GOTAS DE REFLEXÃO - EVANGELHO DOMINICAL
10.10.2021
28º Domingo do Tempo Comum — ANO B
( VERDE, GLÓRIA, CREIO – IV SEMANA DO SALTÉRIO )
__ "Para Deus tudo é possível" __
OUTUBRO: MÊS DAS MISSÕES - Todos Somos Missionários
Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs!
INTRODUÇÃO DO FOLHETO DOMINICAL PULSANDINHO: O caminho do discípulo do Senhor é o de renunciar os valores do mundo para abraçar os valores eternos. Somente um coração generoso é capaz de entender que os bens materiais são importantes para a vida humana, mas sem deixar de buscar os valores que estão para a eternidade..
INTRODUÇÃO DO FOLHETO DOMINICAL O POVO DE DEUS: Irmãos e irmãs, neste dia dedicado ao Senhor, nós, os filhos e filhas de Deus, nos reunimos em seu nome para louvar ao Pai, por Jesus, na força do Espírito. Neste domingo o Senhor nos olha com amor e nos faz experimentar do seu mistério de morte e ressurreição. Por Ele, estamos aqui; por Ele, nos reunimos; por Ele, somos capazes de nos desapegar de tudo para tê-lo como nossa única riqueza. Que o Senhor seja bendito por esta Eucaristia que iniciamos.
INTRODUÇÃO DO WEBMASTER: Chegamos ao segundo final de semana de outubro, mês dedicado às missões e ao Rosário. Mais uma vez o Senhor nos reúne em comunidade para a celebração do Mistério Central da nossa fé: Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. A opção radical pelo Reino exige liberdade interior que torne o cristão capaz de colocar sua vida integralmente nas mãos de Deus. A relativização dos bens deste mundo, quando se trata de fazer a vontade divina, é expressão desta liberdade. Jesus tem um olhar particular a cada um de nós, e cada um de nós tem ou terá, num determinado momento da vida, um encontro íntimo e pessoal com Deus. Naquele momento, uma questão interrogará o mais profundo de cada um de nós sobre o verdadeiro sentido de nossa vida. É um encontro decisivo, pois dele dependerá a segurança e paz em nossa existência. Acolhamos a sabedoria que vem do alto e experimentemos a salvação de Deus. Rezemos pelo Sínodo dos Bispos, a fim de que aprofunde os caminhos de uma evangelização adequada ao mundo de hoje. Comemoramos nesta semana o Dia do Professor e rezemos para que os que se dedicam ao dom de ensinar tenham a recompensa de Deus e o reconhecimento social, o que significa respeito e salário justo. Rezemos também para que a Educação seja tratada pelo poder público como um projeto importante na consolidação dos valores humanos e na promoção da cidadania.
Sentindo em nossos corações a alegria do Amor ao Próximo e meditemos profundamente a liturgia de hoje!
(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)
PRIMEIRA LEITURA (Sabedoria 7,7-11): - "Assim implorei e a inteligência me foi dada, supliquei e o espírito da sabedoria veio a mim."
SALMO RESPONSORIAL 89(90): - "Saciai-nos, ó Senhor, com vosso amor, e exultaremos de alegria!"
SEGUNDA LEITURA (Hebreus 4,12-13): - "Tudo é nu e descoberto aos olhos daquele a quem havemos de prestar contas."
EVANGELHO (Marcos 10,17-30): - "Uma só coisa te falta; vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me."
Homilia do Diácono José da Cruz – 28º Domingo do Tempo Comum – ANO B
"O CÉU NÃO ESTÁ A VENDA..."
“Bom Mestre, o que devo fazer para alcançar a Vida Eterna?” É a pergunta que uma pessoa muito boa e piedosa da comunidade, dirige a Jesus no evangelho desse domingo.
O conceito de um “céu” que pode ser conquistado com boas obras está muito arraigado em todos nós porque é esta a pedagogia que se aplicou por muito tempo na educação dos filhos e na escola. “Seja bonzinho, estude bastante e passe de ano, que no final do ano eu te dou “aquele” presente que tanto você quer”.
Na minha classe do antigo primário, eu sentava-me na fila “B” onde os colegas nos chamavam de “burrinhos”, ás vezes só os alunos da fila “A” saiam para o recreio, como estímulo para continuarem a ser bons, pois os “bons” são sempre premiados. É normal que a maioria ainda pense assim em relação à Vida Eterna.
Mas Jesus desmonta este esquema mercantilista quando afirma, logo de início, que somente Deus é bom. Em seguida menciona a observância de cinco mandamentos nas relações com o próximo: adultério, fraude, falso testemunho, furto e a honra ao Pai e à Mãe. Note-se que não se tratam de simples preceitos, mas de uma relação fundamentada no amor e na comunhão, sempre marcada pela verdade, na vivência de algo que não se trata de uma simples aparência, mas que provém do interior, das virtudes presentes no coração de quem crê verdadeiramente e ama a Deus e ao seu reino.
O coração dessa pessoa, que se aproximou de Jesus, se encheu de alegria, pois sentiu, na resposta de Jesus, que estava no caminho certo, respondendo todo cheio de si, que já praticava tudo isso desde a sua infância. Então, olhando para ele Jesus o amou. Quando Deus nos ama ele nos quer por inteiro, ele quer ser o único em nossa vida e assim, Jesus convidou aquela pessoa a dar mais um passo para a perfeição na Santidade, pois só lhe faltava uma coisa: “vá, venda tudo o que tens e dá aos pobres”.
Esta última frase “dar aos pobres” é rica em significado, pois pobres são pessoas que têm necessidades, é exatamente essa a nossa condição diante de Deus: precisamos sempre dele, de sua Graça e Salvação, do seu amor e da sua misericórdia. Ser pobre em espírito é ter esta consciência!
O evangelho nos relata que aquela pessoa foi embora triste, porque no fundo achava que suas virtudes morais e aquela vida piedosa desde a infância, já eram suficientes para conquistar a Vida eterna. A sua riqueza, que era muita conforme menciona o e texto, considerada uma bênção, era um sinal de que sua vida virtuosa tinha a aprovação de Deus. “Sejam bons, pratiquem o evangelho, cumpram todas as obrigações para com Deus e a sua Igreja, principalmente dando o dízimo, e a sua vida vai melhorar porque Deus lhes abençoará dando-lhe prosperidade” Enfim, Deus me dá, porque eu mereço...
Essa religião dos merecimentos não nos conduzirá a Vida Eterna, podemos ter a certeza! A Graça e a Salvação que Deus nos concedeu em Jesus Cristo é puro dom imerecido. Na pobreza em espírito nos sentimos totalmente dependentes de Deus.
Não é o nosso patrimônio, o capital ou a riqueza que temos, que nos dá felicidade e segurança nessa vida, mas o senhor nosso Deus. Por isso, quando não temos a Sabedoria de Deus, e não sabemos nos relacionar com os bens deste mundo, eles se tornam um grande obstáculo e será muito difícil um rico entrar no Reino de Deus. Os discípulos ficaram assombrados justamente porque a riqueza, como já refletimos, era considerada uma bênção, dada a quem a merecesse.
Quem então poderá se salvar? E diante dessa pergunta Jesus fala da grande novidade, nada há que o homem possa fazer que mereça a Salvação, ela é dada e oferecida gratuitamente por Deus a todos os homens. O apóstolo Pedro ainda pensa em uma religião do merecimento quando menciona a si e aos demais, que deixaram tudo para seguir a Jesus.
E aí vem a outra grande novidade que eles não sabiam: a Vida Eterna já começa nesta vida e atinge a sua plenitude na eternidade.
Quem colocou toda sua confiança e esperança em Cristo Jesus, fazendo somente dele a razão da sua esperança, nunca mais terá necessidade de nada em sua vida, e assim terá de volta o cêntuplo, como garante o evangelho.
José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa
Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
Homilia do D. Henrique Soares da Costa – 28º Domingo do Tempo Comum — ANO B
“Jesus, Sabedoria de Deus”
Caríssimos, antes de mais nada, fixemos nosso olhar em Jesus nosso Senhor: ele é a Sabedoria de Deus, como diz São Paulo (cf. 1Cor 1,24.30). Ele é aquela de que fala a primeira leitura de hoje. Sim, caríssimos no Senhor: encontrar Jesus vale mais que os cetros e tronos; em comparação com essa bendita Sabedoria, saída do Pai no ventre da Virgem, as riquezas são sem valor porque ela é a grande riqueza de nossa existência.
Por isso, vale a pena amar nosso Jesus, Sabedoria de Deus, mais que a saúde e a beleza; vale a pena possuí-lo mais que a luz, pois o esplendor que ele irradia não se apaga. – Sim, Senhor bendito, os que te amam brilham como o sol, como o sol ao amanhecer! Tu és a luz do mundo, o esplendor do Pai, a luz de nossos olhos, a Sabedoria que dá sentido à nossa vida! Contigo todos os bens desta vida nos são dados; sem ti nada é verdadeiramente bom, nada durável, nada encherá verdadeiramente o nosso coração! Bendito seja tu, Senhor Jesus, Sabedoria eterna, saída da boca do Pai para dar luz e sentido ao universo!
