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Ambientação: Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs! INTRODUÇÃO DO FOLHETO DOMINICAL PULSANDINHO: A liturgia quaresmal envolve-nos. Por uma parte, verificam-se as etapas fundamentais da história da salvação iluminadas pelo Antigo Testamento e, por outra, sobressaem os acontecimentos mais notórios da vida de Jesus Cristo até sua morte e ressurreição. Iniciamos um caminho de preparação para a Páscoa e, com isso, nos unimos a Cristo para permanecer na fidelidade à vontade do Pai. A oração e a força de sua Palavra nos fortalecem para vencermos as propostas contrárias ao plano de Deus e sermos construtores de um mundo novo. INTRODUÇÃO DO FOLHETO DOMINICAL O POVO DE DEUS: Irmãos e irmãs, o sagrado tempo da Quaresma é tempo oportuno para vivermos mais conscientemente a nossa condição batismal e para retomarmos, com novo vigor, o seguimento de Jesus. Neste domingo, entremos com Jesus no deserto, deixemo-nos conduzir pelo Espírito e, na alegria, esperemos a sua Páscoa. INTRODUÇÃO DO WEBMASTER: A liturgia garante-nos que Deus está interessado em destruir o mundo do egoísmo e do pecado e oferece aos homens um mundo novo de vida plena. Por isso, quem é fiel à Palavra de Deus, quem procura nela alimento constante para sua vida, jamais poderá ser vencido pelas tentações. Sentindo em nossos corações a alegria do Amor ao Próximo entoemos alegres cânticos ao Senhor! (coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia) PRIMEIRA LEITURA (Gn 9,8-15): - "Este é o sinal da aliança que coloco entre mim e vós, e todos os seres vivos que estão convosco." SALMO RESPONSORIAL 25(24): - "Verdade e amor são os caminhos do Senhor!" SEGUNDA LEITURA (1Pd 3,18-22): - "Cristo morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o justo pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus." EVANGELHO (Mc 1,12-15): - "O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!" Homilia do Diácono José da Cruz – 1º Domingo da Quaresma "NO ACONCHEGO DO DESERTO" Neste primeiro domingo da quaresma, Deus nos chama ao deserto com Jesus, para uma conversa de pé de ouvido, a liturgia se reveste de roxo, que é a cor da paixão, não é tristeza, luto e desconsolo, como muitos pensam, é como se Deus, o amado de nossa vida, quisesse que ao longo de quarenta dias, prestássemos mais atenção nele, no seu jeito diferente de nos amar, roxo seria isso: um olhar para dentro, enquanto se olha para o céu, podendo evocar o poeta “De tudo ao meu amor serei atento...”, quaresma é tempo de deixar-se remodelar, permitindo que Deus refaça a nossa vida. Quando presido o Sacramento do matrimonio percebo que os casais têm dificuldade de se olhar nos olhos, na hora do consentimento, e não é só com quem está casando que isso acontece, um amigo confidenciou-me que sentiu um certo “desconforto” ao olhar nos olhos da esposa, na renovação do matrimonio, em uma missa de encontro de casais. Olhar nos olhos nos causa medo, porque é enigmático e misterioso, não se tem medo de olhar o corpo, que se torna facilmente objeto de desejo, em uma sociedade tão erotizada, mas quando se olha nos olhos, estamos diante da alma do outro, há comunhão de corpo, mas não há comunhão de alma. A relação entre namorados, noivos, e até entre marido e mulher, fica na maioria das vezes banalizada, alguns conseguem emigrar do erótico para o Eros, e há outros, que na graça de Deus, confiada pelo Sacramento do matrimonio, conseguem chegar no Ágape, que é o amor em toda sua plenitude, o Eros é o meio, e não o fim, é um caminho que tem de ser percorrido do começo ao fim da vida conjugal e que só será obstruído pela morte. Nossa relação com Deus ás vezes também é assim, um tanto quanto banal, pois temos medo de contemplar o seu mistério. Na capela do Santíssimo, lugar sagrado em nossas comunidades, onde Aquele que é o Amor Absoluto se esconde em um pedaço de pão, sentimo-nos embaraçados e procuramos sempre dizer algo, fazer um pedido, recitar uma fórmula de louvor e adoração, daí somos capazes de ficar horas ali falando, porque este “Falar” nos dá a ilusão de que penetramos no mistério de Deus e podemos dominá-lo. Invertemos o jogo e queremos seduzir a Deus, diferente do profeta, relutamos em ser por ele seduzidos e dominados. Deserto é lugar teológico do “namoro”, onde movidos pelo mesmo Espírito que conduziu Jesus, vamos ter nosso encontro pessoal com Deus, o esposo apaixonado que quer olhar nos nossos olhos, sussurrar em nossos ouvidos e nos envolver com a sua ternura, para sentirmos de novo o encanto do primeiro amor, como na visão do profeta Oséias “Eis que eu mesmo a seduzirei e a conduzi-la-ei ao deserto e falar-lhe-ei ao coração”. Deserto é lugar de fazer a experiência da esposa jovem, que manifesta a sua alegria ao colocar toda sua confiança no amado, e descobrir, como no Cântico dos cânticos, que somente Deus é a sua Segurança – “Quem é esta que sobe do deserto apoiada em seu Amado?” É o Povo da antiga aliança, é o povo da nova aliança, é a Santa Igreja, somos eu e você, a razão do amor divino, que nos trouxe, com a encarnação de Jesus, a possibilidade real de experimentarmos em nossa vida a salvação. Deserto é, portanto lugar do encontro onde o amor se revela, é a mesma experiência do povo do Êxodo, que se repete em Jesus Cristo, porém, ao contrário do povo da antiga aliança, não mais se deixará enganar pela tentação, propostas sedutoras dos amantes, para fazê-lo perder o paraíso de delícias, onde o homem convivia com os animais selvagens, servido pelos anjos de Deus, evocando a proteção Divina do Eterno Amado sob o objeto do seu amor. Revistamo-nos do roxo da