristo e do seu evangelho? Em certo sentido, é muito válido dizer que nossos agentes de pastorais, perdem a vida, quando se dedicam a tantos trabalhos estafantes, muitos até nem vivem mais para si mesmo, mas organizam suas vidas a partir da comunidade, e fazem isso com muita alegria e seriedade. Deixar de lado os interesses pessoais, para dedicar-se ao trabalho pastoral, sem dúvida é também perder a vida.
Entretanto, não é apenas isso, porque muitas vezes recebemos algo em troca, e nesse caso, se ganhamos e não estamos perdendo, o evangelho não se aplica, ainda que haja uma roupagem de trabalho pastoral, mas é só roupagem, pois no fundo a gente se apega ao cargo, ao poder, que sempre nos fascina, nas comunidades há certos coordenadores que “mandam” até mais que o padre, e o poder satisfaz ao nosso “ego”.
Jesus havia se dado conta de que a visão sobre o seu Messianismo, era equivocada. Com o objetivo de fazer a necessária correção, fez uma prova oral com seus discípulos, primeiro eles são indagados sobre o que o povão pensa a respeito dele, e ao saber que o povo o confundia com João Batista, Elias ou um dos profetas, parece que Jesus não demonstrou nenhuma preocupação, e foi direto ao assunto que mais lhe interessava: “E vocês, quem dizem que eu sou?”. A resposta de Pedro foi corretíssima “Tu és o Messias!”. A questão é saber, de que Messias Pedro estava falando. Por isso, em seguida, Jesus revela o sentido do seu messianismo, que irá se consolidar no sofrimento, na rejeição, na morte e ressurreição.
Na visão de Pedro, no Messianismo de Jesus tudo vai dar certo e as coisas vão se resolver, as contas irão fechar, pois Jesus irá por ordem na casa, com o seu poder divino. Ninguém irá resisti-lo... Não é essa a ilusão que toma conta do coração de muitos cristãos em nossas comunidades? O Jesus do “tudo certo”, do “mar de rosas”, da “doce paz, da saúde, da prosperidade”, o Jesus da reviravolta, que só me dá vitória em cima de vitória, o Jesus que sempre me tira dos “enroscos” da vida. Esse não é o Jesus do Evangelho, mas o Cristo dos Desiludidos!
Encontrar sempre respostas prontas, caminhos largos, problemas resolvidos, portas abertas, nunca foi e nem será uma característica do cristianismo. Anunciar um Jesus assim é trair o projeto de Deus, é falsificar o evangelho, é ser Satanás, aquele que se opõe ao Reino do Céu. Infelizmente na pós-modernidade, muitas igrejas, sem raiz, sem história e nem tradição, idealizaram um Jesus produto do consumo, um Cristo que só abençoa os ricos e poderosos. Nessa teologia de fundo de quintal, os dois últimos versículos do evangelho desse domingo, são deixados de lado, pois não falam a linguagem da pós modernidade. Quem irá, nos dias de hoje, fazer marketing de um projeto que implique renúncia, cruz e sofrimento? Um projeto cuja proposta de Salvação seja pautada pelo desprezo á própria vida, deixando de lado até interesses particulares.
Proposta de Salvação que não fale em vitória, em sucesso, em prosperidade, não dá IBOPE, não lota templo, não dá audiência. Qualquer marqueteiro da atualidade teria a mesma reação de Pedro e repreenderia Jesus... Onde já se viu, começar um projeto prenunciando o fracasso da cruz?
O Messianismo de Jesus vislumbra sim, um mundo totalmente novo, mas ele não descarta a aspereza do caminho, as pedras do calvário, os penhascos, os espinhos, a ousadia de um sonho, que vai se construindo com os pés no chão da história, vivendo já no coração os valores desse reino que virá. O autêntico discípulo é aquele que, vislumbrando esse reino, descobre-o presente em Jesus que caminha com a sua igreja, e passa a viver cada minuto, hora e dia, apenas em função desse projeto, menosprezando todo e qualquer valor ou ideologia, que o mundo possa oferecer, porque crê sinceramente que nada é maior ou mais importante do que Cristo e a Boa Nova do Evangelho. É exatamente assim que o quadro se reverte, e a PERDA se transforma em GANHO, como ensina o evangelho... (24º Domingo do Tempo Comum)
José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa
Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa – 24º Domingo do Tempo Comum — ANO B
“Conhecer para amar”
“E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mc 8,29). Seríamos, nós, capazes de responder com exatidão essa pergunta? Concedo que respondê-la com exatidão não é tão fácil, pois trata-se de ir aprofundando no conhecimento de Cristo a tal ponto de podermos dizer com o Apóstolo: “julgo como perda todas as coisas, em comparação com esse bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por ele tudo desprezei e tenho em conta de esterco, a fim de ganhar Cristo e estar com ele” (Fl 3,8-9).
Contudo, com o conhecimento que já temos podemos dar uma resposta verdadeira de quem é Cristo? Caso a resposta seja positiva, graças a Deus; caso seja negativa, eu só posso dizer que é preciso conhecer mais o Salvador. Tanto num caso como noutro, aproveito aqui para dar aquele conselho tão cheio de sabedoria que alguma vez São Josemaria Escrivá colocou num livro como dedicatória: “Que procures Cristo. Que encontres Cristo. Que ames a Cristo”. Trata-se de viver três etapas: PROCURAR, ENCONTRAR, AMAR. Ao mesmo tempo, e sem dúvida, essas três etapas vão acontecendo simultaneamente em nossas vidas: nós vamos procurando, encontrando e amando o Senhor. Trata-se de um processo, de um dinamismo, do dinamismo da vida cristã.
Jesus, mais do que com fazer milagres, queria pregar, anunciar o reino de Deus: “Vamos a outros lugares, às aldeias da vizinhança, a fim de pregar também ali, pois foi para isso que eu saí”(Mc 1,38). Jesus desejava anunciar-se a todos. E nós, desejamos ouvi-lo? Estamos interessados na nossa formação cristã, em conhecer as Sagradas Escrituras, o Catecismo da Igreja, preocupamo-nos em ler bons livros?
Num tempo de relativismo como nosso, é preciso que tenhamos critérios verdadeiros na cabeça, que estejamos bem ancorados na verdade. Guardemo-nos de novidades nocivas: “pois virá um tempo em que alguns não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, segundo os seus próprios desejos, como que sentindo comichão nos ouvidos se rodearão de mestres. Desviarão os seus ouvidos da verdade, orientando-se para as fábulas” (2 Tim 4,3-4). Entre as várias maneiras de explicar o que é “comichão”, gostei muito daquela que diz que é uma “coceira”, ter comichão nos ouvidos é ter uma espécie de coceira, de inquietação em buscar novidades. É preciso que sejamos prudentes, para que não sejamos enganados pelos falsos mestres que tanto prometem; geralmente prometem coisas que agradam os nossos sentidos, mas que não preenchem os nossos corações desejosos de Deus e das coisas eternas.
São Vicente de Lerins dizia que “mal começa a espalhar-se a podridão de um novo erro e este, para justificar-se, apodera-se de alguns versículos da Sagrada Escritura, que, além do mais, interpreta com falsidade e fraudulentamente; é preciso imediatamente usar as passagens dos Padres da Igreja para interpretar as passagens em questão” – ou seja, atenhamo-nos à Bíblia e à Tradição viva da Igreja, pois são os veículos através dos quais nos chega a Revelação divina, a Palavra de Deus; esta, por sua vez, é interpretada pelo Magistério da Igreja. Assim teremos certeza de que estamos na verdade.
Outra coisa: cuidado com os maus livros! Fazem muito dano, muitas pessoas podem perder-se por causa da leitura de um livro mal, com má doutrina. São Francisco de Sales era taxativo neste ponto, dizia: “Guarda-te, sobretudo, dos maus livros; por nada do mundo cheguem a seduzir-te certas obras muito admiradas pelos cérebros fracos que orgulham-se de colocar tudo em dúvida, de menosprezar tudo e de burlar-se de toda norma tradicional. Busca, ao contrário, livros de sólida doutrina”. Para quê ler livros que falam mal da Igreja, do Papa, de Nossa Senhora? Além de causar-nos desgostos, poderiam seduzir-nos.
Todo ser humano tem a obrigação de buscar a verdade. Todo ser humano precisa conhecer a lei natural. Para o cristão, além da lei natural, a lei divina positiva (os mandamentos da lei de Deus) e os mandamentos da Igreja. Este é o mínimo necessário. Temos também a obrigação de formar um critério seguro que compreende a de manter uma adequada luta ascética para combater os próprios pecados. Não nos esqueçamos de que “vida do homem sobre a terra é uma luta” (Jó 7,1). E a luta para evitar o pecado faz com que mantenhamos a sensibilidade para as coisas espirituais e a juventude no amor de Deus.