Jesus é também a Palavra do Pai, Palavra viva, definitiva, eterna. A Palavra de Deus, caríssimos, não é primeiramente a Bíblia. A Palavra de Deus por excelência é Jesus: “No princípio era a Palavra e a Palavra estava com Deus e a Palavra era Deus. Tudo foi feito por ela e sem ela nada foi feito de tudo quanto existe. E a Palavra se fez carne e habitou entre nós!” (Jo 1,1-2.14) Eis, portanto: a Bíblia somente é a Palavra de Deusporque dá testemunho de Jesus – e não de qualquer Jesus, mas do Jesus crido, adorado, testemunhado e enunciado pela Igreja católica, fundada pelo próprio Cristo e por ele sustentada na sua Palavra pela força do Espírito Santo da Verdade, que conduz sempre a Igreja à verdade plena! Fora disso, a Bíblia já não é Palavra de Deus, mas confusão e caminho para o erro! Eis! Voltemos o olhar para Cristo: Ele é “a Palavra de Deus, viva e eficaz e mais cortante que qualquer espada de dois gumes. Ela julga os pensamentos e as intenções do coração”. Isso nós sabemos, irmãos; isso experimentamos, quando tantas vezes somos questionados pelo Senhor Jesus, que penetra até o íntimo de nós, com sua verdade, com sua exigência, com os projetos que tem a nosso respeito. Cristo é esta Palavra viva e definitiva de Deus: “E não há criatura que possa ocultar-se diante dela. Tudo está nu e descoberto aos seus olhos, e é a ela que devemos prestar contas”. Por isso mesmo, o Senhor é o critério de nossa existência: quem nele crê tem a vida; quem não crê não conhecerá nunca o verdadeiro e pleno sentido da vida! – Bendito sejas tu, Senhor Jesus, Palavra e Verdade do Pai! Dá-nos a graça de vivermos em ti, de compreendermos que tu és a nossa vida e que somente em ti nossa existência será realmente plena de sentido e atingirá o fim para que fomos criados. A ti a glória, ó Cristo, Sabedoria e Palavra do Pai! A ti nosso amor, nossa adoração, nossa ilimitada entrega e confiança, a ti a nossa vida toda inteira, ó Cristo nosso Deus!
Agora, amados em Cristo, podemos compreender o Evangelho deste hoje. Pensemos bem: A pergunta que este alguém faz a Jesus, não é aquela mesma que nós tantas vezes fazemos? Não é a pergunta definitiva da nossa existência? “Bom Mestre, que devo fazer de bom para ganhar a vida eterna?” – Eis Senhor, qual dos caminhos da vida seguir? Qual me levará para mais longe ou para mais perto de ti? Dize-me, Mestre Bom!
A resposta de Jesus surpreende: “Por que me chamas de bom? Só Deus é o Bom!” É verdade: só o Pai é o Bom, é a fonte eterna de toda bondade, como só o Pai é o Santo, e a fonte de toda Santidade. E, no entanto, o próprio Senhor afirma: “Tudo que o Pai tem é meu. Eu e o Pai somos um. Quem me vê, vê o Pai!” Por isso mesmo, sem medo, podemos dizer todos os domingos: “Só vós sois o Santo, só vós o Senhor, só vós o Altíssimo, Jesus Cristo, com o Espírito Santo na glória de Deus Pai!” Sim, meus caros, Jesus é Bom porque vem do Pai, porque tudo recebeu do Pai e participa plenamente da plenitude de plena bondade que é o Pai! Mas, “tu conheces os mandamentos!” – Jesus é prático, meus caros: indica ao alguém que vem a ele os mandamentos; e notem bem: os mandamentos da segunda tábua, aqueles que falam do amor e do respeito pelo próximo! Vede, amados no Senhor, como o seguimento a Jesus exige atitudes muito concretas na nossa vida! Aquele lá, que buscava a vida respondeu feliz: “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude!” Meus irmãos, nessa resposta há uma coisa boa e outra ruim. A coisa boa é que este homem é realmente observante da Lei de Deus; a coisa ruim é que ele parece satisfeito consigo mesmo; prece que, para ele, a religião consiste em fazer, em observar normas. Pronto. Fazendo isso, tudo bem! Notai, caríssimos, que também aquele fariseu que rezava no Templo estava satisfeito porque cumpria todos os preceitos; e os cumpria mais da conta! Ah, meus irmãos, que para o Senhor isso não basta! O Senhor é exigente, o Senhor olha o coração, o Senhor, Palavra “tão penetrante como espada de dois gumes”, quer saber de nossas intenções e não se contenta com nada menos que nosso coração e nossa vida! “Jesus olhou para ele com amor, e disse: ‘Só uma coisa te falta: vai, vende tudo que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!” Meus irmãos, como Jesus é bonito, como é sábio, como é exigente, como vai direto ao ponto! Primeiro, vede como olha aquele lá: com amor, com aquele amor eterno com que nos amou e reservou para nós o seu amor! Nunca esqueçamos: suas exigências são exigências de amor! Na verdade, o Senhor deseja fazer aquele homem passar de uma religião de simples fazer coisas e cumprir preceitos para uma religião de amar de verdade: “Vai, vende tudo que és, moço! Vai, deixa-te a ti mesmo; larga essa preocupação contigo! Deixa-te vendendo tudo; abre-te para os outros, repartindo teus bens e teu amor e, depois, estarás pronto de verdade para experimentar o quanto eu sou o Bom: “Vem e segue-me!” Tu me chamaste de Bom sem saber o que isso queria dizer… Vem comigo, deixa tudo por mim e verás de verdade que eu sou o Bom, o teu Bem, todo Bem, o sumo Bem! Será livre, mocinho; encontrarás a vida em abundância! Deixa-te por mim e tu me encontrarás e, encontrando-me, encontrarás a própria vida!
Mas, não! Esse risco aquele lá não queria correr. Queria uma religião arrumadinha, que lhe oferecesse garantias; uma religiãozinha burguesa, na qual se sirva a Deus para servir-se de Deus… Arriscar tudo por esse Mestre de Nazaré? Deixar e deixar-se? Era demais! “Quando ele ouviu isso, ficou abatido, foi embora cheio de tristeza porque era muito rico”. Vede, meus irmãos, como nós somos! Vede qual a nossa tentação! Esse homem era rico de bens materiais, rico de apego a si próprio, rico de se buscar a si mesmo, mas pobre de amor a Deus e pobre de generosidade para com os outros; pobre de sonhos, pobre de ideal, pobre de generosidade, pobre de grandeza interior… Ele queria ser aquilo que Cristo abomina: um cristão burguês, acomodado na vidinha medíocre, de fácil moral e fáceis compromissos… cristãos que rastejam como vermes quando deveriam voar alto como as águias…
Daí a dura constatação de Jesus: “Como é difícil para os riscos entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco da agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!’ A palavra é clara: é mais fácil um camelo passar pela agulha fininha, que um rico entrar no Reino. E por quê? Porque a riqueza – seja qual for ela – tende a nos apegar, a nos fechar, a nos fazer pensar que nos bastamos! Somente quem for pobre de coração pode entrar no Reino, pois só quem é pobre deixa que Deus reine de verdade na sua vida! E como é difícil para nós, tão fáceis de sermos iludidos, compreender isso! Desapeguemo-nos, caríssimos, de nós mesmos; deixemo-nos para poder encontrar a vida verdadeira. Nunca será digno de Jesus quem não tiver a coragem de tudo deixar por Jesus: “Quem tiver deixado tudo por causa de mim e do Evangelho, receberá cem vezes mais agora, durante esta vida, com perseguições e, no futuro, a vida eterna”. = se deixar para receber, não deixou nada; se deixar para receber nunca amou, não compreendeu a Palavra!
Os apóstolos não compreenderam isso – como também muitas vezes nós não compreendemos e não compreendem de modo algum aqueles que falam em seguir Jesus só para ter lucro. Basta ver na televisão, os falsos pregadores, de falsos evangelhos, que não passam da velhice pecaminosa disfarçada. Basta pensar na maldita teologia da prosperidade: “serve a Deus e ficarás rico!” Caros, quem deixa para receber, nada deixou; quem deixa esperando recompensas, nunca amou; quem segue o Senhor pensando em pagamentos, nunca compreendeu a Palavra! – Senhor, Sabedoria e Palavra do Pai, nosso tudo e nossa vida, só tu és nosso caminho, só tu, nosso destino, só tu nossa eterna recompensa. Nada nos falta se temos a ti! A ti a glória. Amém.
D. Henrique Soares da Costa
Comentário Exegético – 28º Domingo do Tempo Comum — ANO B
(Extraído do site Presbíteros - Elaborado pelo Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
EPÍSTOLA
INTRODUÇÃO: O autor compara os judeus do AT com os cristãos. Ambos vivem de ouvir a palavra de Deus, mas os antigos judeus não a obedeceram e por isso não entraram no descanso da terra prometida (Sl 95) ou no descanso do sétimo dia, como diz o Gênesis, dia abençoado e consagrado para Ele (2, 2-3). Esse repouso é reservado para o povo de Deus em que aquele que entra descansará de suas obras (Hb 4, 9). Devemos nos esforçar para entrar nesse repouso para não sucumbir imitando a desobediência dos antigos (4, 11). E é aqui que entra o trecho de hoje. Descreve a palavra de Deus como uma personificação do próprio Deus que transforma a palavra numa espada afiada como diz Isaías 49, 2: E fez a minha boca como uma espada aguda, com a sombra da sua mão me cobriu; e me pôs como uma flecha limpa, e me escondeu na sua aljava. Ou como diz Jr 23, 29: Porventura a minha palavra não é como o fogo, diz o SENHOR, e como um martelo que esmiúça a pedra? Essa palavra é como a mensageira e embaixadora divina que discerne perfeitamente os pensamentos e intenções do coração, de modo que nada está oculto aos olhos de Deus (Hb 4, 13).