paixão e não da tristeza, quaresma é dar um tempo para aquelas coisas que em nossa vida são secundárias, para nos ocuparmos com um Deus apaixonado, que suspira quando vamos ao seu encontro enquanto Igreja, na dimensão celebrativa. Quaresma, são quarenta dias de amor, como um casal que retoma a lua de mel, após longa caminhada na vida conjugal, foi no deserto que Deus celebrou a aliança com seu povo, estabelecendo com ele uma relação única, “Eu serei o seu Deus e vós sereis o meu povo”, evocando o cerne da união conjugal – e os dois serão uma só carne. É esse amor que salvará o mundo, verdade ignorada pelos que prenderam João Batista tentando sufocar um Amor que não se deixa aprisionar, e em Jesus irrompe ainda mais forte, no meio da humanidade, para levar o homem de volta ao paraíso! Nada irá deter a força desse amor, nem a miséria dos homens ou os pecados da igreja, o AMOR triunfará definitivamente! Pois o tempo se completou, o Reino está próximo. Converter-se e crer no evangelho é uma forma contínua de corresponder a esse amor misterioso de Deus que em Jesus busca a todos os homens, sem distinção ou acepção de qualquer pessoa. Converter-se é dar um solene “basta” aos falsos amores de “amantes” mentirosos, que nos enganam, oferecendo-nos um falso paraíso, arrastando-nos à tristeza da morte do pecado, deixando-nos longe, mas bem longe Daquele que é o nosso único e verdadeiro Amor... José da Cruz é Diácono da Homilia do Padre Françoá Rodrigues Costa –1º Domingo da Quaresma “Fé e penitência” “Fazei penitência e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Essas palavras do Senhor mostram a conexão necessária entre a fé e a conversão, entre ser cristão e a mudança de vida à qual ele nos chama. O cristianismo é uma realidade que transforma todo o nosso ser, também a nossa maneira de pensar e de agir, a realidade cristã “nos faz a cabeça e o coração”. “Já não vos é permitido trazer aquela velha túnica, digo, não esta túnica visível, mas o homem velho corrompido pelas concupiscências falazes. Oxalá a alma, uma vez despojada dele, jamais torne a vesti-lo” (São Cirilo de Jerusalém, Segunda Catequese Mistagógica sobre o Batismo, 2). Quem se aproxima de Deus se transforma numa criatura nova, pois assim como não é possível aproximar-se do sol sem se queimar ou entrar na água sem se molhar, tampouco é possível aproximar-se de Deus sem se transformar. Nesta quaresma, temos “um tempo propício para renovarmos, com a ajuda da Palavra de Deus e dos Sacramentos, o nosso caminho pessoal e comunitário de fé” (Bento XVI, Mensagem para a Quaresma de 2012). Mas não pensemos em grandes façanhas, já que as verdadeiras batalhas se travam no dia-a-dia e nas pequenas coisas da nossa existência. Deixar de beber refrigerante durante a Quaresma é bom, melhor ainda seria deixar a aspereza e a falta de educação; não comer carne durante esses dias é algo louvável, mais excelente ainda é viver o pudor e a modéstia no vestir; não comer chocolate durante esse tempo de penitência é algo excelente, contanto que nos ajude a vencer a gula, especialmente a voracidade; não ver televisão durante a quaresma é excelente, mais excelente ainda se abandonássemos de uma vez por todas essas novelas que ferem constantemente a dignidade humana e a nobreza cristã. Alguém poderia me dizer que o ótimo pode ser inimigo do bom. De acordo! Por isso eu não desvalorizei em momento algum as coisas boas. No entanto, resisto não ter em conta aquelas belas palavras do nosso queridíssimo Bento XVI: “Os mestres espirituais lembram que, na vida de fé, quem não avança, recua. Queridos irmãos e irmãs, acolhamos o convite, sempre atual, para tendermos à «medida alta da vida cristã» (João Paulo II, Carta ap. Novo millenio ineunte, 31). A Igreja, na sua sabedoria, ao reconhecer e proclamar a bem-aventurança e a santidade de alguns cristãos exemplares, tem como finalidade também suscitar o desejo de imitar as suas virtudes. São Paulo exorta: «Adiantai-vos uns aos outros na mútua estima» (Rm 12, 10)”. Essa “medida alta da vida cristã” começa com uma vida de fé, na qual se insere necessariamente a mudança de mentalidade e de costumes daqueles que aderiram à Palavra de Deus e aos Sacramentos. Um dos aspectos da virtude sobrenatural da fé é o abandono em Deus, a confiança no Senhor, de tal maneira que ele passa a ser o nosso apoio, a nossa rocha; nele depositamos todo o nosso existir. No fundo o crescimento na vida espiritual será um crescimento no abandono em Deus, no diálogo com Deus e na entrega amorosa a ele e aos irmãos por amor a ele. Aproveitemos o convite que a liturgia da Igreja nos dirige neste primeiro domingo da Quaresma para examinarmo-nos sobre aquelas coisas que ainda nos afastam de Deus e dos nossos irmãos, que nos impedem de crescer na fé e no espírito de penitência, que nos atrasam no caminho do amor. Pe. Françoá Rodrigues Figueiredo Costa Comentário Exegético – 1º Domingo da Quaresma - Ano B EPÍSTOLA (1 Pd 3, 18-22) INTRODUÇÃO: A primeira carta de S. Pedro é uma exortação a um grupo de igrejas situadas em cinco províncias romanas da Ásia Menor. Lá como em outras regiões, começava a aparecer um horizonte sombrio para as incipientes comunidades cristãs. Os novos fiéis se comportavam como se fossem estrangeiros em suas cidades (1,1; 2,11). Daí que o fato de ser cristão fosse considerado com hostilidade e desprezo (4, 14-16). O apóstolo escreve de Roma (5, 13) um pouco antes da perseguição de Nero (64 dC), para exortar os cristãos a abandonarem costumes erradas e desmentir assim as calúnias dos pagãos. O batismo compromete o cristão a uma conduta correta, tanto dentro da comunidade como fora. Em