O pecado faz com que distorçamos o sentido da realidade. Preocupemo-nos todos e de verdade com a nossa formação doutrinal, com a formação da nossa consciência. O cristão que não se preocupa com a própria formação vai se afastando da verdade de Deus, acontece com ele algo semelhante ao que acontecia com aquele homem triste. Aquele pobre homem entrava frequentemente no boteco para pedir um pinga com limão, ou melhor, várias pingas com limões. Enquanto isso, aproveitava para desabafar as suas penas com o paciente proprietário do boteco que escutava em silêncio enquanto limpava o balcão e atendia os outros fregueses. Mas certo dia, aconteceu uma coisa inusitada: aquele homem triste pediu um pinga com suco de laranja. “Cachaça com suco de laranja?!” – perguntou admirado o dono do bar. “É que estou sentindo o estômago arder um pouco” – explicou o pobre pinguço. Nos dias seguintes, o homem triste foi mudando os pedidos: pinga com suco de abacaxi… a dor não passou. Pinga com suco de pêssego… a dor só aumentava. Pinga com suco de maçã… a dor persistia. Os pedidos foram sucedendo-se durante vários dias: cachaça com suco de uva, de maracujá etc. Contudo, o homem triste estava mais abalado e a dor no estômago ficava mais intensa. Finalmente, num determinado dia, chegou no boteco e não pediu nada, mas queria fazer uma confidência ao proprietário do boteco: “sabe de uma coisa, amigo! Acho que eu descobri o motivo da minha doença”. O dono do bar perguntou curioso: “qual?”. Então o homem triste, enquanto apoiava o cotovelo no balcão e segurava o queixo magro: “as frutas me fazem mal. Todas elas”.
Quem não vive como pensa, acaba pensando como vive e… deformando a própria consciência. Acaso não é isso que infelizmente temos visto entre aqueles que se dizem modernos e envelhecem-se nos próprios vícios e pecados.
Maria Santíssima é “sedes sapientiae – sede da sabedoria”, peçamos a ela que nos ajude a procurar, a encontrar e a amar mais e mais o seu Filho Jesus e Nosso Senhor. Que nunca deformemos na nossa mente o rosto amável do Senhor por causa da nossa visão deformada. Que a nossa formação nos ajude a conhecer o Cristo do Evangelho, o Cristo da Igreja, o Cristo da nossa fé.
Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa
Comentário Exegético – 24º Domingo do Tempo Comum — ANO B
(Extraído do site Presbíteros - Elaborado pelo Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
EPÍSTOLA (Tg 2, 14-18)
INTRODUÇÃO: As afirmações de Tiago nesta perícope parecem contradizer as declarações de Paulo sobre a justificação pela fé. Mas, na realidade, não invalidam as mesmas, já que o próprio Paulo afirma que a fé opera pelo amor: Porque em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor (Gl 5, 11). E em duas ocasiões Paulo afirma que os que operam a maldade não entrarão no reino (1 Cor 6, 9 e Gl 5, 21) porque a igreja deve ser santa e sem mancha: Quis assim preparar a igreja para ser a sua esposa cheia de beleza, sem mancha nem defeito ou coisa semelhante, mas santa e sem pecado (Ef 5, 27). Pela fé aceitamos o convite das bodas; mas devemos nos apresentar com o vestido apropriado ou seremos expulsos das mesmas (Mt 22, 11-13). Daí a afirmação de Tiago de que a fé sem obras é uma fé morta: para nada é válida, é como se não existisse. E quando Paulo anula as obras, elas são as obras da Lei, especialmente a circuncisão. Provavelmente no seu tempo, de Tiago, já prevaleciam doutrinas gnósticas em que o conhecimento predominava sobre a caridade, o que dava lugar a toda classe de libertinagem, como conhecemos por outros escritos do NT. Ao comentar a justificação de Abraão, Paulo, opondo-se ao parecer dos judeus-cristãos que pretendiam ainda a validez das normas da Lei, traz o versículo de Habacuc 4, 2 citando-o: o justo viverá pela fé [ek pisteös]. Mas, na realidade, o hebraico diz: pela sua [dele, de Deus] fidelidade [emunatu] que a Setenta traduz: pela minha [de Deus] fidelidade [ek pisteös mou]. E a Vulgata iustus autem in fide sua vivit. A citação paulina em grego é: o de dikaios ek pisteös sesetai [o justo viverá pela fé [ou fidelidade], pois pistis tem como primária definição fidelidade]. A tradução da Vulgata é: iustus autem ex fide vivit [mas o justo vive (presente) da fé] que é traduzido ao vernáculo por aquele que é justo pela fé viverá. Somente Paulo claramente renuncia à Lei quando afirma: Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé sem as obras da Lei (Rm 3, 28). E terminemos dizendo que a Lei tinha um sentido amplo tanto da Escrita como da oral ou tradição dos maiores. Pelo contrário, Tiago, num ambiente adverso, traz o exemplo de Abraão: Não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaac? Bem vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada (Tg 2, 21-22). Não nega Tiago o valor da fé, mas o afirma na obra boa realizada por Abraão, que completou a fé inicial. Por isso, dirá no versículo 20 anterior: Queres tu saber que a fé sem as obras é morta? A fé deve ser razão e motivo de nossas obras boas; ou pelo contrário, de que serve? Não será inútil como um morto? Esta é a posição de Tiago nesta epístola.
A FÉ SÓ SALVA? Qual o benefício meus irmãos se fé alguém diz ter, mas não tem obras? Pode a fé salvá-lo? (14). Quid proderit fratres mei si fidem quis dicat se habere opera autem non habeat numquid poterit fides salvare eum. BENEFÍCIO [to ofelos< 3786>=quid proderit] traduziríamos qual o proveito, ou de que aproveitaria alguém dizer que tem fé, mas não faz as obras que a fé demanda? A fé só pode salvar? O apóstolo dará a reposta no versículo 19: Fazes bem; também os demônios creem e estremecem. E até Paulo afirmará: Invejas, homicídios, bebedeiras, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus (Gl 5, 21).
UM EXEMPLO: Se, pois, um irmão ou uma irmã está nu e se encontrarem indigentes do alimento diário (15) e, portanto, lhes disser alguém de vós ide em paz aquecei-vos e fartai-vos, não dando-lhes as coisas necessárias do corpo, qual o benefício? (16). Si autem frater aut soror nudi sunt et indigent victu cotidiano, dicat autem aliquis de vobis illis ite in pace calefacimini et saturamini non dederitis autem eis quae necessaria sunt corporis quid proderit. ENCONTRAR-SE [yparchösin <5225> indigent] o verbo yparchö significa estar presente, existir ou estar, e em muitos casos substitui o verbo einai [ser] como no caso de Jairo, que era príncipe da sinagoga (Lc 8, 41). Tiago usa a mesma palavra ofelos para indicar que não adiantaria em nada a boa palavra, mas que era necessária a ação. A boa palavra pode se entender com o que Paulo afirma da fé: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo (Rm 10, 8). Como compaginar esta afirmação paulina com o que Tiago afirma? Pois afirmando que a salvação não é um ato único isolado, mas um caminho longo que dura a vida e no qual a paciência e a perseverança são frutos da graça de Deus e da sinergia do homem. Assim o afirma o próprio Tiago em 1, 3: Sabendo que a prova da vossa fé opera a paciência [ypomonë]. Que Jesus já tinha em conta na parábola do semeador: a semente que caiu em boa terra, esses são os que, ouvindo a palavra, a conservam num coração honesto e bom e dão fruto com perseverança [ypomonë] (Lc 8, 15). Por isso dirá: Na vossa paciência ganhareis as vossas almas [vidas] (Lc 21, 19). Finalmente será em Hb 12, 1 que encontramos esta pérola bendita: Corramos com paciência a carreira que nos está proposta.