ATRIBUTOS DA PALAVRA DE DEUS: Viva [zön<2198>=Vivus], pois a palavra [logos<3056>=sermo] de(o) Deus é poderosa [evergës <1756> =efficax] e mais afiada [tomöteros<5114>=penetrabilior] que toda espada de dois fios [distomon<1366>=ancipiti] e penetrante [duknoumeenos<1338>=pertingens] até a divisão [merismon <3311>=divisionem] tanto da alma quanto do espírito, das junturas [armön<719>=compagum] como das medulas [muelön<3452>=medullarum] e árbitro [kritikos<2924>=discretor] dos pensamentos [enthumëseön <1761>=cogitationum] e intenções [ennoiön<1771>=intentionum] do coração (12). Vivus est enim Dei sermo et efficax et penetrabilior omni gladio ancipiti et pertingens usque ad divisionem animae ac spiritus conpagum quoque et medullarum et discretor cogitationum et intentionum cordis. PALAVRA VIVA: O autor, que começou a sua exortação na base de comentar o Salmo 95, atribui à palavra [Logos em grego, Dawar em hebraico e Menrá em aramaico] as mesmas virtudes e atributos de Deus mesmo, como se fosse uma representação visível da divindade para o homem que não pode vê-lo, mas podia ouvi-lo. De fato, no Sinai, só viram o fogo e ouviram a Palavra que foi comunicada de modo especial a Moisés. Como no princípio, foi o Logos quem criou e ordenou o mundo, assim ele é agora o poder visível de um Deus invisível. A PALAVRA: Dewar Jahweh (palavra de Javé) no AT: Os targuns (targumim em plural) são traduções [e comentários] em aramaico, muito antigas da Bíblia hebraica. Eram tidos como autorizados e eram falados em voz alta nas sinagogas de modo que era a única escritura entendida pelo povo. Entre eles temos o targum de Onkelos. O tradutor ou leitor que falava em voz alta a tradução versículo a versículo, era chamado Turgeman. Os targuns foram usados nas sinagogas, antes, durante e depois da vida de Jesus. Precisamente o targum de Onkelos ou babilônico (sec I) é conservado nas sinagogas, junto com os rolos da Torá. Os judeus modernos, porém, contradizem com suas opiniões, muitas das crenças dos judeus do tempo de Jesus. Nos targuns, uma palavra ressalta como identidade com o próprio Javé: MEMRÁ, aramaico, da raiz MR que significa dizer. A encontramos como me´mar em Dn 4, 14. Realmente em hebraico a palavra é Dawar ouDewar Javé (palavra de Javé), mas no targum se traduz por Menrá. Que significa esta palavra? No livro do Gênesis lemos como Deus DISSE, antes de cada dia da criação. E o mundo da sua criação veio se tornar realidade e existência. Por isso a Memrá se tornou como um mediador divino entre um Deus inacessível e sua criatura humana, que não podia vê-lo, mas podia ouvi-lo. A palavra aparece centenas de vezes nos targuns aramaicos.REMA<4487>: O grego não distingue entre logos e rema, ambas as palavras sendo usadas indiferentemente para as mesmas finalidades: espalhou-se esta palavra [=notícia] (Lc 2, 17 [rema] e 7, 17 [logos]). Palavra como comando (Lc 5, 5 [rema] e 4, 36 [logos]). Poderíamos dizer que rema é mais material e implica, por exemplo, fatos narrados; e logos é mais formal, implicando não tanto a expressão, mas o sentido da palavra. Por isso podemos traduzir rema algumas vezes por fatos, sucessos ou notícias. ESTÁ ESCRITO: é a palavra do profeta, a palavra de quem fala por mandato do Deus da verdade. É o rema [locução ou declaração] em nome da divindade. É diferente do logos que é a palavra humana. O rema é o oráculo que provém da sabedoria de Deus e o logos da ciência humana. O rema é sempre fiel [o verdadeiro se confunde com o fiel] porque se origina na segurança que dá a verdade divina e jamais será usada para distorcer a realidade [mentir]. Um exemplo do AT é 1 Rs 16, 34: segundo o oráculo [as palavras: remata] que o Senhor falou por meio de Josué, filho de Nun. Pelo contrário as palavras [logoi] dos ímpios, ciladas e morte (Pr 12, 6). Embora Logos seja mais própria da linguagem humana, vemos como pode também se referir à linguagem divina como neste caso em que não se fala diretamente de um oráculo divino, mas simplesmente da Palavra que procede de Deus escrita, como no Salmo anterior 95, em que se fala das montanhas, do mar e dos continentes como formados e seguros em suas mãos. Daí que Hebreus obtenha uma série de diferentes atributos para esse Logos semelhantes ao próprio Deus: PODEROSA: Energës <1756> poderosa, ativa, ou efetiva saindo só três vezes no NT. Como vimos no parágrafo anterior, a Memrá(Palavra) é uma via primária, segundo a qual o Ser inalcançável manifesta sua vontade. A Palavra é também o meio com o qual se comunica e interage com os seres humanos, o instrumento por meio do qual se revela em forma inteligível. Mas por outra parte, Deus usa a palavra muito mais do que como letras, frases ou tinta. Esses materiais são inertes, registros mortos de meios humanos. Porque em muitos casos, quando a Palavra saiu da boca e do coração divinos teve uma ação muito maior de poder e energia da que se pode atribuir a uma página escrita com informação histórica. Por que Deus se tomou o trabalho de falar durante a criação? Por que o Criador não fez sua obra em silêncio, sem pronunciar uma só palavra? A quem ou com quem falava (façamos -diz o Gênese) quando mandou: façamos o homem? É evidente que existe uma força criativa, dinâmica, na voz do Senhor; um poder e uma energia em suas palavras; uma expansão tangível de sua divindade. Sua Palavra é uma extensão de sua Natureza, um impulso de sua Vontade, ativo, poderoso e efetivo. Não são unicamente letras, sílabas e sons. Há vigor e atividade nas palavras de Deus estendendo-se muito além dos limites do pensamento e da comunicação. Segundo os targuns (traduções e comentários), aceitos pelos judeus como vozes sagradas, a Palavra de Deus é uma entidade, um ser; na realidade o próprio Deus, pois a MEMRÁ deve ser adorada, servida e obedecida. Os targuns ensinam que a palavra de Deus, a MEMRÁ, reina suprema no trono de Deus. Ao comentar Dt 4, 7 "que nação tem seus deuses tão próximos dela", diz que o costume das outras nações é carregar seus deuses em seus ombros, porém eles não podem ouvir com seus ouvidos. Mas a Palavra de Deus sentada no trono ouve nossas preces e favorece nossas petições (T. Jonatan). Um outro exemplo sobre Gn 1, 27: Deus disse: façamos o homem (…) e Deus criou o homem à sua imagem. A palavra de Deus criou o homem não unicamente à sua imagem, mas também à semelhança de sua Palavra. (comentário do T. Onkelos). Bastam estes exemplos para uma conclusão óbvia: João, o quarto evangelista, não precisava de textos da Filosofia grega para o seu prólogo : No começo existia a Palavra e a Palavra estava em Deus e a Palavra era Deus…Tudo foi feito por meio dela e sem ela nada se fez do que foi feito. Para terminar, esta reflexão sobre a Memrá "Israel será salvo pela Palavra de Javé com uma salvação perpétua. Pela Palavra de Javé será toda semente de Israel justificada". MAIS AFIADA QUE TODA ESPADA DE DOIS GUMES: Tomöteros<5114> é o comparativo de Tomos [cortante, agudo, claro] e só neste versículo sai no NT. A comparação é com uma espada de dois gumes Distomos<1366> Além do versículo atual sai em Ap 1, 16 e 2, 12 narrando a espada que o Filho do Homem tinha na sua língua. É o poder de julgar penetrando até o mais íntimo do ser humano, como são a divisão [merismos<3311>=divisão, separação, repartição] de alma e espírito, juntas e medula. Parece que o autor toma como verdade científica a divisão tripartida de alma, espírito e corpo que também Paulo, influenciado da Filosofia neo-platônica admite em 1 Ts 5, 23: espírito, alma e corpo, uma tricotomia frequente no neoplatonismo. O espírito é o íntimo do ser humano, base da ação inteligente e moral, onde reside o Espírito Santo que em termos gerais pode ser comparado com o pneumatikós <4152> de Paulo; alma é a base dos sentimentos humanos que corresponde ao instinto e às concupiscências, em certo modo, é o psiquicós <5591> de Paulo que temos em comum com os animais viventes. Quando Hebreus fala da divisão entre alma e espírito é que chega ao ponto mais íntimo e interno do que hoje chamamos de alma humana. E quando distingue entre junturas e medulas é que entra dentro dos próprios ossos como partes mais íntimas do corpo. KRITIKOS<2924> capaz de julgar, árbitro. É a única vez que aparece no NT e indica que essa palavra divina se identifica com a Sabedoria de Deus, a única que pode conhecer, e distinguir e julgar os pensamentos [enthumësis<1761>=pensamento] e os sentimentos [enneoia<1771>=intenção] da mente humana.