relação aos que constituem o ambiente ainda pagão (2,12; 3, 15-16; 4, 4), citando o exemplo de Cristo, inocente, mas considerado como culpado, a carta é o resumo neotestamentário mais denso da conduta que a fé cristã provoca através do batismo. Especificamente, no fragmento de hoje, Pedro mostra o modo de se comportar dos cristãos que devem confrontar a perseguição: Melhor – dirá – é que padeçais fazendo bem (se a vontade de Deus assim o quer), do que fazendo mal (v 17). E ao contemplar os padecimentos de Cristo nos leva a seu triunfo após a morte a começar pela visita aos infernos. (v 19). A MORTE EXEMPLAR DE CRISTO: Porque também Cristo, uma vez por (os) pecados, morreu; justo no lugar dos injustos, para conduzir-vos a Deus, estando morto certamente na carne; mas vivificado no espírito (18). Quia et Christus semel pro peccatis mortuus est iustus pro iniustis ut nos offerret Deo mortificatus carne vivificatus autem spiritu. O apóstolo introduz o exemplo de Cristo que, inocente, morreu, PAGANDO PELOS PECADOS dos que eram culpáveis; coisa que Paulo já afirmara, escrevendo aos romanos: Estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios (Rm 5, 6). E que o autor da epístola aos hebreus confirma com estas palavras: Agora, na consumação dos séculos, uma vez se manifestou, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo (Hb 9, 26). De modo que Cristo, oferecendo-se uma vez para tirar os pecados de muitos, aparecerá pela segunda vez, sem pecado, aos que o esperam para salvação (idem 28). PARA CONDUZIR-NOS A DEUS: Como diz o mesmo apóstolo em 1 4, 1: Pois, já que Cristo padeceu por nós na carne, armai-vos também vós com este pensamento, que aquele que padeceu na carne já cessou do pecado. De tudo que deduzimos, o sofrimento temporal é penhor de uma vida eterna, sem passar pela purificação do purgatório. Já Jesus o tinha anunciado quando prega em Mt 5, 5: Bemaventurados os que choram, porque eles serão consolados. Escreve S. Faustina Kowalska: O núcleo do amor é o sacrifício: a verdade ostenta uma coroa de espinhos. Esta frase explica a cruz do Senhor e as cruzes que devemos abraçar para sermos seus verdadeiros discípulos: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me (Mt 16, 24; Mc 8, 24; Lc 9, 23) MORTO NA CARNE: Paulo em 2 Cor 13, 4 afirma que ainda que foi crucificado por fraqueza, vive, contudo, pelo poder de Deus. Com o qual admite a morte e a ressurreição, nesta pelo Espírito que santifica manifestado como Filho de Deus com poder (Cl 1, 22). VISITA AOS INFERNOS: No qual também aos que em prisão, indo em espírito, pregou (19). Desobedientes em outro tempo, quando uma vez se esperava a paciência de (o) Deus, nos dias de Noé fabricando (a) arca na qual poucas, isto é, oito vidas foram salvas através da água (20). In quo et his qui in carcere erant spiritibus veniens praedicavit. Qui increduli fuerant aliquando quando expectabat Dei patientia in diebus Noe cum fabricaretur arca in qua pauci id est octo animae salvae factae sunt per aquam. PRISÃO [fylakë<5438>=carcer] inicialmente era a guarda ou vigília do soldado ou do pastor como em Lc 2, 8: Havia naquela mesma comarca pastores que estavam no campo, e guardavam, durante as vigílias da noite, o seu rebanho. Um outro significado era o de prisão, lugar onde eram vigiados os presos, como em Mt 5, 25: Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele, para que não aconteça que o adversário te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e te encerrem na prisão. No nosso caso, é o cárcere que os judeus chamavam de sheol, pois era um lugar sem luz como eram as prisões antigas. No sheol, lugar de trevas era onde estavam as almas de todos os defuntos, bons e maus, após a sua morte. Posteriormente, os rabinos distinguiam entre o sheol dos condenados sem esperança de redenção, e o outro sheol, dos justos que esperavam a redenção e que era chamado de seio de Abraão, ou limbo (Lc 16, 22). Seria a esta parte do sheol que Jesus foi após a morte, pois não entrou no céu antes de sua ascensão. Ao dizer EM ESPÍRITO significa que ainda não tinha ressuscitado, ou seja, antes do domingo, no intervalo da sexta, dia de sua morte, até o domingo, dia de sua ressurreição. PREGOU [ekëryxen<2784>=praedicavit] aoristo do verbo kërrissö, sempre é usado em sentido positivo de proclamar uma boa nova, especialmente com referência à salvação vinda da parte de Deus. Assim em Mc 1, 14: Depois que João foi entregue à prisão, veio Jesus para a Galileia, pregando o evangelho do reino de Deus. Também o encontramos em Lc 8, 39, quando o endemoninhado já livre foi apregoando por toda a cidade quão grandes coisas Jesus lhe tinha feito. No versículo 20 Pedro declara os sujeitos da pregação ou anúncio: São os DESOBEDIENTES [apeithasin<544>=increduli fuerant] é o particípio do aoristo do verbo apeitheö cujo significado é ser infiel, rebelde, ou desobediente como em Rm 10, 21: Mas para Israel diz: Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente. Ou como vemos em Hb 3, 18: E a quem jurou que não entrariam no seu repouso, senão aos que foram desobedientes? Como fala de outro tempo, nos dias de Noé, é para ressaltar que se aos que eram pecadores anunciou Cristo a redenção, com mais lógica deveríamos pensar que, aos que não foram tais, esse anúncio foi feito. E para demonstrar que a pregação e a redenção subsequente foram feitas com uma amplitude de misericórdia abundante, Pedro destaca que esses rebeldes eram a totalidade da humanidade, com a pouquíssima exceção de só oito pessoas. Segundo o comentário de um exegeta moderno, aqueles que foram desobedientes se arrependeram no momento do dilúvio e, antes