FÉ SEM OBRAS: Assim também a fé: se não tiver obras, morta está em si mesma (17). Sic et fides si non habeat opera mortua est in semet ipsam. A primeira manifestação da fé deve ser a que Jesus pedia a seus discípulos: Qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de meu Pai, que está nos céus (Mt 10, 32-33). A fé, admitindo Jesus como Filho de Deus, e Redentor dos homens, nos leva a uma voluntária submissão, onde agradavelmente cumprimos o que diz Paulo: toda a língua confesse que Jesus Cristo é o SENHOR, para glória de Deus Pai (Fp 2, 11). E pela fé, destruída a velha inimizade, nos consideramos todos filhos de Deus a quem devemos o amor fraterno, que Jesus manda seja como o seu entre os discípulos: Eu vos mando: Que vos ameis uns aos outros (Jo 15, 17). Será Paulo que encaminha a fé pela senda reta, quando escreve: Todas as vossas coisas sejam feitas com amor. (1 Cor 16, 14) e em Ef 3, 17: Para que Cristo habite pela fé nos vossos corações; estando arraigados e fundados no amor. Por isso Paulo fala do combate de fé (Fp 1, 27; 1 Tm 6, 12 e 2 Tm 4, 7).
A FÉ SE DEMONSTRA NAS OBRAS: Mas dirá alguém: tu tens fé e eu obras tenho. Mostra-me tua fé fora de tuas obras e eu te mostrarei por minhas obras a minha fé (18). Sed dicet quis tu fidem habes et ego opera habeo ostende mihi fidem tuam sine operibus et ego ostendam tibi ex operibus fidem meam. A sugestão de Tiago é fácil de entender: a fé é um produto do interior da alma e não pode ser vista ou experimentada senão por fatos externos como são as obras. Por isso a verdadeira fé só pode ser conhecida pelas obras. E para demonstrar como a fé sem obras é inútil logo dirá no versículo seguinte que também os demônios creem e não obstante no lugar do amor neles se encontra o pavor ou estremecimento como trasladam as versões vernáculas.
EVANGELHO (Mc 8, 27-35)
INTRODUÇÃO: No evangelho de hoje Jesus pergunta sobre sua missão. A resposta dos discípulos, com base no sentir do povo, é irreal. Só Pedro acerta; mas não entende o sentido de sua reposta. É, então, que Jesus explica seu destino: a morte para dar a vida, que logo dirá ser o caminho de todo verdadeiro cristão.
A PERGUNTA: E saíram Jesus e os seus discípulos para as aldeias de Cesareia de Filipe e no caminho perguntou a seus discípulos dizendo-lhes: quem dizem os homens que sou eu? (27). Et egressus est Iesus et discipuli eius in castella Caesareae Philippi et in via interrogabat discipulos suos dicens eis quem me dicunt esse homines. LOCAL: Mateus diz que era perto de Cesareia de Filipe. Na realidade, veio às partes [merë], lugares que eram dessa cidade. Cesareia era o nome comum de várias cidades. Essencialmente na Palestina existiam duas Cesareias: a da Palestina, cidade romana, fundada por Herodes, o Grande, situada na costa do Mediterrâneo, 37 Km ao sul do monte Carmelo e 100 Km ao noroeste de Jerusalém; e a Cesareia de Filipe, cidade gentílica, situada no sopé do monte Hermon, no Antilíbano, na cabeceira principal do rio Jordão, 32 Km ao norte da Galileia. Distava 40 Km de Betsaida [dois dias de caminho desta última]. Era a antiga Panion também Pâneas ou Panias, que hoje ainda subsiste com o nome de Baniyas numa aldeia das fontes do Jordão. Foi helenizada, no século III AC, com uma população, também da região, que em sua maioria não era judia. Em 20 aC, Augusto a cedeu a Herodes, que nela construiu um grandioso templo dedicado ao imperador, feito de mármore branco sobre uma rocha que dominava a cidade e a fértil planície da qual era capital a antigas Pâneas, assim chamada porque perto da cidade existia uma gruta, dedicada, desde tempos remotos, ao deus Pan ou Pânion. A cidade foi ampliada e embelezada pelo tetrarca Filipe, que lhe deu o nome de Cesareia em honra de Tibério César. Por isso foi chamada de Cesareia de Filipe. A partir do século II foi chamada de Cesareia de Pâneas e no século IV em diante, o termo Cesareia desapareceu, permanecendo apenas o antigo Pâneas. O templo sobre a rocha evidentemente era um símbolo que Jesus não devia desperdiçar. A PERGUNTA: a tradução literal do versículo 13 seria: Quem me dizem os homens ser o Filho do homem? Esse me [a mim] não está sendo traduzido na Vulgata latina nem nas versões vernáculas. Numa linguagem mais elaborada, a tradução seria: quem dizem os homens que Eu sou? É notória que nas três recensões da pergunta dos três sinóticos a pergunta é a mesma na primeira parte: quem me dizem os homens [as turbas em Lucas] ser? Ou quem dizem os homens que eu sou?
A RESPOSTA: Então eles responderam: João o Batista e outros Elias; mas outros um dos profetas (28). Qui responderunt illi dicentes Iohannem Baptistam alii Heliam alii vero quasi unum de prophetis. Podemos dividir esta resposta em duas partes bem diferenciadas: uma, a geral, dada pelo povo, que praticamente indica Jesus como um homem de Deus, especialmente como um profeta comparável aos grandes de Israel; a outra é a resposta particular dada por Simão Pedro. Vamos estudar ambas as respostas. A primeira tem várias indicações: A) O Batista: A pregação de Jesus e dos discípulos era a mesma de João: Arrependei-vos, o reino de Deus está próximo (Mt 3, 2). E oferecia um batismo como o do adusto homem do deserto (Jo 3, 22-23). A semelhança do parentesco entre o Batista e Jesus (Lc 1, 36) talvez facilitasse a ideia de que Jesus era o Batista ressuscitado. Afirmava-se que João, o Batista, era Elias, pois a Escritura afirmava que o antigo profeta não tinha morrido, mas fora arrebatado aos céus no meio de uma tempestade de fogo (2 Rs 2, 11). Essa era a razão pela qual se esperava a sua vinda. B) Elias propriamente dito. Segundo a tradição, Elias escreveu uma carta depois de ser arrebatado (2 Cr 21, 12) dirigida ao rei Jorão de Judá por sua conduta idolátrica, já que tinha como esposa uma filha do ímpio rei Acab de Israel. Supunha-se, pois, que Elias voltaria antes do dia do Senhor, o dia da vingança e do castigo dos ímpios, dia da ira que está por vir (Jo 3, 7). Em Malaquias 3, 1 lemos: Eu vos envio meu mensageiro. Ele aplainará o caminho diante de mim. Por isso numa data posterior ao livro [após o ano 450 aC] identifica-se este mensageiro ou anjo, com Elias (seria no acrescentado capítulo 4, versículo 5, que não está no canônico Malaquias). Na sua complicada alegoria animalística da História, o livro apócrifo de Henoc (século II aC), descreve a aparição de Elias antes do juízo e da aparição do grande cordeiro apocalíptico. Isto é importante, visto que João falava do Cordeiro de Deus (Jo 1, 29). Em Eclo 48, 10 temos outra referência do século II aC: Tu que fostes designado nas censuras para os tempos a vir, para aplacar a cólera antes que ela se desencadeie, reconduzir o coração do pai para o filho (Lc 1, 17). Vistos os milagres que Jesus operava, os contemporâneos de Jesus pensavam que se não fosse Elias, que em vida realizou muitos e notáveis milagres, devia ser um profeta redivivo [aneste=despertado], pois a profecia tinha acabado e não era necessária nos tempos messiânicos. C) Um profeta. Lucas dirá que é um dos antigos, redivivo. De fato, os judeus distinguiam entre antigos profetas como Josué, Juízes, Samuel, Davi e os profetas compreendidos no reinado de Davi e os últimos profetas a começar por Isaías e terminar com Malaquias. A que profeta se referem os discípulos como porta-voz da vox populi? Talvez Samuel que já nos tempos de Saul se mostrou redivivo em 1 Sm 28, 12 diante da médium de Endor? Ou talvez Moisés, pois, a ele comparam a atuação de Jesus como vemos em Jo 5, 45-46 e 6, 31-32. Na realidade, os enviados oficiais perguntam a João se ele não era o Profeta [como conhecido personagem, esperado nos tempos messiânicos] de Dt 18, 15-18. Pois Javé disse a Moisés: um profeta como tu suscitarei do meio de teus irmãos. Por isso em 1 Mc 3, 45 aguardavam a vinda de um profeta que se pronunciasse a respeito. Este profeta, semelhante a Moisés, que deveria ser escutado em tudo (At 3, 22), era o próprio Jesus, coisa que o povo admitiu após a multiplicação dos pães (Jo 6, 14) e na festa dos tabernáculos em Jerusalém (Jo 7, 40). Os judeus esperavam um Profeta, um Messias e um Sumo Sacerdote. Destas esperanças está como testemunha a carta aos Hebreus.