DEUS TUDO CONHECE: E não existe criatura [ktisis<2937>=creatura] não manifesta [afavës<852> =invisibilis] diante dele; pois todas as coisas nuas [gymva<1131>=nuda] e manifestas [tetrchëlismena <5136>=aperta] aos olhos dele: diante do qual para nós [ëmin<2254>=nobis] a palavra[logos<3056>=sermo] (13). Et non est ulla creatura invisibilis in conspectu eius omnia autem nuda et aperta sunt oculis eius ad quem nobis sermo. A tradução é fácil até o final do versículo em que o estilo, vamos chamar de espartano, que temos traduzido por diante do qual para nós a palavra. As traduções vernáculas completam a frase dizendo: daquele a quem temos de prestar contas (RA). A ele é que devemos prestar contas (TAB). With whom(is) our account, ou with whom we have to do (Ing); ou daquele a quem devemos dar contas (espanhol). Vamos explicar as palavras. CRIATURA: Ktisis<2937> Tudo que existe é criação de Deus e, como tal fautor de tudo, Este conhece todas elas e não existe, pois, nada escondido diante dEle que vê as mesmas como se estivessem nuas diante dEle ou de seus olhos, diz o texto. MANIFESTAS: O verbo Trachëlizö <5136> significa agarrar e torcer o pescoço entre combatentes que assim usam suas mãos contra o inimigo. Provém de trachelos, pescoço. Em termos metafóricos é deixar manifesta uma coisa. E, como particípio perfeito em passiva, seria subjugado (TEB) ou manifesto (Es) ou patente (RA). LOGOS <3056>. Falta a interpretação da última frase: diante do qual para nós [Ëmin] a palavra. O significado é que a palavra de Deus é a verdade para nós, pois Ele conhece tudo. As traduções vernáculas se inclinam sobre o juízo particular; mas não é necessário: o que o autor quer indicar é que a Escritura [a palavra, o logos] deve ser a última razão que nos indica onde encontrar a verdade. De fato, logos sai 11 vezes em Hebreus, das quais unicamente em 13, 22 indica o sermão ou palavra de exortação como resumo de sua carta. Nas 10 ocasiões restantes, a palavra é a manifestação sensível de Deus se comunicando com os homens de modo inteligível, ou por palavra, ou por escrito. Cremos que sem rejeitar a tradução A ela é que devemos prestar contas, que parece um apelo a um juízo particular, seria melhor talvez, traduzir sua palavra é para nós a verdade.
EVANGELHO - Mc 10, 17-30;
Lugares paralelos: Mt 19, 16-26 e Lc 18, 18-27
O JOVEM RICO
INTRODUÇÃO: Dois problemas aparecem neste evangelho de difícil solução: a Salvação e as Riquezas. O primeiro é solucionado por Jesus indicando a prática dos mandamentos, do decálogo em especial. O segundo tem como solução a partilha com os mais necessitados. Se a riqueza não é compartilhada ela se torna um ídolo que exige escravidão e se torna fonte de iniquidade, ou como diz o evangelho é o deus Mammon que se opõe ao Senhor: e servimos a um e desprezamos o outro. A escolha é difícil e só depende da graça de Deus que pode atuar onde o homem falha totalmente.
O ENCONTRO: Então, tendo ele saído ao caminho, correndo [prosdramön<4370>=procurrens] um (homem) e, ajoelhado [gonupetësas<1120>=genu flexo] a ele, peguntou-lhe: Mestre bom [didaskale agathe<1320; 18>=magister bone], que farei para obter a vida eterna [zöën aiövion<2222; 166>=vitam aeternam]? (17). Et cum egressus esset in viam procurrens quidam genu flexo ante eum rogabat eum magister bone quid faciam ut vitam aeternam percipiam. CORREU: Prosdramön<4370> [lit. tendo corrido] é, sem dúvida, uma frase redacional, para indicar a prontitude e instância com a qual o jovem [tal era o interlocutor de Jesus, segundo Mt 19, 20] se aproximou de Jesus. Marcos fala de um [eis] sem determinar quem era. Nisso coincide com Lucas. AJOELHADO: A construção grega é esquisita: Tendo se ajoelhando a ele (sic) o que significaria uma maneira de adorar Jesus, ou a proskinese oriental. Talvez, era o modo como os discípulos manifestavam sua reverência pelos mestres ou rabis, não unicamente ajoelhando-se, mas abraçando os pés do mestre e beijando-os. Um exemplo está em Madalena, que se abraçou aos pés do ressuscitado (Jo 20, 17). A palavra com a qual se dirige o jovem, didáskale (= mestre), está na mesma base que acabamos de sugerir. O amor que demonstrou Jesus (ver 20) foi provavelmente um beijo na fronte como era costume entre os rabis com seus discípulos. MESTRE BOM: Didaskale agathe: A palavra Agathe, originariamente significando bom; porém, quando qualifica um nome que denota função ou profissão não indica a moralidade do sujeito, mas a excelência do mesmo em sua função. Assim poderíamos traduzir por Mestre insigne ou excelente, que sabe todas as respostas e tem uma sabedoria fora do comum. A PERGUNTA: Indica uma insatisfação com sua vida cômoda e rica, perante o ambiente de pobreza e dificuldades da maioria. Alguma coisa ele devia fazer para não ser excluído das bemaventuranças que muito provavelmente teria escutado dos lábios de Jesus (Mt 5, 3 +). A inquietude dentro de seu espírito, por escutar as palavras de Jesus, dirigidas às multidões, em que o assunto era a salvação e a vida como último ganho (Mc 8, 34-38) o mantinha inquieto. Isso indica que as palavras de Jesus não tinham caído em terra baldia (Mc 4, 8). Os outros rabis falavam da lei como se fosse um deus a quem deviam respeitar e adorar. Eram puros intérpretes, que não distinguiam entre o verdadeiramente essencial e transcendente e o contingente das normas de pureza. O mestre Jesus falava da vida, de um Deus que era Pai, de um futuro muito mais importante que a contingência presente, limitada a um corpo mortal. Ele sabia que suas riquezas lhe proporcionavam segurança e bem-estar por tempo limitado; mas como assegurar a vida futura que o Mestre declarava ser eterna? Que devia ele fazer ou realizar para obtê-la e alcançá-la?
A RESPOSTA: Jesus, pois, disse-lhe: Por que me chamas bom? Ninguém é bom [agathos<18>=bonus] senão um: (o) Deus. Mas se queres entrar na vida [zöen<2222>=vitam] guarda os preceitos [entolas <1785>=mandata] (18). Iesus autem dixit ei quid me dicis bonum nemo bonus nisi unus Deus. qui dixit ei quid me interrogas de bono unus est bonus Deus si autem vis ad vitam ingredi serva mandata. A própria resposta de Jesus de que unicamente Deus é o mestre por excelência [agathos], revela que todo ser humano é por natureza falível e limitado. Só Deus tem a resposta a todos os questionamentos últimos da vida. No sentido de moralidade os judeus afirmavam que não havia nada bom a não ser a Torah. Neste sentido, Jesus afirma que a moralidade depende unicamente de Deus, sendo a Torah a concretização de sua bondade. Porque a lei favorece os mais desamparados, as vítimas e não os carrascos. Com os mandamentos, Jesus aponta Deus como o melhor dos mestres para obter a vida definitiva, segundo o que afirmou Moisés, após a epifania do monte Horeb: Por todo o caminho que vos ordenou o Eterno, vosso Deus (Jahvé Elohim), andareis para que vivais e seja bem para vós e prolongueis os dias na terra que haveis de herdar (Dt 5, 29). Sobre a bondade divina temos estas duas passagens: Provai e vede que o Senhor é bom [tob<02896>=bonus] (Sl 34, 8). E especialmente, esta outra que parece ser a resposta a tantas suposições dos exegetas: Tu és bom e fazes o bem; ensina-me os teus decretos [chok<02706>= dikaiömeta em grego e praecepta latino] (Sl 119, 68). Os rabinos da época tinham como norma esta sentença: Não há nada bom exceto a Lei. E sobre essa Lei, vemos que o salmista indica que é do Senhor que devemos escutar, como discípulos, os preceitos; porque sendo bom e fazendo o bem, Ele é o verdadeiro Mestre. Jesus está, pois, seguindo a tradição, indicando que também Ele tem como mestre o Único Deus. Que Ele não vai ensinar nada fora do que é a vontade divina. E Jesus termina indicando o mesmo que o Salmo 119: guarda os mandatos.