de morrer, pediram perdão, como se a água do dilúvio fosse um batismo de penitência, obtendo na morte a expiação dos seus pecados. Por isso o apóstolo compara o dilúvio com o batismo, sendo aquele antítipo deste último (v. 21). O BATISMO: A qual também a nós, como representação, agora salva o batismo, não sendo remoção de sujeira, mas de boa consciência [como] indagação para com Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo (21). Quod et vos nunc similis formae salvos facit baptisma non carnis depositio sordium sed conscientiae bonae interrogatio in Deum per resurrectionem Iesu Christi. Se a água salvou os desobedientes nos tempos de Noé, agora -dirá Pedro- nos salva; pois a água do dilúvio foi um antítipo, REPRESENTAÇÃO [antitypos<499>=similis formae] do batismo. De fato, antitypos é o que serve como figura, cópia ou duplicado, como vemos em Hb 9, 24: Cristo não entrou num santuário feito por mãos, figura do verdadeiro, porém no mesmo céu, para agora comparecer por nós perante a face de Deus. Através da água foram salvas oito pessoas e agora somos salvos não por uma lavagem material, ou como diz o texto para REMOÇÃO DA SUJEIRA, mas como figura de boa consciência. Que é uma DEMANDA [eperötema<1906>interrogatio>feita a Deus por meio de Jesus Cristo. Com isto o apóstolo quer significar que o batismo nos limpa a consciência pelo desejo sincero a Deus dirigido por meio da ressurreição de Jesus Cristo. Vejamos a tradução livre da frase que em si mesma é bastante difusa: senão para implorar de Deus uma consciência pura (lectura oficial litúrgica em espanhol). Senão mediante a súplica feita a Deus por uma consciência boa, a qual recebe sua eficácia da ressurreição de Jesus Cristo (leitura é da bíblia espanhola). Em italiano: Mas a incoação de salvação dirigida a Deus de parte de uma boa consciência em virtude da ressurreição de Jesus Cristo. Em inglês: Mas a resposta de uma consciência boa para com Deus (KJV). Em português: Mas pela promessa de uma consciência limpa para com Deus (portuguesa moderna). Que significa? Que o batismo é uma limpeza de consciência, ou seja, perdão absoluto. De cujo fato é um aval a ressurreição de Jesus Cristo. TRIUNFO DE CRISTO: O qual está à direita de (o) Deus tendo ido ao céu, estando sujeitos a ele anjos e potestades e poderes (22). Qui est in dextera Dei profectus in caelum subiectis sibi angelis et potestatibus et virtutibus. Com esta frase, Pedro declara que o reinado de Cristo é universal, pois a ele estão sujeitos não unicamente os homens, mas os poderes angélicos e as POTESTADES [exousiai<1849>=potestates] e os PODERES [dynameis<1511> =virtutes]. À parte os anjos, o domínio do Universo estava nas mãos dos que também Paulo denomina exousiai, autoridades ou domínios do mundo dos quais era príncipe das potestades do ar, o espírito que agora opera nos filhos da desobediência (Ef 2, 2). Os poderes que são descritos com a palavra dynameis são as autoridades e governantes, especialmente das forças militares. Mas neste caso, parece indicar as forças cósmicas que sustêm o Universo, como em Mc 13, 25: E as estrelas cairão do céu, e as forças que estão nos céus serão abaladas (ver Lc 21, 26). Foi, pois, exaltado sobre toda criatura que era superior ao simples homem. Na descida aos infernos ou lugar dos mortos, Cristo adquire uma autoridade que está acima de todo poder, e que se manifestará no fim, como dirá Paulo, quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo o império, e toda a potestade e força (1 Cor 15, 24). EXCURSUS A descida de Cristo aos infernos é um dogma de fé que está no símbolo da mesma que chamamos de credo [desceu à região dos mortos], e que foi declarado como tal dogma no Concilio Lateranense IV. Cristo teria descido no tríduo anterior a sua ressurreição àquela parte do Sheol que chama de cárcere [fylakë] onde se encontravam os justos do AT e que em tempos de Jesus era chamado de seio de Abraão (Lc 16, 22-23). Nele, que foi chamado de limbo pelos padres da Igreja primitiva, encontravam-se também os contemporâneos de Noé, arrependidos pela catástrofe do Dilúvio, opinião de S. Roberto Belarmino, que foi adotada pelos teólogos católicos. Também Paulo fala desta descida em Ef 4,9: Ora, isto -ele subiu- que é, senão que também antes tinha descido às partes mais baixas da terra? O Sheol que em grego se traduz por Hades e a Vulgata por Infernus (Ap 1, 18) era a morada dos mortos, privados da visão de Deus. E são precisamente estas almas, que esperavam o seu Libertador no seio de Abraão, as que Cristo liberou quando desceu aos infernos (Catecismo Romano). De modo que não desceu para liberar os condenados, nem destruir o que nós chamamos hoje de inferno dos mesmos, mas para liberar os justos que o tinham precedido. Em parte temos esta libertação confirmada em Mt 27:52: E abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos que dormiam foram ressuscitados. Como afirma S. João, para que os mortos ouçam a voz do Filho de Deus, e os que a ouvirem viverão (5, 25). De modo que em Hb 2, 14-15 lemos: Para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo; e livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão . Daí em diante Ele pode afirmar: Eu tenho poder sobre a morte e sobre o mundo dos mortos (Ap 1, 18). De todos estes textos temos a certeza de que não desceu para intimar aos proscritos mas para anunciar aos justos a Boa Nova de sua libertação. EVANGELHO (Mc 1, 12-15) - TENTAÇÕES DE JESUS E INÍCIO DE SEU MINISTÉRIO INTRODUÇÃO: O evangelho de hoje é dividido em duas partes: As tentações de Jesus e o início de sua evangelização. É um tanto estranho esta narração das tentações de Jesus, visto