JESUS PERGUNTA DE NOVO: Então ele diz-lhes: Vós, porém, quem dizeis que sou eu? Tendo, pois, respondido o Pedro lhe diz: Tu és o Cristo (29). Tunc dicit illis vos vero quem me dicitis esse respondens Petrus ait ei tu es Christus. E VÓS?: Que ideia têm eles, seus discípulos, do homem Jesus? Ou seja, que papel na vida pública, especialmente na vida religiosa, deve ter Jesus entre seus conterrâneos? Em qual dessas categorias deveria ser incluído o Mestre que foi seu guia e com o qual conviviam durante esse tempo? SIMÃO PEDRO: O apóstolo chefe é conhecido por diversos nomes entre os autores do NT. A) Como Simão. O nome original do apóstolo era Simão, forma abreviada de Simeão [famoso]. De fato, seu nome completo, ou como diríamos hoje, seu DNI era Simão bar Jonas [Simão, filho de Jonas], que a Vulgata conserva como Simon bar Iona, como vemos no versículo 17 do cap 16 do evangelho de Mateus no lugar paralelo. Já o quarto evangelista diz dele que era filho de João [‘yiós Iöannou] (1, 42), e que a Vulgata traduz por filius Iona (?) [a Nova Vulgata corrige dizendo Filius Ioannis] que o próprio evangelista repete em 21, 15, como Simon Iöannou [Simão de João], com a Antiga Vulgata agora traduzindo corretamente por filius Ioannis ou de João. A dúvida existe: o pai era Jonas [pomba] ou João [favor de Deus]? Talvez a solução seja a diferença entre o aramaico e o hebraico em cujas escritas as consoantes de Jonas e João eram as mesmas, mas a pronúncia diferente. Jesus, sempre que fala com o apóstolo, usa o nome de Simão. Além do nome próprio ou, como dizem em inglês first name, temos outros personagens com o nome de Simão no NT: Simão, o zelote, um dos doze (Mt 10, 4). Simão, o irmão do Senhor (Mt 13, 55). Simão, o leproso de Betânia (Mt 26, 6). Simão, o fariseu (Lc 7, 40). Simão, o cirineu (Mt 27, 32). Simão, pai de Judas, o Iscariotes (Jo 6, 71). Simão mago (At 8, 9) e Simão de Jope (At 8, 18). Com este nome de Simão é que Jesus o chama. B) Como Pedro em latim Petrus e em grego Petros. Uma única vez aparece na boca de Jesus como vocativo (Lc 22, 34). Esta única ocasião mais parece redacional que ipsissima verba Christi. Dentro da parte que poderíamos chamar redacional dos evangelhos, encontramos a palavra Pedro em Mateus 16 vezes, em Marcos 11, em Lucas 9, em João 9 e 3 nos Atos. C) Como Simão Pedro em Mateus 3, em Marcos 1, em Lucas 2, em João 17 e em Atos 4. D) Como Kefas [o aramaico por rocha] aparece em João 1, 42 e nas epístolas de Paulo, nas duas primeiras, Gálatas e 1 Coríntios e sempre na boca de Paulo. Deste nome, podemos deduzir que a palavra usada por Jesus foi Kefas e que, aos poucos, ela foi traduzida ao grego como Petros com o mesmo significado, pois pedra seria lythos. Em latim, petra também significa rocha, tendo o significado de pedra a palavra lápis ou calculus. Petrus era rocha e não lápis ou calculus. A RESPOSTA: Em nome dos doze, Simão responde: Tu és o Cristo [Ungido], o Filho do Deus vivente. Vamos comparar esta resposta com a de Marcos: Tu és o Cristo (Mc 8, 29), e a de Lucas: O Cristo do (sic) Deus. Ninguém duvida de que a resposta mais breve de Marcos é a saída da boca de Pedro. A de Lucas pode ser redacional ao explicar a unção como feita pelo Deus único e a de Mateus uma explicação, como sempre, de um bom catequista, para entender as palavras do apóstolo e a bênção imediata de Jesus. Qual era o significado de Cristo [Christós em grego]? Logicamente devemos recorrer à palavra correspondente hebraica. Significa Ungido que seria a tradução da palavra aramaica Messiah. A palavra Messias era traduzida como Christos em grego (Jo 1, 41). Originariamente era uma referência de Há Kohen há Massiah [o sacerdote, o ungido], ou seja, o Sumo Sacerdote, em cuja cabeça tinha sido derramado o óleo, quando consagrado como líder espiritual da comunidade (Lv 4, 3). Daí que o Messias era alguém investido por Deus de uma responsabilidade espiritual especial. Em tempos de Jesus, existia a ideia de que um descendente da casa de Davi seria o Messias que redimiria a humanidade, tradição que provinha dos tempos de Isaías. E foi o profeta Daniel em 9, 25 que deu uma nova esperança a esse ungido de Deus. Essa tradição encarava o Messias, não como um ser divino, mas apenas como um homem, um grande chefe, reformador social, que iniciaria uma era de paz perfeita. É o que os anjos prometeram aos pastores ao anunciar o nascimento do Salvador que era o Messias (Lc 2, 14).
SILÊNCIO: E os advertiu para que a ninguém dissessem acerca dele (30). Et comminatus est eis ne cui dicerent de illo. Era o segrego messiânico: Caso Jesus fosse admitido e anunciado como Messias, teria consequências políticas e sociais completamente diferentes dos planos divinos sobre a verdadeira missão de Jesus, essencialmente transcendental como cordeiro de Deus, sacrificado pelo pecado do mundo (Jo 1, 20).
O MESSIADO VERDADEIRO: E começou a ensinar-lhes que era necessário que o Filho do homem padecesse muito, e que fosse rejeitado pelos anciãos e príncipes dos sacerdotes, e pelos escribas, e que fosse morto, mas que depois de três dias ressuscitaria (31). Et coepit docere illos quoniam oportet Filium hominis multa pati et reprobari a senioribus et a summis sacerdotibus et scribis et occidi et post tres dies resurgere. E a história de sua paixão, resumida, mas delatando os verdadeiros causantes de sua morte e finalmente o fato de seu triunfo na ressurreição.
PEDRO O REPROVA: E com clareza falava a palavra. Então, tomando-o à parte, o Pedro começou a reprová-lo (32). Et palam verbum loquebatur et adprehendens eum Petrus coepit increpare eum. Pedro não entendeu as palavras claras de Jesus e pensou que este fosse um obstinado pessimista. O messias era um triunfador e não uma vítima do pecado humano. Esta era a ideia geral que Pedro fez sua e por isso tinha seguido o mestre.
A ADVERTÊNCIA: E chamado o povo junto com seus discípulos, lhes disse: quem quiser vir após mim negue-se a si mesmo e tome sua cruz e siga-me (34). Et convocata turba cum discipulis suis dixit eis si quis vult post me sequi deneget se ipsum et tollat crucem suam et sequatur me. É um chamado radical e fundamental que com frequência é esquecido pelos discípulos atuais de Jesus: uma parte negativa, como é a negação de si mesmo, que nos leva a ocupar o último lugar para ser servidores de todos; e uma positiva, como é tomar a cruz, símbolo de humilhação e sofrimentos.
EM RESUMO: Pois quem quiser salvar sua alma perdê-la-á. Quem, porém, perder sua alma por minha causa e a do evangelho, a salvará (35). Et convocata turba cum discipulis suis dixit eis si quis vult post me sequi deneget se ipsum et tollat crucem suam et sequatur me. ALMA [psychë<5590>=anima] aqui é tomada como o ser mais duradouro, causa da vida, como o ser inteiro. Alma é o mesmo que vida. Como vem em Mt 6, 25: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida [psychë], pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida [psychë] mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? O mesmo significado corresponde em Lc 12, 22, com a mesma palavra psychë. Seguir o evangelho, essencialmente, o que parece mais anti-humano [perder a vida] é o maior sinal de salvação.
PISTAS:
1) Obviemos a primeira pergunta – quem dizem os homens que sou eu? -Porque tal e como está o mundo, talvez a reposta muçulmana [um profeta anterior a Maomé] seja a mais próxima daquela dada pelos discípulos em Cesareia de Filipe. Vamos, pois, responder à segunda pergunta: E vós? Hoje não é suficiente a resposta de Pedro: O Messias, o esperado de Israel. A nossa deveria ser: O Filho de Deus Encarnado, que se entregou e morreu por mim (Gl 2, 20). Por isso, vivemos a vida presente pela fé no Filho de Deus (idem). O cardeal Darío Castrillón, prefeito da Congregação do Clero, escreve que o que se necessita para alcançar a felicidade não é uma vida cômoda, mas um coração enamorado como o de Cristo. E o amor é entrega, quanto mais absoluta, maior amor temos pela pessoa amada.