OS MANDATOS: Ele lhe diz: Quais? Jesus, pois, lhe disse: não assassinarás [foneuseis <5407> =homicidium facies], não adulterarás [moicheuseis<3431>=adulterabis], não roubarás [klepseis <2813> =furtum facies], não dirás falso testemunho [pseudomarturëseis<5576>=falsum testimonium dices] (18). Honra teu pai e tua mãe, amarás teu próximo [plësion<4139>=proximum] como a ti mesmo (19). Dicit illi quae Iesus autem dixit non homicidium facies non adulterabis non facies furtum non falsum testimonium dices. Honora patrem et matrem et diliges proximum tuum sicut te ipsum. Os mandamentos que conheces (Lc 18, 20). E Jesus enumera os mandatos da segunda tábua, os referentes ao amor ao próximo (Êx 20, 12-17 e Dt 5, 16-21). Estes dois textos coincidem no essencial. O texto mais antigo (Êxodo) tem esta ordem: Adultério, roubo, homicídio, e o Deuteronômio coloca homicídio antes do roubo. Há uma diferença entre Marcos e os outros dois evangelistas: Só Marcos completa a citação da segunda tábua com não defraudarás (= não privarás ao próximo do que lhe é próprio, como em Dt 24, 14), o que pode ser a tradução de não cobiçarás a casa de teu próximo, nem a mulher, nem o campo, nem o servo, nem a serva, o boi ou o asno, ou tudo que seja do teu próximo. NÃO ASSASSINARÁS: Foneuö<5407> que no original hebraico é ratsach<07523> que significa assassinar, cometer um homicídio [murder em inglês]. Contra os budistas que citam este texto para evitar a matança de animais, devemos entender que nele só entra a morte de um homem. Os outros mandatos são bem conhecidos. PRÓXIMO: A honra devida aos pais expressa a preocupação com seu sustento. Com esta resposta, Jesus indica que no homem existe um dever a cumprir que ele reduzirá ao amor e respeito ao próximo, sem o qual a vida terrena se torna um inferno por falta de convivência, como vemos nos tempos modernos e a vida eterna será uma continuação dessa desordem fundamental. Se não respeitamos a vida do outro [especificamente do nascituro], como podemos querer a plenitude de vida para nós mesmos, já que em grande parte se funda no relacionamento com os outros? RÉA ouREYA é a palavra que usa o Pentateuco para designar o próximo. Com o número de Strong <07453> aparece inúmeras vezes no AT. Sua tradução originária é ASSOCIADO. Mas aparece com os significados de irmão, companheiro, camarada, amigo, esposo, amante e vizinho, segundo os diversos textos. Como mandato dentro da lei, aparece em Dt 5, 20: Não dirás falso testemunho contra teu próximo. Com o significado de amigo lemos: Teu amigo que amas como à tua alma Dt 13, 6. A passagem que o escriba [nomikós] cita em Lc 10, 27 é Lv 19, 18: Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. O famoso Hilel, o ancião, ditou este preceito em outras palavras: Não faças a teu companheiro o que não queres que te façam. Segundo o comentário bíblico moderno do rabino Meir Matziliah, as palavras que designam companheiro, próximo e irmão, são réa – amith- ben- am- ah. Ah é irmão e era usado para todo israelita. Em Lv 19, 17-18 saem esses quatro termos [ah (irmão) amith (companheiro), ben (filho) am (povo) e rea (próximo). A citação será: Não odiarás o teu irmão [ah <0251>] no teu coração; repreenderás a teu companheiro [amith <05997>] e por causa dele não levarás sobre ti pecado(17) . Não te vingarás nem guardarás ira contra os filhos [ben <01121>] do teu povo [am <05971>]; mas amarás o teu próximo [reya <07453>] como a ti mesmo. Como vemos, próximo era todo aquele que merece nosso amor. Jesus, com a parábola do bom samaritano (Lc cap 10) estende o próximo a todo homem incluído aquele que é nosso inimigo.
A RESPOSTA DO RICO: Ele então, tendo respondido, disse a Ele [Jesus]: Mestre, todas estas coisas guardei desde minha juventude [neotëtos<3503>=iuventute] (20). Et ille respondens ait illi magister omnia haec conservavi a iuventute meã. Com estas palavras temos duas afirmações que merecem nossa atenção. A primeira é a integridade do homem que indica sua boa disposição diante dos ensinamentos de Jesus a quem pela segunda vez chama de Mestre. A segunda, que ele, já nesta ocasião, era um homem maduro cuja juventude era um passado mais ou menos recente. Lucas dirá que era um príncipe ou principal entre os judeus; tudo o qual requeria uma idade de mais de 30 anos. Por outra parte, Mateus parece discordar ao afirmar que o interrogador era um neaniskos [jovem] (Mt 19, 22). É um paradoxo, que indica diversas origens na transmissão das narrações. E em lugar de jogar contra a história do fato, essa diversidade aponta a veracidade do mesmo. Vemos como Lucas segue com bastante precisão o relato de Marcos e como Mateus tem essa divergência que, não sendo essencial, nos mostra como os evangelhos têm também um componente humano, que depende das condições particulares do tempo e das testemunhas. Não será que desde a minha juventude [neotëtos] se transformou no homem jovem [neaniskos] de Mateus? Indica isso uma tradução imperfeita do aramaico? Talvez.
UMA COISA FALTA: Então Jesus, tendo-o olhado, o amou e disse a ele: Uma só coisa falta [usterei<5302>=deest]: vai, quanto tens vende e dá aos pobres [ptöchois<4434>=pauperibus] e terás um tesouro no céu e vem, segue-me, tendo tomado a cruz. (21). Iesus autem intuitus eum dilexit eum et dixit illi unum tibi deest vade quaecumque habes vende et da pauperibus et habebis thesaurum in caelo et veni sequere me. O rico, (jovem, segundo Mt 19, 22) afirma que tinha observado esses mandamentos desde a sua juventude (meninice para Mateus). Segundo Mateus, é ele mesmo quem pergunta se falta alguma coisa. Para os outros dois, será Jesus quem aponta uma falha na vida do jovem, ao parecer perfeita. Marcos dirá que tendo fixado a vista nele, o amou, que outros traduzem por lhe demonstrou seu amor. Foi um gesto de ternura por parte de Jesus. Isso indicava que implicitamente o mestre reconhecia a verdade do testemunho do homem rico e que, do ponto de vista humano, ele tinha todos os requisitos para dar um último passo: entrar no círculo privilegiado dos discípulos por Ele escolhidos. Em todo caso, é Jesus quem declara: Uma coisa só te falta, não para entrar na vida eterna, mas para tornar-te um dos meus prediletos: é o despojamento total das riquezas, que são um obstáculo para a perfeição. Vende tudo, não te aproveites, mas dá aos pobres e poderás me seguir. Não perderás as riquezas porque terás um tesouro nos céus (Mt 16, 20 e Lc 16,9). Com isto, Jesus aponta o caminho da perfeição. Ele exige a privação das riquezas como fim absoluto, ou como meio para obter a felicidade. Para a perfeição falta uma coisa: falta despojar-se das riquezas. Então, verá que a única causa importante é seguir o Mestre Jesus. As riquezas atuais impedem alcançar o tesouro no céu. O despojamento não é destruição, mas repartição entre os necessitados. POBRES: O Ptöchos<4434> grego é o homem que deve sobreviver com a caridade de outros. A palavra é usada para descrever a viúva que deu dois trocados ao tesouro (Mc 12, 42 e Lc 21, 3). A mesma palavra descreve seus discípulos que tudo abandonaram e a eles dirigida no sermão da montanha (Lc 6, 20). O caso mais semelhante é o de Zaqueu que promete, como sinal de conversão, dar a metade dos bens aos pobres, após ter cumprido com a lei que mandava restituir 4 vezes o injustamente lesado (Lc 19, 8). Pobre, é também Lázaro, o mendigo da parábola do rico epulário. Por isso, hoje, diríamos necessitados e não mendigos, e pobres são aqueles sem riquezas ou propriedades. Isto é confirmado no versículo seguinte, em que dá como razão da negativa do jovem, ter muitas propriedades. Com estas propostas, Jesus coloca o bem e a felicidade não na proibição como era o caso do decálogo citado anteriormente, mas na prática generosa do desprendimento e do amor ao próximo. Em definitivo: para entrar na vida devemos evitar o mal, mas para ter um tesouro devemos praticar o bem. O provérbio ou a sentença rabínica, dizia: Não faças ao outro aquilo que não desejas que te façam a ti. O que Jesus afirma como regra de ouro é: Tudo que desejais que os outros vos façam, fazei-o a eles; pois esta é a Lei e os profetas (Mt 7, 12). De fato, não fazer o mal ao próximo era compatível com as riquezas. Mas para fazer o bem devemos usar as mesmas como meio e começar a repartir. Este despojamento é a condição que Jesus impõe a seus discípulos: negar-se a si mesmo (Mc 8, 34), ou seja, renunciar a toda riqueza tanto material como espiritual, como é a ambição, posição social e poder, cujo centro esteve e está sempre, nas riquezas pessoais. Nos imediatos seguidores de Jesus não podem existir preeminências nem desigualdades. Assim o entenderam os primeiros cristãos que vendiam seus bens e entregavam o produto à comunidade. Ananias e Safira que intentaram enganar o Espírito Santo, ficando com parte do preço dos bens, foram castigados de forma fulminante (Atos cap 5). Os religiosos que intentam inibir parte de seu voto de pobreza fariam bem em olhar este capítulo dos Atos. A CRUZ: A referência à cruz é omitida nos principais códices e de modo especial na Vulgata latina.
A RETIRADA: Ele então, contrariado sobre a palavra, afastou-se triste, pois tinha muitas propriedades (22). Qui contristatus in verbo abiit maerens erat enim habens possessiones multas. Esta retirada indica duas coisas: 1ª) A dificuldade de um rico de seguir Jesus, pois implica uma renúncia muito difícil. Jesus o comenta em seguida. 2ª) A tristeza que acompanha todo homem rico quando contempla as necessidades do próximo e não ajuda com seus bens. Retirar-se e encerrar-se em seus próprios domínios, é uma fonte de tristeza. Lucas é o único evangelista que não fala de retirada, mas a supõe ao afirmar que ficou muito triste porque era enormemente rico (Lc 18, 23).