que, aparentemente, nada aportam à sua mensagem evangélica. Porém, nada disso é verdadeiro. Em primeiro lugar devemos considerar que se Jesus, o Mestre e Fundador, foi tentado pelo diabo em pessoa, todos os seus seguidores fiéis podem, e, de fato, são tentados, quando iniciam uma vida de entrega aos planos divinos para a salvação dos homens. Nos evangelhos de Mateus e Lucas temos ainda outros motivos para que estas tentações sejam motivos de uma lição magistral: A pergunta dos fariseus se torna pergunta dos fiéis na sua vida: como, tendo em suas mãos o poder divino, só o usou para curar as doenças de terceiros e aplacar fomes alheias? Como é possível que, podendo com um sinal estupendo reduzir oposições e vencer dificuldades, e podendo pedir mais de doze legiões de anjos (Mt 26, 53), não o fez na sua vida e não o faz na vida de sua Igreja? A resposta está em que Ele quis ser em tudo igual aos homens (Fl 2,7) e, como vemos hoje, com exceção do pecado (Hb 4, 15), que é sucumbir à tentação. A segunda parte unida a esta do deserto por um depois, ou uma vez que [meta de], é um artifício literário que expressa de forma simbólica o repentino surgir de Jesus como anunciador da Boa Nova, que constitui a segunda página do evangelho de hoje. O IMPULSO DO ESPÍRITO: E imediatamente o Espírito [to Pneûma] o expulsa [exbállei] para dentro do deserto [érêmon] (12). Et statim Spiritus expellit eum in desertum. Marcos não dá opção ao tempo transcorrido entre o batismo de Jesus por João e seu retiro no deserto. A ação deste último é imediata ao batismo. Todos os três evangelistas têm como principal autor desse retiro o Espírito, que, provindo de Deus preenchia o ser de Jesus, segundo Lucas (4,1). Este Espírito expele Jesus para dentro do deserto. O verbo ekballö <1544> significa lançar fora, banir, expulsar, expelir, fazer sair. Quando não entra a violência ou força externa, tem o significado de impelir, dar o impulso em determinada direção. Os outros evangelistas usam verbos que indicam um impulso irresistível por parte de Deus, chamado aqui de Espírito Santo, Sagrado ou Divino. Mateus fala de conduzir a um lugar alto e Lucas, em passiva, descreve como Jesus era levado pelo Espírito. O imperfeito de Lucas indica uma ação contínua. Significa que, de agora em diante, Jesus estará dominado pela ação interna do poder e sabedoria de Deus, que suplantará as funções puramente humanas de sua natureza. O verbo usado por Marcos [ekballö] indica a separação que Jesus iria experimentar fora do círculo comum em contato com os outros seres humanos. Daí o deserto, que não deve entender-se como um lugar de areia ao modo do deserto do Saara, mas um lugar inóspito, desabitado, sem contato com homens, mas unicamente com animais, com o anjo tentador ou Satanás, e finalmente com os anjos. O DESERTO: a) DESERTO REAL: A palavra grega Érêmos significa lugar desabitado, solitário [desertus, desamparado, abandonado, solitário e em inglês wilderness] que, como adjetivo, tem o mesmo significado. Em Marcos aparece 9 vezes, das quais 4 como substantivo e 5 como adjetivo, acompanhando topos [lugar]. Em nenhuma delas Marcos aponta para o deserto da Judeia. Unicamente Mateus usa esta expressão no início da pregação de João, o Batista: pregando no deserto da Judeia (3, 1). É estranho que João batizasse no Jordão, pregando no deserto de Judeia, situado este a mais de 20 Km de distância do rio. Certamente o lugar onde João batizava não poderia ser chamado de deserto de Judeia. Consequentemente, Mateus não pode ser tomado como referência geográfica para os sucessos do batismo de Jesus e sua retirada ao deserto. Onde estava, pois, este deserto no qual encontramos feras [thêrion], impossíveis de serem achadas no deserto da Judeia? Muito mais confiança oferece João que situa Betabara como o lugar em que Jesus foi batizado, ao norte, em território da Decápolis e perto da Galileia. Perto de Betabara encontramos lugares desertos como era a morada habitual do endemoninhado geraseno, que segundo Lucas era impelido pelo demônio para os lugares desertos (Lc 8, 29). É assim mesmo como o pastor, buscando a perdida deixa no deserto as noventa e nove (Lc 11, 4). Tudo isso indica que o deserto não é um nome restritivo a um determinado lugar, ou nome próprio, mas nome comum, determinado por sua solidão e ausência de habitantes. Logicamente podemos afirmar, sem descartar em absoluto a postura tradicional, que o deserto ao qual Jesus se retirou estava muito mais próximo da Galileia do que da Judeia, que o deserto das tentações era os montes do que antigamente chamava-se de Gileade, [escabroso] e que ao norte do mesmo estava Basã, de cuja região era famosos os touros, ao parecer selvagens (Sl 22, 13), ou vacas que moravam nas montanhas (Am 4, 1). Uma confirmação de que não era o deserto da Judeia podemos vislumbrar em João 3, 22: Depois disso Jesus veio para o território da Judeia. Pois muitos consideram a purificação do templo e o encontro com Nicodemos uma interpolação entre 2, 12 e 3, 22. b) BÍBLICO: O deserto era terra medonha e terrível não abençoada por Deus, em que o povo se encontrava como enterrado na terra (Êx 14, 3) Na linguagem bíblica, a aridez do deserto é símbolo de uma terra à qual Deus nega sua bênção e, portanto, privada de chuva e fertilidade. Neste sentido é comparado com a cidade que foi objeto do castigo divino (Lc 13, 35). Historicamente, Israel viveu no deserto 40 anos. A solidão do povo com Jahvé transformou a vida de extrema penúria, em época privilegiada, em que Israel nasceria como povo e teria como único guia o Senhor Jahvé (Êx 13, 21-22). Foi o lugar da purificação e experimentação