2) Na verdade, essa imagem de Cristo que todos nós levamos dentro, desde o batismo, está, ou destroçada ou escurecida. Como poderemos ser apóstolos se não sentimos sua presença dentro de nós? Como vender um produto do qual não estamos nós, os vendedores, convencidos?
3) A resposta de Jesus, dada a Simão, indica que a nossa resposta, admitindo seu senhorio total como Messias e como Filho de Deus, é também um dom do céu e que ela merece um makarismo especial. Já o disse o Senhor a Tomé: Bem-aventurados os que não viram e creram (Jo 20, 29). Não seremos os chefes, como Pedro, mas a Igreja doméstica estará fundada em nós e nas nossas famílias.
4) A entrega ser para o outro é ser para Cristo. Porque se em servir está o amar, este é o que mede o sacrifício e a resposta ao Mestre: vem e segue-me.
EXCURSUS: NORMAS DA INTERPRETAÇÃO EVANGÉLICA
- A interpretação deve ser fácil, tirada do que é o evangelho: boa nova.
- Os evangelhos são uma condescendência, um beneplácito, uma gratuidade, um amor misericordioso de Deus para com os homens. Presença amorosa e gratuita de Deus na vida humana.
- Jesus é a face do Deus misericordioso que busca o pecador, que o acolhe e que não se importa com a moralidade ou com a ética humana, mas quer mostrar sua condescendência e beneplácito, como os anjos cantavam e os pastores ouviram no dia de natal: é o Deus da eudokias, dos homens a quem ele quer bem e quer salvar, porque os ama.
Interpretação errada do evangelho:
- Um chamado à ética e à moral em que se pede ao homem mais que uma predisposição, uma série de qualidades para poder ser amado por Deus.
- Só os bons se salvam. Como se Deus não pudesse salvar a quem quiser (Fará destas pedras filhos de Abraão).
Consequências:
- O evangelho é um apelo para que o homem descubra a face misericordiosa de Deus [=Cristo] e se entregue de um modo confiante e total nos braços do Pai como filho que é amado.
- O olhar com a lente da ética, transforma o homem num escravo ou jornaleiro:aquele age pelo temor, este pelo prêmio.
- O olhar com a lente da misericórdia, transforma o homem num filho que atua pelo amor.
- O pai ama o filho independentemente deste se mostrar bom ou mau. Só porque ele é seu filho e deve amá-lo e cuidar dele.
- Só através desta ótica ou lente é que encontraremos nos evangelhos a mensagem do Pai e com ela a alegria da boa nova e a esperança de um feliz encontro definitivo. Porque sabemos que estamos na mira de um Pai que nos ama de modo infinito por cima de qualquer fragilidade humana.
09.09.2012
23º Domingo do Tempo Comum — ANO B
(VERDE, GLÓRIA, CREIO – III SEMANA DO SALTÉRIO)
TEMPO DE AMAR E LER A BÍBLIA - SETEMBRO: MÊS DA BÍBLIA
__ "O mundo está ficando surdo; precisa de profetas da esperança" __
NOTA ESPECIAL: VEJA NO FINAL DA LITURGIA OS COMENTÁRIOS DO EVANGELHO COM SUGESTÕES PARA A HOMILIA DESTE DOMINGO. VEJA TAMBÉM NAS PÁGINAS "HOMILIAS E SERMÕES" E "ROTEIRO HOMILÉTICO" OUTRAS SUGESTÕES DE HOMILIAS E COMENTÁRIO EXEGÉTICO COM ESTUDOS COMPLETOS DA LITURGIA DESTE DOMINGO.
Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs!
INTRODUÇÃO DO FOLHETO DOMINICAL PULSANDINHO: Reunidos ao redor da mesa da Palavra e da Eucaristia, somos convidados a elevar um hino de gratidão ao Pai, que nos concedeu o dom da palavra para proclamar o bem em favor do povo. Por isso, a Eucaristia que estamos iniciando irá colocar diante de nós três desafios: ser profeta da esperança, levar a sociedade a abrir os ouvidos ao Evangelho e repudiar todo tipo de discriminação, especialmente em relação aos pobres. Que o alimento eucarístico nos conceda a força necessária para não temer diante desses desafios.
INTRODUÇÃO DO FOLHETO DOMINICAL O POVO DE DEUS: Lembramos que o último Domingo do mês de setembro é o "Dia Nacional da Bíblia". Por isso, queremos despertar desde já a comunidade para o conhecimento e o amor às Sagradas Escrituras, e, por isso, motivamos a todos para a leitura cotidiana, atenta e piedosa da Bíblia. Jesus, que é a Palavra de Deus encarnada, age por meio da leitura orante da Escritura, abrindo nossos ouvidos e libertando nossa língua para proclamar as maravilhas da salvação, como fez com o surdo-mudo que buscou sua ajuda.
INTRODUÇÃO DO WEBMASTER: Neste segundo domingo do mês da Bíblia, a Liturgia nos ensina que o nosso Deus é Deus de todos, mas tem atenção especial para com aqueles que mais sofrem. Ele está ao lado dos doentes e marginalizados. Ele é força para os que têm defeitos físicos e por isso mesmo se sentem menos dignos. Parece que nos momentos tristes ele está longe, mas é aí que ele se coloca mais perto. Na primeira leitura, o profeta Isaías consola os corações perturbados, garantindo que Deus virá para fazer justiça, virá para castigar e premiar. Quando o Messias chegar, diz o profeta, os coxos vão andar, os cegos vão ver, os mudos falar e os surdos ouvir. No Evangelho, Jesus prova que o Reino de Deus já chegou. O surdo-mudo é curado, confirmando as palavras de Isaías. As leituras bíblicas de hoje mostram a preferência de Deus pelos pobres, os marginalizados e os enfermos. Na cura do surdo-mudo por Jesus começa a se realizar a esperança messiânica dos pobres tal como o anunciava oito séculos antes de Cristo o profeta Isaías. Rezemos para que tenhamos ouvidos para ouvir a Palavra de Deus e língua para anunciá-la por todos os cantos.
Sintamos o júbilo real de Deus em nossos corações e cheios dessa alegria divina entoemos alegres cânticos ao Senhor!
(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)
PRIMEIRA LEITURA (Isaías 35,4-7): - "A terra queimada se converterá num lago, e a região da sede, em fontes."
SALMO RESPONSORIAL 145(146): - "Bendize, ó minha alma, ao Senhor. Bendirei ao Senhor toda a vida!"
SEGUNDA LEITURA (Tiago 2,1-5): - "Ouvi, meus caríssimos irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres deste mundo para que fossem ricos na fé e herdeiros do Reino prometido por Deus aos que o amam?"
EVANGELHO (Marcos 7,31-37): - "Ele fez bem todas as coisas. Fez ouvir os surdos e falar os mudos!"
Homilia do Diácono José da Cruz – 23º Domingo do Tempo Comum – ANO B
"A surdez do coração"
Essa surdez e mudez que hoje refletimos neste evangelho, têm um significado bem mais profundo do que a cura física. Não se trata simplesmente do ouvir com os ouvidos e falar com a boca, a surdez e a mudez abordada pelo evangelista Marcos, localiza-se no coração do ser humano.
Há pessoas muito faladeiras, que contam mil e uma vantagens, ou então que perdem um tempo precioso falando mal da vida do próximo, ou conversas fúteis da qual nada se aproveita, assim como o saber ouvir é uma arte. Aqui a questão do ouvir não se trata apenas de escutar vozes das pessoas falando, ou ruídos. A deficiência auditiva desse homem da comunidade Marcos vai, além disso, seu coração está fechado para Deus e as pessoas e por isso tem o coração assim tão vazio de Deus, não tendo, portanto nada a anunciar, sua vida fechada e isolada em si mesmo é uma fonte de amargura e azedume.
No antigo testamento a principal queixa de Deus durante a travessia do povo pelo deserto, é de que: o povo tinha fechado o coração e não mais o ouvia, escutavam, mas não o ouviam. Na comunidade de Marcos e também nas nossas há pessoas assim... Essa surdez e mudez são causadas pela arrogância e prepotência dos que não crêem em Deus e preferem dar ouvidos somente as vozes da razão.