O COMENTÁRIO: Assim tendo lançado um olhar ao redor, Jesus diz a seus discípulos: quão dificilmente os que têm riquezas [chrëmata<5536>=pecuniis] entrarão no reino do Deus (23). Mas os discípulos admiravam-se sobre suas palavras. Porém, Jesus, de novo, tendo respondido, diz-lhes: Filhos, como é difícil, aos que têm confiado nas riquezas, entrarem no Reino de Deus (24). Et circumspiciens Iesus ait discipulis suis quam difficile qui pecunias habent in regnum Dei introibunt. Discipuli autem obstupescebant in verbis eius at Iesus rursus respondens ait illis filioli quam difficile est confidentes in pecuniis regnum Dei introire. Ao ouvir que devia deixar suas posses, o jovem rico, que era um dos príncipes ou principais de Israel (Lc 18, 18), se afastou com amargura e tristeza. Talvez ele pensasse ser escolhido como parte da chefia do novo Messias. RIQUEZAS: Chrëma<5536> em plural [chrëmata] pode ser traduzido por bens ou riquezas. Em singular é dinheiro, como em At 4, 37 era o dinheiro da venda do terreno de Barnabé, traduzido por pretium latino e em 8, 18 era o dinheiro que o mago Simão ofereceu a Pedro para obter os dons do Espírito Santo. A retirada do jovem foi a causa de Jesus falar abertamente com seus discípulos. Diante do estupor destes últimos, que acreditavam serem os ricos, os privilegiados de Jahvé (logo também os que deviam ser escolhidos pelo Messias), e que por isso pensavam que se os ricos não se salvassem quem poderia se salvar (26), Jesus afirma: Quão dificilmente entrarão no Reino de Deus os que têm riquezas! E visto o estupor dos discípulos, Jesus matiza um pouco suas palavras: Não são os ricos simplesmente, mas também os que têm sua esperança nas riquezas; e aqui entram os que não as possuem, mas labutam por adquiri-las a todo custo. Isso significa que as riquezas constituem a razão de ser e de atuar de muitos, nos quais tudo é subordinado às mesmas. Porque a sedução das riquezas e as demais concupiscências intrometem-se e sufocam a palavra que fica sem fruto (Mc 4, 19). Elas constituem um deus em si mesmo, que escraviza e exige uma adoração praticamente igual à adoração de Deus (Mt 6, 24). Por isso, são declaradas, ao se transformarem em ídolo [Mammona], como iníquas: mamona iniquitatis (Lc 16, 9 e 11), sendo que iniquidade [adikia <93>] é a palavra para injustiça no sentido humano, ou seja, lesão da virtude correspondente, a justiça (em Lc especialmente do juiz 18, 6 e do desonesto administrador 16, 8).
O CAMELO: É mais fácil um camelo (poder) entrar pelo orifício de uma agulha que um rico (poder) entrar no Reino de (o) Deus (25). Facilius est camelum per foramen acus transire quam divitem intrare in regnum. Temos traduzido o aoristo infinitivo, usando poder entre parêntese para indicar um tempo quase futuro de possibilidade e não um presente já em andamento. O buraco de uma agulha era símbolo de pequenez. O camelo era o animal de maior tamanho conhecido na época; hoje diríamos o elefante. A pequena parábola, provavelmente um provérbio da época, só quer apontar a dificuldade, sem ser um exemplo matemático da realidade. Temos exemplos na escola babilônica em que o Rabi Rabba troca o camelo pelo elefante e compara sonhos irrealizáveis com aquele que sonhou com uma palmeira de ouro ou com um elefante passando através do olho de uma agulha. Maomé afirma no Alcorão: "Aos que desmentem e menosprezam nossas revelações, as portas do céu serão fechadas e não entrarão no paraíso até que o camelo passe pela fenda de uma agulha" (Alc 7, 40) Não é de se estranhar, já que Maomé foi educado num mosteiro cristão.
REAÇÃO: Então, eles, sobremaneira, ficavam admirados dizendo entre eles: então quem pode ser salvo? (26). Qui magis admirabantur dicentes ad semet ipsos et quis potest salvus fieri. Somente Lucas fala que quem comentava eram os ouvintes. Isto quer dizer que as palavras de Jesus foram mais ou menos ditas publicamente como um asserto geral. Talvez a tradução de salvar-se estaria melhor como poderia ser salvo devido ao aoristo do verbo salvar em passiva. A voz passiva era praticamente usada para indicar uma ação divina como sujeito da mesma. Entende-se a perturbação pela opinião da época: Se os abençoados por Deus, como eram os ricos, não se salvam ou dificilmente podem se salvar, que pode passar com o resto majoritário dos mortais? Essa era a conversa entre os discípulos.
FINAL: Então Jesus tendo fixado seu olhar neles, diz: para os homens é impossível, mas não para (o) Deus. Pois todas as coisas são possíveis para Deus (27). Et intuens illos Iesus ait apud homines inpossibile est sed non apud Deum omnia enim possibilia sunt apud Deum. Jesus afirma finalmente que o impossível para os homens é possível para Deus. A história com os exemplos de Antônio do Egito, de Francisco de Assis e outros confirma a possibilidade exposta por Jesus. Os outros dois sinóticos escrevem o comentário final de Jesus com as mesmas palavras usando a oposição adynaton[impossível] e dynaton [possível] correspondentes ao poder humano e à absoluta faculdade divina. Jesus sabia que tanto José de Arimateia como Nicodemos eram pessoas ricas; mas que o amor à verdade era muito superior ao que poderíamos falar de sua ambição terrena. Nicodemos submete sua sabedoria perguntando a Jesus e aceitando as respostas deste. José, num momento em que todos abandonam Jesus, se transforma em seu coveiro, dando-lhe um sepulcro rico, como a um personagem amigo e venerado.
PEDRO PERGUNTA: Então começou Pedro a lhe dizer: Eis que nós abandonamos todas as coisas e te seguimos (28). Coepit Petrus ei dicere ecce nos dimisimus omnia et secuti sumus te. Lucas expressa com as mesmas palavras o pensamento de Pedro. Somente Mateus adiciona a pergunta, implícita nos outros dois: que podemos esperar? [literalmente que será, pois, de nós?] Que recebem os que abandonam tudo para seguir Jesus?
JESUS RESPONDE: Tendo respondido, então, Jesus disse: Em verdade vos digo: Não há ninguém que tenha abandonado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos por minha causa e do evangelho (29) que não receba centuplicados agora neste tempo casas e irmãos e irmãs e mães e filhos e campos no meio de perseguições e na outra época que vem a vida eterna (30). Respondens Iesus ait amen dico vobis nemo est qui reliquerit domum aut fratres aut sorores aut matrem aut patrem aut filios aut agros propter me et propter evangelium qui non accipiat centies tantum nunc in tempore hoc domos et fratres et sorores et matres et filios et agros cum persecutionibus et in saeculo futuro vitam aeternam. Lucas praticamente coincide com Marcos com palavras muito semelhantes. Mateus contém um inciso peculiar: Antes de se dirigir aos seus seguidores em geral, Jesus fala aos seus imediatos apóstolos, os doze: Vós que me seguistes na nova geração, quando o Filho do Homem se assentar no trono de sua glória, assentar-vos-eis também em doze tronos julgando as doze tribos de Israel (Mt 19, 28). Segundo Mateus, a resposta de Jesus é dupla: primeiro, a dada aos seus doze discípulos e que só Mateus relata porque se refere diretamente a Israel -o que não interessava aos gentios- com a fundação de um reino novo sob o poder do Messias, em que o poder judicial, definindo quem é inocente [entra] e quem é culpado [fica fora], seria dado aos apóstolos. Mateus identifica esse tempo com uma regeneração ou novo nascimento [palingenesia], o que implica numa instauração do Reino, significando o tempo após a ascensão de Jesus – quando o Filho do Homem estiver assentado no trono de sua glória -e será então que vos tornareis juízes das doze tribos de Judá. Não queremos entrar na explicação desta afirmação de Jesus já que o evangelho que estamos comentando é o de Marcos. Porém basta o dito para se ter uma nova visão de Mateus neste versículo. Uma segunda parte é narrada pelos três sinópticos, e é dirigida a todos os que abandonam tudo para seguir Jesus. Jesus enumera esse tudo que abrange a família (o mais próximo e sagrado) e os bens, por escolha do evangelho; os tais receberão neste mundo [en to kairo touto] o cêntuplo [máximo rendimento de uma semente e de um capital] que Lucas, mais moderado, afirma ser muitas vezes mais, e assegurarão a vida eterna. Esta promessa de Jesus, válida para todos os tempos, tem levado muitos à vida religiosa, seja como anacoretas e cenobitas nos primeiros séculos, bem como monges e frades na idade média e finalmente como regulares e associados de institutos religiosos nos tempos modernos. E bem podemos dizer que a promessa de Jesus se cumpre, com notáveis aumentos de paz e até bem-estar na vida dos mesmos, aqui na terra. Marcos tem um inciso interessante: fora as perseguições, o que era um fato quando escreveu seu evangelho (antes dos anos 50), posterior à morte de Estêvão (40) à perseguição de Agripa (43-44) em que morre Tiago e é encarcerado Pedro. Uma outra reflexão: Para os que não acreditam no poder, ou melhor intercessão dos santos, temos aqui uma promessa formal de Jesus [o amém o indica] para os doze. Como temos indicado, eles serão os que abrem ou fecham as portas do Reino.