da pobreza (Dt 8, 2-5) do povo para que aprendesse que não só de pão vive o homem (Dt 8,2-5). O deserto é sinal de salvação (Is 35,1-10) e dali, pois, devia vir o Messias (Mt 24,26). Os profetas anunciavam as promessas do reino, dizendo que o deserto se transformaria em jardim, onde as feras seriam inofensivas (Is 32,15-17). OS 40 DIAS: E permanecia ali no deserto quarenta dias (13): Et erat in deserto quadraginta diebus et quadraginta noctibus. A Vulgata traduz também e quarenta noites, sem dúvida, devido a um copista que sabia das afirmações dos outros dois sinóticos. Como Marcos não fala do jejum, por isso não tem como falar das noites que distinguiriam um jejum parcial de um jejum total. O NÚMERO 40: A pergunta, que sempre é feita, recai sobre se os 40 é um número real, matemático, ou uma expressão simbólica que se refere a um número grande de dias. Sabendo-se que os semitas não têm adjetivos indeterminados como muitos, poucos, alguns, bastante, eles usam numerais: dois ou três, sete, quarenta e até nomes como multidão para expressar conceitos indefinidos. Os 40 dias estarão dentro deste modo de falar? Porque esse número parece ser mais simbólico que matemático, pois foi o número de dias e noites de chuva do dilúvio, o número de anos antes de tomar esposas Jacob e Esaú, o número de dias que tardaram em embalsamar os egípcios o corpo de José, quarenta anos os que os israelitas permaneceram no deserto, 40 anos os que Israel viveu em paz durante o mandato de seus principais juízes, ou os que os filisteus dominaram Israel. Os anos que Davi reinou em todo Israel, e Salomão. São 40 dias as visões temerosas do segundo livro dos Macabeus e 40 dias o tempo fixado para a destruição de Nínive. Por isso, muitos dizem que esse número é mais simbólico que real. Pode ser, mas não se descarta que o numeral seja correto do ponto de vista matemático. Dir-se-á que é impossível viver sem água durante esse período, abstinência que o jejum completo requeria do penitente. Mas se negamos o sobrenatural porque a natureza exige sua intervenção, estaremos negando o poder do Espírito que impele Jesus e teremos que negar muitas de suas obras consideradas extraordinárias por seus conterrâneos. Em Marcos nada vemos do jejum de Jesus que aparece como motivo da primeira tentação nos outros dois sinóticos. Vejamos alguns casos modernos aos quais se dá o nome de inédia [ausência de alimento e bebida]: Marta Robin (+1981) esteve 50 anos sem dormir, sem comer, nem beber nada com a exceção da hóstia da comunhão que recebia semanalmente por estar sua casa fora da aldeia onde morava. Teresa Newman (+1962) esteve 35 anos sem comer nem beber; e, apesar de ter sangrado efusivamente durante a paixão e perder 4 Kg, o último dia os tinha recuperado totalmente. Outros exemplos: Ángela de Foligno (+1309) 12 anos; Catarina de Siena (+1380) 8 anos; Catarina de Gênova (+1510) 23 anos. Luisa Lateau (+1883) 13 anos. O fenômeno é próprio dos místicos católicos. Não podemos duvidar, portanto, dos QUARENTA DIAS: Os evangelistas falam de quarenta dias, à semelhança do tempo em que Moisés permaneceu no alto do Horeb diante de Deus para receber as tábuas da lei (Dt 9,9). Foi o tempo que Elias andou até o mesmo monte sem comer (I Rs 19, 8). Esse foi o tempo que Jesus necessitou para contemplar e preparar seu anúncio do Reino e a nova lei que substituiria a antiga de Moisés. Temos, pois, os exemplos de Moisés e Elias, em que só a palavra de Deus os sustentava por meio da fé e da oração. Desta última, Jesus fez uso em diversas situações, separando-se para isso da comum convivência com discípulos e povo (Mc 1,35), e especialmente na oração do horto de Getsêmani (Mc 14, 38-40). A TENTAÇÃO: Sendo tentado por Satanás (13 b) Et temptabatur a Satana. O particípio de presente passivo peirazomenos é traduzido por tentado e daí as tentações. No grego o significado varia desde intentar até provar, testar, experimentar; uma das acepções é incitar ao mal, solicitar, e este último é o significado com o qual esta perícope é conhecida. Propriamente deveríamos traduzir para ser provado por Satanás. É o mesmo sujeito que experimentou a virtude de Jó no AT. Unicamente varia no nosso caso o julgamento que o evangelista faz do personagem em questão. No caso de Jó era um dos anjos da corte divina [um dos Filhos de deus, beni haelohim] (Jó 1,6), não contrário à vontade de Deus mas tomando a iniciativa de, em nome do mesmo, experimentar a retidão do santo patriarca. Peirazö é o verbo usado para experimentar se uma pessoa merece confiança. Os fariseus experimentaram Jesus em várias ocasiões (Mt 19, 3). O próprio Jesus experimentou o comportamento de seus discípulos ante o problema de como alimentar a multidão que o seguia num lugar inóspito. É nesse sentido de experimentar que poderia ser o comportamento de Jesus, como Filho de Deus, que o tentador o experimenta em situações limites. Num sentido pejorativo a tentação é por à prova a fé, a virtude ou o caráter de uma pessoa para solicitá-la ao pecado. É neste sentido SATANÁS: É a transcrição da palavra Shatãn <07854> [adversário] que a Setenta traduz por diábolos, com o significado de caluniador ou acusador. Em hebraico também pronunciado Shaitan e cuja personificação grega é Typhon. O nome de diábolos aparece pela primeira vez em 1 Cr 21, 1. E é o nome que o livro da Sabedoria usa para afirmar: Pela inveja do diabo a morte entrou no mundo e a experimentam os que lhe pertencem (Sb 2, 1). Os outros nomes que aparecem nas escrituras, ou nas tradições judaicas como demônios, são Abaddon [destruidor] (Ap 9, 11), Asmodeu [demônio da sensualidade e luxúria (Tb 3, 8), originalmente