Conviver e relacionar-se com alguém assim, é difícil e complicadíssimo, a comunidade não sabe mais o que fazer e rogam a Jesus para que imponha as mãos sobre aquele homem. A experiência que fazemos de Jesus é algo muito pessoal, por isso ele toma o homem surdo-mudo e o leva á um lugar á parte. O mundo da pós-modernidade está repleto de rituais e de vozes que só alienam e escravizam o homem. No dia do Senhor que é o domingo, a comunidade dos que crêem, se afastam do burburinho do quotidiano, e na comunidade se reúnem a outros que querem e precisam ficar a sós com o Senhor.
As palavras de Jesus e seus gestos no ritual da cura do surdo mudo, lembram o rito batismal quando a graça de Deus abre o nosso coração para que Deus possa entrar e fazer morada. Nas celebrações eucarísticas ou mesmo da Santa Palavra, presidida por um Ministro Leigo ou um Diácono, esse ritual se repete, somos tocados pela Palavra, a força do Espírito Santo a leva para dentro de nós, no mais íntimo do nosso ser, transformando aos poucos a nossa vida, a cura da surdez e mudez não é imediata, mas ocorre em um processo que é dinâmico, vamos ouvindo, nos libertando e anunciando, sempre que experimentamos o Senhor.
Comunidade é, portanto o lugar onde todos se preocupam para que cada um se abra cada vez mais á essa Palavra, as nossas orações e cantos nada mais são do que uma súplica para que o Senhor estenda sobre nós suas mãos, abrindo cada vez mais o nosso coração para a sua graça que nos santifica, nos renova e nos liberta. Agora já dá para sabermos quem é esse surdo-mudo que saiu da celebração anunciando com alegria as maravilhas de Deus!
José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa
Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa – 23º Domingo do Tempo Comum — ANO B
“Fazer bem para servir melhor”
As ações de Jesus causavam admiração naqueles que o seguiam. Isso porque “Ele fez bem todas as coisas” (Mc 7,37). Jesus é aquele que nos dá a salvação, ou seja, ele nos dá o perdão dos pecados, a graça de ser filho de Deus e membro da Igreja. Todo o Cristo é Salvador: ele e suas ações. Até o choro do Menino Jesus era salvador! Assim como Jesus Cristo foi generoso para com o gênero humano na hora da sua Paixão e Ressurreição, também o foi antes dessa grande ação pascoal.
Já que cada uma das ações do Salvador foi salvadora, é preciso afirmar que ele colocou em cada uma dessas ações o empenho em oferecê-las cheias de obediência e amor ao seu Pai. Assim como o sacrifício de Abel foi perfeito, Jesus Cristo, o Novo Abel, ofereceu ao Pai um sacrifício perfeito em todas as suas ações e em todas as suas dimensões. É justa a exclamação do povo: “Ele fez bem todas as coisas”.
Nós também, incorporados a Cristo, podemos colaborar efetivamente na salvação operada por Cristo uma vez por todas. Com as nossas pequenas ações cotidianas podemos ajudar o Senhor a salvar os nossos semelhantes. Mas será preciso também que ao oferecê-las ao Senhor sejam quais sacrifícios de Abel: perfeitos.
Quais são essas ações cotidianas? As relações profissionais, o trabalho bem feito, a vida de família, as nossas diversões, o nosso tempo dedicado aos demais, o tempo de estudo, pegar um ônibus para ir ao trabalho ou dele vir, um sorriso, um aperto de mão, fazer uma comida gostosa para a família, rezar, fazer esporte etc. Tudo pode ser santificado, pois desde que o Filho de Deus assumiu a nossa humanidade tudo pode e deve ser elevado ao plano de Deus. Como gostavam de dizer alguns Padres da Igreja: o Filho de Deus se fez homem para que o homem se tornasse filho de Deus! E nós poderíamos continuar: o Filho de Deus assumiu a nossa humanidade para que tudo o que é da nossa humanidade possa ser santificado e oferecido ao Pai. Todo trabalho humano honesto e toda e qualquer outra atividade humana que um cristão possa realizar pode e deve ser santificada, oferecida a Deus.
Como é importante que façamos as coisas bem feitas e por amor a Deus. Não nos esqueçamos de que o nosso prestígio profissional é muito importante, não para alimentar o nosso orgulho, mas para sermos coerentes e autênticos. Uma pessoa que reza muito e trabalha mal não está sendo coerente com a sua fé. O cristão, no seu ambiente profissional, deve procurar ser o melhor. Essa competência profissional lhe granjeará um nome e uma posição que podem servir-lhe como uma espécie de isca de pescador. Ou seja, as outras pessoas verão nele um homem de bem, um bom trabalhador, competente, responsável e, ao saber que se trata de um católico, admirará cada vez mais o cristianismo que tem essa capacidade de formar homens e mulheres tão capazes. Isso atrai! E não pense o leitor só em profissões consideradas em maior estima pelas pessoas, mas em toda e qualquer profissão honesta. Nesse sentido, é muito importante que resgatemos também o valor do trabalho que realizam as esposas e mães no lar. É um trabalho feito com muito amor, desgastante, mas, sem essa presença feminina e acolhedora os nossos lares não seriam tão agradáveis e serenos.
“Santifiquemos o trabalho, santifiquemo-nos no trabalho e santifiquemos os outros através do trabalho” fazendo tudo bem feito e por amor a Deus e, com certeza, estaremos imitando o Senhor que dedicou trinta anos a viver silenciosamente com a sua família, trabalhando.
Essa ideia tão conhecida hoje em dia foi difundida pelo Fundador do Opus Dei (Obra de Deus), São Josemaria Escrivá (1902-1975), que, a partir do ano 1928, teria como tema constante de sua pregação o anúncio de que todos os cristãos podem e devem ser santos, precisamente através do trabalho. Falava da chamada à santidade e ao apostolado no meio do mundo, nas circunstâncias e nas ocupações da vida ordinária (trabalho profissional, atividades culturais e sociais, matrimônio e vida de família etc.). Deste núcleo brota uma espiritualidade fundamentada no sentido da filiação divina, na identificação com Jesus Cristo – com uma atenção particular aos seus anos de trabalho em Nazaré – e na consciência da íntima conexão, por virtude da graça, entre o divino e o humano, entre a comunhão com Deus e o desempenho da própria tarefa e do próprio trabalho profissional no seio da sociedade civil.
No fundo desta mensagem encontra-se uma decidida afirmação do caráter vocacional da existência cristã, uma aguda percepção da capacidade santificadora do Batismo e uma profunda compreensão da compenetração entre criação e redenção, que impulsiona a ser “comtemplativos no meio do mundo”, mais ainda, a “amar o mundo apaixonadamente”. O trabalho profissional é considerado como realidade querida por Deus e incorporada, em virtude do decreto divino, à obra da redenção, que, presente no tempo, desemboca na eternidade. A espiritualidade apresenta-se como perspectiva de luz que incita a pôr de manifesto a riqueza do conjunto da mensagem cristã. Dizia São Josemaria: “Aí onde estão as nossas aspirações, o nosso trabalho, os nossos amores – aí está o lugar do nosso encontro cotidiano com Cristo. É no meio das coisas mais materiais da terra que nos devemos santificar, servindo a Deus e a todos os homens. Na linha do horizonte, meus filho, parecem unir-se o céu e a terra. Mas não: onde de verdade se juntam é no coração, quando se vive santamente a vida diária…” (homilia Amar o mundo apaixonadamente, 8-X-1967).
Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa
Comentário Exegético – 23º Domingo do Tempo Comum — ANO B
(Extraído do site Presbíteros - Elaborado pelo Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
EPISTOLA (TIAGO 2, 1-5)
INTRODUÇÃO: Escrita pelo apóstolo Tiago [Jacob] que era chamado o Justo e declarado irmão [parente] do Senhor [Jesus], está dirigida às doze tribos que se encontram na Dispersão ou Diáspora (1.1). É, pois, escrita para os judeus convertidos que moravam fora da Palestina. Daí que o texto está em grego e seja um dos mais clássicos dentro da Koiné do NT. No trecho de hoje aborda o tema da acepção de pessoas. Tem como base última o mandamento do amor. Não é próprio de um cristão ter medidas diferentes na hora do trato com a comunidade: adular o rico e ignorar o pobre. Essa conduta seria a mesma que instigar o rico a ser como o fariseu da parábola: um desprezador e opressor do pobre.