PISTAS:
1) Uma reflexão sobre as riquezas: que papel ou rol desempenham na minha vida? São um meio ou um fim? E dado que seja um meio, são necessárias ou simplesmente servem de ostentação e luxo? Tantas joias, tantos carros bonitos, tantos enfeites na vida, quando muitos não têm o necessário para viver, não se enquadra no mandato que Marcos destaca: não defraudarás ou despojarás o próximo do que é devido?
2) Os mandamentos: Um teólogo moderno afirma que respeitamos o amor a Deus, mas somos tremendamente irreverentes com o amor ao próximo, tanto individual como coletivamente. Como não condenar as enormes diferenças sociais que prevalecem como lacre em nossos dias? Outrora foi o problema da escravidão. Hoje é o problema da fome, da doença, da cultura.
3) Os papas falam da hipoteca social das riquezas e seguem a escritura que afirma ser dos pobres o supérfluo, seguindo o conselho de Tobias: de tudo o que te sobra dá esmola (Tb 4, 16). As riquezas não são para guardá-las no banco, mas para produzir e dar trabalho aos que não as possuem; e caso haja excedente, isso pertence aos pobres.
4) As crianças: Santa Teresinha encontrou para os tempos modernos o caminho espiritual necessário para viver a Boa Nova evangélica: o caminho da infância espiritual. Diante de Deus somos crianças e queremos ser tratados como crianças pelo Bom Deus, como ela chamava ao ser transcendente do qual dependem nossas contingências limitadas. Confiança e abandono são as melhores qualidades dos que seguem esse caminho de espiritualidade.
5) Somos crianças no meio de seres humanos que acreditam em sua maturidade. Por isso, as quedas doem, mas não machucam. Por isso, a simulação e a hipocrisia estão longe da sinceridade e espontaneidade da criança. Por isso, queremos ser acolhidos, antes que dominar e mandar.
EXCURSUS: NORMAS DA INTERPRETAÇÃO EVANGÉLICA
- A interpretação deve ser fácil, tirada do que é o evangelho: boa nova.
- Os evangelhos são uma condescendência, um beneplácito, uma gratuidade, um amor misericordioso de Deus para com os homens. Presença amorosa e gratuita de Deus na vida humana.
- Jesus é a face do Deus misericordioso que busca o pecador, que o acolhe e que não se importa com a moralidade ou com a ética humana, mas quer mostrar sua condescendência e beneplácito, como os anjos cantavam e os pastores ouviram no dia de natal: é o Deus da eudokias, dos homens a quem ele quer bem e quer salvar, porque os ama.
Interpretação errada do evangelho:
- Um chamado à ética e à moral em que se pede ao homem mais que uma predisposição, uma série de qualidades para poder ser amado por Deus.
- Só os bons se salvam. Como se Deus não pudesse salvar a quem quiser (Fará destas pedras filhos de Abraão).
Consequências:
- O evangelho é um apelo para que o homem descubra a face misericordiosa de Deus [=Cristo] e se entregue de um modo confiante e total nos braços do Pai como filho que é amado.
- O olhar com a lente da ética, transforma o homem num escravo ou jornaleiro:aquele age pelo temor, este pelo prêmio.
- O olhar com a lente da misericórdia, transforma o homem num filho que atua pelo amor.
- O pai ama o filho independentemente deste se mostrar bom ou mau. Só porque ele é seu filho e deve amá-lo e cuidar dele.
- Só através desta ótica ou lente é que encontraremos nos evangelhos a mensagem do Pai e com ela a alegria da boa nova e a esperança de um feliz encontro definitivo. Porque sabemos que estamos na mira de um Pai que nos ama de modo infinito por cima de qualquer fragilidade humana.
03.10.2021
27º Domingo do Tempo Comum — ANO B
( VERDE, GLÓRIA, CREIO – III SEMANA DO SALTÉRIO )
__ "Portanto, o que Deus uniu o homem não separe" __
OUTUBRO: MÊS DAS MISSÕES - Todos Somos Missionários
Ambientação:
Sejam bem-vindos amados irmãos e irmãs!
INTRODUÇÃO DO FOLHETO DOMINICAL PULSANDINHO: A vontade de Deus para a humanidade é que o amor seja o vínculo que une homem e mulher para a formação de uma família e, a partir dela, novos filhos para a humanidade. Esse amor não pode ser quebrado pela força humana, pois vem de Deus e tem sua vocação para Deus.
INTRODUÇÃO DO FOLHETO DOMINICAL O POVO DE DEUS: Irmãos e irmãs, somos a família de Deus reunida para bendizer ao Pai, por Jesus, nosso irmão, na força e no poder do Espírito. Nossa relação com Deus está estabelecida por uma aliança de amor que Ele celebrou com nossos antepassados e que se renova cada vez que nos aproximamos desta mesa santa e celebramos a oferta que Jesus fez de sua vida por nós.
INTRODUÇÃO DO WEBMASTER: Mais uma vez o Senhor nos reúne ao redor da mesa da Palavra e da Eucaristia. A celebração da Eucaristia é a união de todos os cristãos, em comunhão com Cristo e o Pai, na força do Espírito Santo. Hoje, de modo especial, celebramos o Mistério Pascal na ótica do amor conjugal, amor e fidelidade que envolve a vida do homem e da mulher na vida de Deus. Deus criou as pessoas para a comunhão e união, na igualdade de condições. Sem o outro, somos incompletos e inacabados. Outubro é o mês das missões, e por isso lembremo-nos sempre de que também todos nós somos missionários.
Sentindo em nossos corações a alegria do Amor ao Próximo e meditemos profundamente a liturgia de hoje!
(coloque o cursor sobre os textos em azul abaixo para ler o trecho da Bíblia)
PRIMEIRA LEITURA (Gênesis 2,18-24): - "Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que lhe seja adequada."
SALMO RESPONSORIAL 127(128): - "O Senhor te abençoe de Sião cada dia de tua vida."
SEGUNDA LEITURA (Hebreus 2,9-11): - "Por isso, (Jesus) não hesita em chamá-los seus irmãos."
EVANGELHO (Marcos 10,2-16): - "Em verdade vos digo: todo o que não receber o Reino de Deus com a mentalidade de uma criança, nele não entrará."
Homilia do Diácono José da Cruz – 27º Domingo do Tempo Comum – ANO B
"QUE O HOMEM NÃO SEPARE..."
Não há quem não goste de originalidade, é assim no mundo das artes e no processo de produção principalmente no ramo de auto peças. Peça original custa mais caro, justamente porque é original. Nas artes há o direito autoral, que visa assegurar entre outras coisas que a obra não será descaracterizada, pois caso isso venha a ocorrer, ela se torna uma falsificação e perde o seu valor.
Sobre a importância de uma peça original em um veículo, por exemplo, nem é preciso argumentar sobre a qualidade e o desempenho, além da sua vida útil, que é bem maior quando a mesma é original.
Nos anos 70, durante a “febre” dos produtos importados, quando se queria desdenhar do objeto de alguém, a gente dizia de maneira irônica que aquele objeto era do Paraguai, isso significava falsificado.
Fiz essa introdução porque me parece ser esta a “queixa” de Jesus em relação a Lei do divórcio, que tinha um embasamento religioso “no princípio Deus os fez Homem e Mulher, e o homem deixará pai e mãe, se unirá à sua mulher e os dois serão uma só carne”.
O texto é uma denúncia explícita sobre a “falsificação” que os homens fizeram da união do homem e da mulher, idealizada pelo Criador. Ás vezes deparo com casais em segunda união, cuja primeira fui eu quem assisti em nome da Igreja, que fazem questão de dizer que agora sim, são felizes. Na misericórdia ensinada por Jesus, não nos deve faltar a compreensão, mas lá no fundo eu volto aos meus tempos de jovem e digo para mim mesmo “É do Paraguai, não tem nada de original”.
Uma lei, mesmo de caráter religioso como era a Lei de Moisés, nunca poderá permitir a separação do casal, porque vai contra o Plano do Criador ao falsificar sua obra prima, tirando dela o seu traço mais original: o amor ágape, da entrega e doação um ao outro, do amor que busca o bem e a felicidade do outro, do amor capaz de renunciar-se a si mesmo, do amor que sabe ser fiel sem que isso represente um peso insuportável, do amor que busca constantemente o diálogo, a compreensão, o perdão, do amor que se alegra, que é sempre caridoso e compassivo. Essas virtudes fazem da união conjugal o sinal mais evidente do amor de Deus.
Na obra da criação nada há mais perfeito que o homem e a mulher, pois os rios, florestas, montanhas e planícies, na sua beleza e esplendor falam-nos de Deus, mas nunca serão à sua imagem e semelhança por isso, na criação do homem e da mulher, toda a obra da Criação é exaltada e atinge o seu cume.
Homem e mulher formam uma unidade perfeita, só comparável a união de Cristo e da sua Igreja, como ensina o Apóstolo Paulo. O próprio homem reconhece essa perfeição quando exclama, diante da mulher “Essa sim é osso dos meus ossos e carne da minha carne”. Jesus não só confirma a legitimidade e autenticidade dessa união, como a coloca em nível de sacramento, tornando-a um sinal do Amor de Deus. Ninguém em sã consciência faltará ao respeito para com o Pavilhão Nacional, mesmo porque se for feito em público, o transgressor sofrerá punição da Lei, é isso que Jesus coloca como exortação a todos – Por isso o Homem não separe aquilo que Deus uniu.