criatura do julgamento], Apollyon [grego por Satã], Azazel [instruiu os homens a criarem armas] (Lv 16, 8), Belzebu [deus das moscas, cujo símbolo é o escaravelho] (Mt 10, 25), Behemoth [personificação de Satanás cujo símbolo é o elefante], Lilith [demônio feminino, primeira mulher de Adão]. Mas não são estes os tentadores de Jesus, pois os demônios eram os causadores de doenças cuja origem era desconhecida. Já Satanás é o príncipe das trevas, a antiga serpente, o inimigo frontal que Paulo chama de Belial [ganâncias de corrupção] (2 Cor 6, 15). Também Moisés foi tentado pelo povo, e em três ocasiões ele perdeu a compostura: Quando do bezerro de ouro, quebrou as tábuas da lei (Dt 9, 17). Diante das murmurações do povo sobre a comida, ele levou a coisa a mal e desejou a morte (Dt 1, 10-15). Finalmente, ele se irritou e bateu na rocha duas vezes, e por isso foi impedido de entrar na terra prometida (Nm 20, 11-12) Já as tentações de Jesus eram para desviá-lo de sua missão messiânica. E feitas pelo inimigo dos planos divinos desde o início. Para maior informação ver Presbíteros.com.br em exegese números 25 e 74 AS FERAS: Vivia entre os animais selvagens e os anjos o serviam (13 c). Eratque cum bestiis et angeli ministrabant illi. Thêrion<2342> não significa necessariamente besta feroz. O sinônimo, Zoe, significa um animal vivente em cujo significado também pode entrar o homem. Já o Thêrion exclui todo ser humano. É o que Marcos quer transmitir: que Jesus não teve contato com homens, mas com diabos [melhor, o chefe satanás] e com anjos. A frase indica que, durante esse tempo, Jesus não viu homem algum. Uma prova de que o Reino estava a se cumprir: Então o lobo morará com o cordeiro e o leopardo se deitará com o cabrito. O bezerro, o leãozinho e o gordo novilho andarão juntos e um menino pequeno os guiará (Is 11,6) em que inimigos dentro da ordem da natureza se entendem, sem serem mais perigosos para o homem. E OS ANJOS O SERVIAM: Elias foi servido pelos corvos segundo 1 Rs 17, 4: beberás da torrente; eu dei ordens aos corvos para que te alimentem ali. No caso de Agar o anjo não a alimentou, mas abriu os olhos da mulher que enxergou um poço (Gn 21, 19). O anjo, superior ao homem, serve Jesus, porque Ele é superior aos anjos. Com isso temos a primeira prova da divindade de Jesus. O autor da epístola aos hebreus dirá que ao introduzir o filho primogênito no mundo [Deus] diz novamente: prostrem-se diante dele todos os anjos de Deus (Hb 1,6). Marcos fala, pois, dos anjos como servidores. Mateus também diz: Então o diabo o deixa e os anjos vieram e o serviam (Mt 4, 11). Já Lucas evita os anjos e afirma que o diabo se retirou até nova oportunidade [kairós]. Deste evangelho de Lucas temos prova segura da existência dos anjos, não como mensageiros, mas como seres superiores a modo do diabo, mas em sentido bom. Não se pode crer no diabo e duvidar da existência dos anjos bons. JOÃO É TRAÍDO: Após João ter sido traído (14 a). Postquam autem traditus est Iohannes. Paredóthe <3860> é o verbo grego usado. Originalmente, significa entregar nas mãos de outro; mas esta entrega se entende que é uma traição ou uma delação, quando o entregado é um homem. Exemplos no mesmo Marcos: Um de vós me entregará [me trairá] (14, 18) e Estai de sobreaviso porque vos entregarão aos tribunais e às sinagogas (13, 9). Usa-se também quando é um objeto, ou um costume, ou uma fé: Invalidais a palavra de Deus pela vossa tradição que vós mesmos transmitistes (7, 13). Paredóthe indica uma traição embora não saibamos de quem. O mesmo verbo é usado por Mateus (4, 12) para indicar o início da pregação de Jesus. A Vulgata traduz: traditus est e as versões vernáculas ter sido preso. A inglesa was delivered up [entregar] é mais conforme, como sempre, com o texto original. A GALILEIA: Veio Jesus para a Galileia (14 b). venit Iesus in Galilaeam. Isso pode indicar que Jesus estava na Judeia, como parece sugerir o quarto evangelista, onde os discípulos de Jesus batizavam (Jo 3, 22 e 4, 2). Temendo provavelmente a perseguição dos fariseus –que seria a causa da traição/entrega de João- deixou a Judeia e retornou à Galileia (Jo 4, 1 e 3). Era uma região com mistura de raças e religiões que recebia o depreciativo nome de terra de gentios ou das nações [galilaia tön ethnön] (Mt 4, 15). O ANÚNCIO DO REINO: Proclamando [kêrisson] o evangelho do Reino do (sic) Deus [tou Theou]. (15 a) Praedicans evangelium regni Dei. O kêrisson significa uma proclamação pública, um pregão feito público por um arauto, que neste caso era Jesus. Evangelho [euaggelion, evangelion, gospel], aparece 7 vezes em Marcos e 4 em Mateus. O significado inicial é recompensa por boas notícias, ou sacrifício feito em ação de graças pelas mesmas, passando a ser essas boas notícias [good tidings]. Biblicamente, no NT, após o início de Marcos: Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus (Mc 1, 1), está sempre unido a uma proclamação [pregação como traduzem outros] do Reino de Deus, como podemos ler no evangelho de hoje. Unindo os dois textos principais de Marcos que acabamos de citar, podemos afirmar que o Reino de Deus tem como rei e figura senhorial absoluta, Jesus, que é o Ungido e representante como Filho de Deus na terra. A unção é como rei que, por ela mesma, o transforma em Filho de Deus, independente de se este título tem um valor muito mais transcendente como é quando o unimos à pessoa do Verbo. Em definitivo, o evangelho é o anúncio de Jesus e de uma nova era em que Deus nos mostra sua face humana em Jesus de Nazaré, a quem por sua morte vigária Deus o ressuscitou e constituiu como Senhor [kyrios] e Cristo [ungido ou