FAVORITISMO: Meus irmãos: não tenhais em favoritismo a fé do nosso Senhor Jesus Cristo da glória [glorioso] (1). Fratres mei nolite in personarum acceptione habere fidem Domini nostri Iesu Christi gloriae. FAVORITISMO [prosöpolëpsia<4382>=personarum acceptio] de significado acepção de pessoas, ou favorecer a uns mais do que a outros por medo ou por desejo de aceitar favores. Paulo usa esta palavra para afirmar que para com Deus, não há acepção de pessoas (Rm 2, 11), pois trata por igual tanto a judeus como a gregos. Do próprio Jesus, até os inimigos confessaram: Mestre, sabemos que és verdadeiro e que não te deixas influenciar por ninguém. Pois não julgas as pessoas pela aparência, mas ensinas com fidelidade o caminho de Deus (Mc 12, 14). Na casa de Cornélio, gentil, Pedro falou-lhes assim: Agora compreendo verdadeiramente que Deus não faz distinção de pessoas (At 10, 34). Pelo que Tiago diz em seguida, deduzimos que a acepção de pessoas é tratar melhor os ricos do que os pobres. A tradução moderna seria: Não mistureis com favoritismos a fé de nosso Senhor Jesus Cristo glorificado. A tradução literal é um tanto confusa, e no lugar de glorificado ou glorioso fala da glória. Estamos talvez num momento de celebração do dia do Senhor, domingo, como era denominado e no qual se celebrava a ressurreição de Cristo como liturgia.
EXEMPLO: Se, pois, entrar na vossa assembleia um homem com anel de ouro em seus dedos, de vestido esplêndido; mas também um pobre em veste suja (2) e olhardes respeitosamente ao vestido com roupa fina e lhe disserdes: assenta-te aqui confortavelmente. E ao pobre disserdes: fica de pé ai ou senta ai, embaixo do estrado dos meus pés (3). Etenim si introierit in conventu vestro vir aureum anulum habens in veste candida introierit autem et pauper in sordido habitu. et intendatis in eum qui indutus est veste praeclara et dixeritis tu sede hic bene pauperi autem dicatis tu sta illic aut sede sub scabillo pedum meorum. ANEL DE OURO [chrysodaktulios <5554>=aureum anulus habent]: indicava que o homem era rico. Na sociedade de Roma os ricos levavam anéis na mão esquerda com profusão. Sinal de riqueza, os anéis eram mostrados com ostentação, e até podiam ser alugados por tempo e preço determinados. ASSEMBLEIA [synagögë <4864>= conventum] se trata de uma reunião para fazer justiça. Maimônides diz que foi expressamente mandado pelas leis judaicas que, quando um homem pobre e um rico pleiteassem, o rico não devia ser convidado a sentar-se e o pobre a ficar de pé, ou sentar-se num plano inferior, mas ambos deviam estar sentados ou de pé num mesmo plano.
DISTINÇÃO IMORAL: Não fizestes distinção dentro de vós mesmos e vos tornastes juízes de suspeitas maldosas? (4). Nonne iudicatis apud vosmetipsos et facti estis iudices cogitationum iniquarum. DISTINÇÃO [diekrithëte<1252>= iudicatis] diakrinö é separar, fazer distinção, discriminar, preferir. Ao julgar mais digno o rico que o pobre desprezamos o último por sua externa aparência e nos tornamos juízes, reprovando o pobre só pela aparência quando o que interessa é o interior. Por isso adverte Jahveh em 1 Sm 16, 7 sobre a eleição de Davi contrariamente à escolha de seus irmãos: Não julgues pela sua boa aparência e pela sua estatura elevada, porque não foi esse que eu escolhi. Eu não julgo pelas aparências como vocês. Julgo pelo coração. Julgar pelo anel e o vestido é tomar as aparências como verdades certas; e recriminar pela pobreza exterior é uma maldosa prevenção. Sem dúvida que Tiago tem em mente este escrito de Gn 6, 5: E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só maldade, continuamente.
DEUS ESCOLHEU OS POBRES: Atendei irmãos meus amados: não escolheu o Deus os pobres deste mundo, ricos em fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? (5). Audite fratres mei dilectissimi nonne Deus elegit pauperes in hoc mundo divites in fide et heredes regni quod repromisit Deus diligentibus se. O apóstolo está ciente da bem-aventurança de Jesus : Bem-aventurados os pobres, porque deles é o reino de Deus (Lc 6, 20), coisa que Jesus já tinha afirmado na sinagoga de Nazaré, dizendo: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me tem ungido. Enviado-me a levar a boa nova aos pobres, a anunciar a liberdade aos presos, a dar a vista aos cegos, a liberar os oprimidos (Lc 4, 18). Como a entrada no Reino acontece através da fé, daí que Tiago diz que os pobres eram ricos em fé ao mesmo tempo herdeiros do Reino, comparado este com o tesouro escondido (Mt 13, 44) e a pérola de muito valor (Mt 13, 46). Na realidade, os pobres têm um valor último superior a todos os que um rico pode obter neste mundo. Por isso um bispo dizia a seus sacerdotes: a melhor medida do trato com os vossos paroquianos é tratar os pobres como ricos e os ricos como pobres.
EVANGELHO (Mc 7, 31-37)
CURA DO SURDO-MUDO
EM TERRITÓRIO PAGÃO: E de novo saindo dos confins de Tiro e Sidônia veio ao mar da Galileia no meio da região da Decápolis (31). Et iterum exiens de finibus Tyri venit per Sidonem ad mare Galilaeae inter medios finese herdeiros Decapoleos. Temos escolhido um texto grego que facilita o problema apresentado pelo tradicional de "saindo de Tiro ir para o norte para descer por meio de Sidônia até ao mar e entrar na Decápolis". O novo texto corrigido só fala de sair dos confins ou território pagão de Tiro e Sidônia. Chama mar da Galileia quando no tempo de Jesus era chamado mar de Tiberíades, como claramente diz o quarto evangelista: Jesus se manifestou de novo aos discípulos no mar de Tiberíades (21, 1). Indica a falta de conhecimento exato de Marcos por não ser nem escrever perto do lugar, DECÁPOLIS [dekapolis <1179>]. Era este um conjunto de 10 cidades localizadas na Transjordânia a exceção de Citópolis [Bet-san do AT] que estava no extremo oriental da planície de Esdrelão ao oeste do Jordão. A população era majoritariamente helenista. Pompeu as transformou em cidades livres, submetidas ao legado da Síria (63 aC) para impedir que fossem tomadas pelos judeus. Entre elas temos os nomes de Pela, Gadara [gadarenos em Mt 8, 28] e Gerasa [gerasenos em Mc 5, 1], como as mais conhecidas. No século III perderam sua independência, sendo administradas pela província da Arábia.
SURDO E GAGO: E trazem-lhe um surdo gago e lhe pedem para pôr nele a mão (32). Et adducunt ei surdum et mutum et deprecantur eum ut inponat illi manum. Somente noutra passagem no AT saem juntas as mesmas palavras do evangelho de hoje: SURDO [köfos<2974>=surdus] e GAGO [mogilalos<3424>= mutum]. É Isaías 35, 5-6: São as mesmas palavras heresh [<02795>=köfos] e hilem[<0483 =mogilalos] que usa Marcos na cura de um homem que era surdo e gago, ou que tinha dificuldade em se expressar. Daí que muitos intérpretes optem por um significado simbólico desta passagem, além do natural histórico da mesma. Quem seria o surdo e gago que unicamente sob a direta intervenção de Jesus poderia ter cura? A maioria dos autores se inclina em apontar os discípulos de Jesus, que, pouco antes, são descritos como nada tendo compreendido a respeito dos pães multiplicados; pois o coração deles estava endurecido (Mc 6, 52). Era a mesma incompreensão que Jesus encontrava entre o povo, e por isso falava em parábolas, para que por muito que ouçam não compreendam (Mc 4, 12). No AT a surdez junto com a cegueira eram símbolos da resistência de Israel em escutar o que Jahvé falava pelos profetas. Assim Is 6, 10: "A mente deste povo torna pesados (duros) seus ouvidos e tapa seus olhos de modo que não veja com seus olhos e não ouça com seus ouvidos". O sentido, pois, simbólico da passagem é que só Jesus pode dar a entender os planos de Deus e dar aos discípulos uma liberdade de linguagem para transmitir os mesmos com toda exatidão e verdade. Porque dos inúmeros casos de cura que Jesus efetuou nessa margem leste e pagã do Jordão e do lago de Tiberíades (ver Mt 15, 29-31), somente este é narrado por Marcos com todo luxo de detalhes.
. MAGIA OU CURA? E tendo-o retirado da multidão, à parte introduziu os seus dedos nos ouvidos dele, cuspiu e tocou a língua delecom saliva (33). Et adprehendens eum de turba seorsum misit digitos suos in auriculas et expuens tetigit linguam eius. A cura de doentes através da imposição das mãos, era admitida pelos rabis da época; porém não se podia usar ritos ou gestos fora da simples imposição das mãos e não era permitido usar outras palavras a não ser as da Escritura, para evitar qualquer superstição ou magia, proibidas pela lei (Lv 3, 2). Os judeus atribuíam uma especial força à imposição das mãos que era obrigatória sobre as vítimas do sacrifício (Lv 1,4) a modo da absolvição dos pecados. Isto nos mostra como a imposição das mãos que a igreja católica usa para o ato penitencial é uma prática que tem sua origem, como tantas outras na tradição judaica. Os judeus pensavam que os pecados pessoais ou dos parentes eram causa de determinadas doenças. Por isso pedem a Jesus que imponha as mãos sobre o surdo-gago. À PARTE: Jesus exigia fé. Como pedir a fé de um homem que nada entendia? Por isso usa gestos que aparentemente poderiam ser tomados como passes mágicos e foi sem dúvida essa a razão que o levou a afastá-lo da multidão. Introduzindo os dedos nos ouvidos, demonstra ao surdo que quer curar sua surdez. A saliva era considerada como uma condensação do espírito. Por isso usa a saliva, que por outra parte na antiguidade era, junto com o vinho e o azeite, remédios usuais, como sinal para declarar que ele quer abrir definitivamente a língua do doente. Sem dúvida que este assim o entendeu.
EFFETHA: E olhando para cima ao céu suspirou e diz-lhe: effetha que é abre-te (34). Et suspiciens in caelum ingemuit et ait illi eppheta quod est adaperire. Jesus olha para o céu, lugar onde estava o Deus dos antigos e lança um suspiro. Quer com isto indicar que ele invoca o poder divino à sua disposição para a cura. Tudo está feito para que a fé no poder de Jesus surta seu efeito e para que o poder que cura o doente seja um poder do alto e não um ato de magia. Pois a fé que o mestre requer não é a fé na cura, mas no poder dele de curar. Então pronuncia a palavra EFFETAH, Abri-os totalmente.
A CURA: E imediatamente abriram-se os ouvidos dele e foi solta a atadura da sua língua e falava corretamente (35). Et statim apertae sunt aures eius et solutum est vinculum linguae eius et loquebatur recte. Entendeu o surdo a voz? Ou talvez a ouviram alguns dos discípulos, escolhidos como os três em Marcos 5, 37? O caso é que o doente ficou curado de imediato. SIMBOLISMO: A Igreja usa os fatos que acompanham a cura para realçar o simbolismo do sacramento do Batismo, que envolve uma realidade invisível. Como no caso de hoje, o batizando é um verdadeiro pagão e o sacerdote, uma vez batizado, entregará a vela acesa, como luz de Cristo que iluminará seus passos e em seguida tocará ouvidos e boca pronunciando a palavra Éfeta, dizendo: "O Senhor que fez os surdos ouvir e os mudos falar, te conceda que possas logo ouvir a sua palavra e professar a fé para louvor e glória de Deus". Fora de todo simbolismo esta é a realidade afirmada por Paulo como necessária em todo homem de fé em Rm 10, 10: "Crer no próprio coração conduz à justiça e confessar com a boca conduz à salvação".
O SEGREDO MESSIÂNICO: E mandou-lhes que a ninguém falassem. Mas quanto ele lhes recomendava mais abundantemente anunciavam (36). Et praecepit illis ne cui dicerent quanto autem eis praecipiebat tanto magis plus praedicabant. Aqui entramos na lei do silêncio, tão própria de Marcos, porque Jesus não quer ser tomado como um simples curandeiro, ou como um falso messias. A doutrina era muito mais importante do que a cura temporal dos doentes.
O BEM FEITO: E fora de medida se admiravam dizendo: bem todas as coisas têm feito: e os surdos faz ouvirem e os mudos falarem (37). Et eo amplius admirabantur dicentes bene omnia fecit et surdos facit audire et mutos loqui. E veio ter com ele grandes multidões, que traziam coxos, cegos, mudos, aleijados, e outros muitos, e os puseram aos pés de Jesus, e ele os sarou. De tal sorte, que a multidão se maravilhou vendo os mudos a falar, os aleijados sãos, os coxos a andar, e os cegos a ver; e glorificava o Deus de Israel (Mt 15, 30-31). BEM TUDO TEM FEITO é o comentário das multidões para contrapor a opinião dos escribas e fariseus que atribuíam a Belzebu o poder de expulsar os demônios (Mt 12, 24). Não era o poder do maligno, nem uma ambição humana, mas a compaixão pelas doenças do povo o motivo pelo qual Jesus curava os doentes, motivo que se traduzia no triunfo do bem sobre o mal, claro sinal da vinda do Reino.
PISTAS:
1) Necessidade de uma cura interior. Não estamos dispostos a escutar a radicalidade do evangelho (a porta é estreita). Nem temos a suficiente ousadia para anunciá-lo num mundo indiferente, descrente e até hostil.
2) Existe uma disposição humana, que precede e acompanha a ação do Espírito Santo: é a vontade de buscar a verdade e praticar a justiça (no sentido de optar sempre pelo que é bom) de modo a se deixar tocar docilmente pela graça, retirando impedimentos para que o Espírito abra ouvidos e desate línguas em favor da Palavra, ou seja, Jesus.
3) A mediação de Jesus e sua necessidade: É Ele quem atua; mas sempre em comunhão com o Espírito, enviado por Ele, assim como foi Ele enviado pelo Pai; daí o olhar ao céu (Pai) e o suspiro (Espírito) acompanhando o gesto de suas mãos (corpo) e a saliva de sua boca (seu espírito).
4) Levou-o à parte; isto é: sem sair do modo de ser e possuir. Circunstancias que acompanham nosso ego, o formam e o deformam, nos impedem de encontrar o verdadeiro sentido do Cristo da cruz (anunciado por Paulo), o que salva -não unicamente cura o corpo- nossas vidas do anonimato da rotina e da mediocridade da vida cômoda.
EXCURSUS: NORMAS DA INTERPRETAÇÃO EVANGÉLICA
- A interpretação deve ser fácil, tirada do que é o evangelho: boa nova.
- Os evangelhos são uma condescendência, um beneplácito, uma gratuidade, um amor misericordioso de Deus para com os homens. Presença amorosa e gratuita de Deus na vida humana.
- Jesus é a face do Deus misericordioso que busca o pecador, que o acolhe e que não se importa com a moralidade ou com a ética humana, mas quer mostrar sua condescendência e beneplácito, como os anjos cantavam e os pastores ouviram no dia de natal: é o Deus da eudokias, dos homens a quem ele quer bem e quer salvar, porque os ama.
Interpretação errada do evangelho:
- Um chamado à ética e à moral em que se pede ao homem mais que uma predisposição, uma série de qualidades para poder ser amado por Deus.
- Só os bons se salvam. Como se Deus não pudesse salvar a quem quiser (Fará destas pedras filhos de Abraão).
Consequências:
- O evangelho é um apelo para que o homem descubra a face misericordiosa de Deus [=Cristo] e se entregue de um modo confiante e total nos braços do Pai como filho que é amado.
- O olhar com a lente da ética, transforma o homem num escravo ou jornaleiro:aquele age pelo temor, este pelo prêmio.
- O olhar com a lente da misericórdia, transforma o homem num filho que atua pelo amor.
- O pai ama o filho independentemente deste se mostrar bom ou mau. Só porque ele é seu filho e deve amá-lo e cuidar dele.
- Só através desta ótica ou lente é que encontraremos nos evangelhos a mensagem do Pai e com ela a alegria da boa nova e a esperança de um feliz encontro definitivo. Porque sabemos que estamos na mira de um Pai que nos ama de modo infinito por cima de qualquer fragilidade humana.
CAMPANHA DA VELA VIRTUAL DO SANTUÁRIO DE APARECIDA
CLIQUE AQUI, acenda uma vela virtual, faça seu pedido e agradecimento a Nossa Senhora Aparecida pela sagrada intercessão em nossas vidas!
QUE DEUS ABENÇOE A TODOS NÓS!
Oh! meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno,
levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente
as que mais precisarem!
Graças e louvores se dê a todo momento:
ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!
Mensagem:
"O Senhor é meu pastor, nada me faltará!"
"O bem mais precioso que temos é o dia de hoje! Este é o dia que nos fez o Senhor Deus! Regozijemo-nos e alegremo-nos nele!".
( Salmos )
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