Messias], esse mesmo que foi crucificado (At 2, 36). Este é o evangelho que os discípulos deviam transmitir e que sempre estaria atuante e presente através dos séculos porque Ele vive e é Senhor. Por que procurais entre os mortos Aquele que vive? Dirá o anjo às mulheres (Lc 24, 5). E em Ap 4, 9 o último livro do NT, lemos: os quatro seres vivos adoram Aquele que vive pelos séculos dos séculos. Esse Aquele a quem Paulo chama Senhor Jesus (Ef 1, 15) e que O fez sentar-se à sua direita muito acima de qualquer Principado e Autoridade e Poder e Soberania (Ef 1, 20-21). A proclamação do Reino se transformou no anúncio do Senhor Jesus. E para isso é necessário estabelecer como base da proclamação a Ressurreição de Jesus. Pois se Cristo não ressuscitou é inútil nossa fé (1 Cor 15, 17). O EVANGELHO: Convertei-vos e crede no evangelho (15 b). Paenitemini et credite evangelio. Qual era a mensagem [boa notícia] de Jesus durante os anos de sua atividade pública na Palestina, para proclamar como o Batista uma conversão? Na verdade, temos descrições de quem pode entrar no Reino, de como se desenvolve, das circunstâncias do mesmo, de como se espalha, das dificuldades de entrar, mas não sabemos em que consiste o Reino. Quando Pedro é louvado por sua fé em Jesus ele é a rocha sobre a qual edificará a sua Igreja (Mt 16, 18), significando que o Reino na terra é a Igreja visível que tem Pedro como fundamento, que Paulo estende aos outros apóstolos e profetas (Ef 2, 20). Pedro tem as chaves desse Reino além de ser o fundamento do mesmo. Quem entra no Reino do ponto de vista humano? Em que consiste a conversão necessária? Podemos dizer que a entrada no Reino é aberta pela disposição de aceitar a vontade de Deus como suprema, e daí a supremacia também de Jesus, como ele dirá: Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim (Mt 10, 37). O Pai Nosso quer que o Reino se amplie na terra onde a vontade de Deus se torne norma como assim é nos céus, domínio este último que o inimigo, o diabo, não pode debelar, por ter sido definitivamente expulso do alto. Em termos divinos diremos que a justiça, nota essencial de todos os reinos, no Reino de Deus se torna misericórdia e perdão para todos os homens que a seu domínio querem se submeter. Deus é precisamente soberano, ao exercer a sua misericórdia – como diz Maria – de geração em geração para aqueles que o temem (Lc 1, 50). Que o servem poderíamos interpretar. Hoje, esta misericórdia é a nota que a Igreja proclama como atributo essencial do Reino ao afirmar que Deus charitas est [Deus é amor]. CONVERTEI-VOS: Temos visto, no parágrafo anterior, a parte divina do Reino. Vejamos agora o papel do homem na mesma. O evangelho, além da fé, exige no homem um desejo de modificar sua conduta segundo as novidades que lhe são apresentadas pela Boa Nova. O exemplo de Cristo como aquele que veio servir e não ser servido (Mt 20,28) nos transforma a todos em escravos, se queremos ter alguma importância dentro desse novo esquema de vida, o Reino (Mc 9,35). Assim de escravos do pecado (Jo 8,34) nos transformamos em escravos do Bem, através do serviço ao próximo. Quem não entende isso, não sabe grande coisa do evangelho. Os antigos chamavam a si mesmos escravos do Senhor, desde Davi (1 Sm 23,10) até Simeão (Lc 2,29). Mas o Cristo os transforma de servos em filhos (Jo 1,12) e ele mesmo, Jesus, quis chamá-los de amigos (Jo 15,15). Porém ainda somos servos uns dos outros (Mc 9,35) e devemos aprender a humildade dos seres mais inúteis, que na época eram as criancinhas (Mt 18,5). Nessa conversão, ao admitir Deus como Pai e os homens como superiores, está a base ética do evangelho. É necessário que aceitemos também a base teológica que é a fé. Por isso Jesus acrescenta: Crede no evangelho. Isto é, escravos não por temor ou por amor ao lucro, mas porque estamos convencidos de que o serviço é a melhor maneira de atender ao apelo de Deus e às necessidades do próximo. PISTAS: 2) Já que também nós, em determinadas circunstâncias, tentamos o Senhor: por que a mim, por que tenho eu de ser sujeito de determinada desgraça e infelicidade? Será que tenho que mudar de Senhor ou de Religião? 3) Passando do sujeito individual ao coletivo: por que tantas guerras, por que tanto mal no mundo? Deus que pode tudo, por que permite que os bons sejam os mais vulneráveis e os maus os mais seguros e felizes em suas vidas atuais? A resposta seria, sem dúvida, a que nos deu Jesus: Deus ama também seus inimigos. 4) Uma pergunta óbvia: Os traslados, a presença do Diabo, foram reais ou foram fatos imaginários? Cremos que a resposta está nos estudos médicos modernos: o jejum prolongado transforma em realidade o que podemos chamar sonho ou imaginação. 5) Temos visto que o Reino é o ponto central de Jesus. Teremos que renovar as nossas ideias sobre o Reino durante esta quaresma. O serviço deve ser a ideia central de nossa renovação, que nas palavras de Jesus é chamada de conversão. EXCURSUS: NORMAS DA INTERPRETAÇÃO EVANGÉLICA - A interpretação deve ser fácil, tirada do que é o evangelho: boa nova. - Os evangelhos são uma condescendência, um beneplácito, uma gratuidade, um amor misericordioso de Deus para com os homens. Presença amorosa e gratuita de Deus na vida humana. Interpretação errada do evangelho: - Um chamado à ética e à moral em que se pede ao homem mais que uma predisposição, uma série de qualidades para poder ser amado por Deus. Consequências: - O evangelho é um apelo para que o homem descubra a face misericordiosa de Deus [=Cristo] e se entregue de um modo confiante e total nos braços do Pai como filho que é amado.
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