Os discípulos não entenderam toda a magnitude da comunhão de vida entre o homem e a mulher, e em casa falaram reservadamente ao Mestre. Jesus vai então deixar bem claro “O homem que deixar sua mulher e se unir à outra, cometerá adultério contra a primeira, e se a mulher repudia o marido e se casa com outro, comete adultério”.
Que nunca falte de nossa parte enquanto Igreja, a misericórdia e o acolhimento a tantos recasados, mas que também não falte a eles, a humildade de reconhecer que romperam um vínculo sagrado, preferindo falsificar uma união, porque não acreditaram no poder e na força da Graça que um dia receberam no altar, quando manifestaram diante de Deus a decisão de viverem juntos a vida inteira.
José da Cruz é Diácono da
Paróquia Nossa
Senhora Consolata – Votorantim – SP
E-mail jotacruz3051@gmail.com
Homilia do D. Henrique Soares da Costa – 27º Domingo do Tempo Comum — ANO B
“Promessa de Amor”
Neste domingo, a Palavra de Deus trata do matrimônio e de sua indissolubilidade. Eis aqui um tema que se tornou tabu nos tempos atuais e, por isso mesmo, precisa ser tratado com toda clareza pelos cristãos… Afinal, se o Evangelho não for sal e luz, para que serve?
Comecemos com o plano de Deus, descrito no Gênesis de modo figurado, como as parábolas que Jesus contava. São textos que não devem ser tomados ao pé da letra! Se lermos com atenção, perceberemos algo muito belo: Deus, à medida que vai criando, vê que tudo é bom… Ao criar o ser humano, vê que “era muito bom” (Gn 1,31). Mas, há algo na criação que o Senhor Deus viu que não era bom: “Não é bom que o homem esteja só”. Se o ser humano é imagem do Deus-Trindade, ele não foi criado para a solidão, mas deve viver em relação com outros: “Vou dar-lhe uma auxiliar que lhe seja semelhante”. Notemos os detalhes tão belos da criação da mulher: (1) “O Senhor Deus fez cair um sono profundo sobre Adão”. Por quê? Para ficar claro que o homem não participou da criação da mulher; esta é tão obra de Deus quanto aquele. (2) “Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. Da costela tirada de Adão, o Senhor Deus formou a mulher”. A imagem é bela: tirada do lado do homem, como companheira e igual! (3) “E Adão exclamou: ‘Desta vez sim, é osso de meus ossos e carne da minha carne!’” É a primeira vez que o homem falou, na Bíblia! E sua palavra foi uma declaração de amor… não a Deus, mas à mulher que o Senhor Deus lhe dera de presente: osso de meus ossos, carne de minha carne… parte de mim, cara metade, outro lado do meu coração! E, finalmente, o preceito de Deus, inscrito no íntimo do coração humano pelo próprio Criador: “O homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne”. Pronto! Esta é o sonho de Deus para o amor humano!
Já aqui há três observações a serem feitas: (a) o laço de amor entre o homem e a mulher é superior a qualquer outro laço, inclusive aquele que liga pais e filhos: o homem e a mulher deixarão pai e mãe para ir ao encontro de sua esposa, de seu esposo. (b) Esta união, no sonho original de Deus, envolve a pessoa toda, corpo e alma: “serão uma só carne”! É uma união completa, abrangente, total: serão um só coração, um só sonho, uma só conta bancária, uma só casa, um só futuro, um só destino! (c) A relação matrimonial, no sonho de Deus, é uma relação entre um homem e uma mulher. Por isso mesmo, jamais os cristãos poderão equiparar a união entre homossexuais ao matrimônio! O respeito às pessoas homossexuais é dever de todos nós; o respeito pela consciência dessas pessoas, que têm o direito de dar o rumo que acharem justo às suas vidas, é obrigação nossa, é gesto de amor que Jesus espera de seus discípulos. Mas, equiparar a relação matrimonial a qualquer outra relação afetiva, sobretudo homossexual, nunca! Por fidelidade a Cristo, nunca! Por respeito ao plano de Deus, jamais! Hoje, no Direito, há uma forte corrente aqui no Brasil, que considera como sendo família qualquer união simplesmente afetiva: não importa se a união é entre marido e mulher, entre amigos ou entre duas pessoas do mesmo sexo. Para nós cristãos, tal concepção é inaceitável! A família, para nós, não é uma realidade simplesmente natural, mas tem sua raiz no próprio plano de Deus. A família é uma realidade também teológica! É preciso escutar o que Deus tem a dizer sobre a família! O problema é que nossa sociedade já não é cristã; é pagã e pensa e age como pagã; é atéia e age como se Deus não existisse… Nossa sociedade acha que o homem é a medida de todas as coisas, o senhor do bem e do mal, do certo e do errado. Isso é absolutamente inaceitável para o cristão!
Agora podemos compreender a palavra de Jesus no Evangelho! Naquele tempo havia o divórcio… E Jesus, que é tão misericordioso, condena sua prática: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés” permitiu o divórcio! “No entanto, no princípio da criação Deus os fez homem e mulher… Já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!” É uma palavra que parece dura, e os próprios discípulos tiveram dificuldades em compreender… como muitíssimos a têm hoje em dia. Compreendamos! Jesus veio para reconduzir este mundo ferido pelo pecado ao plano original de Deus. Ora, o sonho de Deus para o amor conjugal é que ele seja uma entrega total e plena, no amor indissolúvel, fiel e fecundo. Este é o ideal que Jesus aponta aos seus discípulos! Na perspectiva de Jesus, o divórcio é contrário ao plano de Deus para o amor humano! Por isso mesmo, o matrimônio abraçado por um cristão e uma cristã, no Senhor Jesus, é indissolúvel! Aqui é preciso deixar claro que a Igreja não tem autoridade para ensinar ou fazer diferente! Seria trair o Senhor! Surgem, no entanto, algumas questões sérias e graves:
(1) Como prometer amor por toda a vida, se nosso coração é inconstante? Primeiramente é necessário recordar que o matrimônio cristão somente pode ser abraçado na fé, sabendo os esposos que jamais a graça de Cristo lhes faltará. Com toda certeza, o Senhor haverá de conduzir os esposos no caminho do amor. Isto, no entanto, de modo algum, dispensa os esposos de cultivarem esse amor, com o diálogo, os gestos de carinho e de perdão, de compreensão e de atenção. Amor não é só sentimento: o amor não nasce de repente, não é fatal, não é cego, nem morre de repente. O amor pode e deve ser cultivado, cuidado. Como dizia São João da Cruz: “Onde não há amor, semeia amor e colherás amor”. A grande ilusão do mundo atual é pensar que o amor se reduz a sentimento, que não precisa ser cuidado nem cultivado! Confunde-se amor com paixão!
(2) Como fazer uma aliança para sempre, se esta depende não só de mim, mas também da outra pessoa? A questão é séria e, para nós, cristãos, deve ser pensada na fé. O matrimônio entre cristãos é sinal, é sacramento, do amor entre Cristo e a Igreja. São Paulo explica este mistério de modo belíssimo no capítulo quinto da Carta aos Efésios: marido e mulher devem se amar como Cristo e a Igreja (cf. Ef 5,21-32). Ora, este amor foi selado na cruz e na ressurreição; é amor pascal, amor que envolve morte e vida! A indissolubilidade não deveria ser vista como um fardo, mas como uma proposta de um Deus que crê no homem que criou; um Deus que nunca brinca com o amor, um Deus que aposta na nossa capacidade, quando aberta à sua graça! Ora, este amor-doação matrimonial, imagem daquele outro, entre Cristo e a Igreja, certamente terá a marca da cruz. As dificuldades conjugais, para o cristão, têm o nome de cruz, cruz que, assumida com amor e por amor, é transformada em alegria e plenitude de ressurreição. Aqui não se trata somente de palavras bonitas, mas de uma realidade impressionante: quem capitula, quem desiste ante as dificuldades, nunca plantará um amor no sentido cristão! A presença de Cristo na união conjugal não exclui as crises, as dificuldades, a incompatibilidade de temperamentos e até mesmo os erros na escolha do cônjuge! Mas tudo isso, por quanto doloroso possa ser, pode se tornar, em Cristo, um modo libertador e eficaz de participar com generosidade e desapego da cruz do Senhor e caminho de felicidade! “Loucura! Insanidade! Demência!” – dirá o mundo! Mas, a linguagem da cruz é loucura para o mundo! A sabedoria da cruz é tolice para o mundo! Nunca esqueçamos isso! Mas, para quem crê, é poder de Deus e sabedoria de Deus! (cf. 1Cor 1,18; 3,18-20). O problema é que as pessoas casam como os cristãos, mas não crêem nem vivem como os cristãos! Que fique bem assentado: o sonho de Deus em Cristo para o matrimônio é a indissolubilidade!
(3) E os nossos irmãos e irmãs que fracassaram na aliança conjugal e estão numa nova união? É uma situação dolorosa. Se são cristãos de verdade, a coisa é primeiramente difícil para eles. Não nos compete julgar suas intenções e sua história! Compete-nos respeitá-los e acolhê-los com espírito fraterno, ajudando-os a viver esta nova união do melhor modo possível. Isto, no entanto, não significa aprovação da separação nem da nova união. Mas, simplesmente, respeito pela história, pela consciência e pelo mistério da vida e das opções de cada irmão e de cada irmã. Mesmo porque, quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra. Cuidado, irmãos: não coloquemos fardos na vida dos outros!
Que o Senhor socorra as famílias e fortaleça no amor os esposos cristãos, fazendo-os simples como as crianças, capazes de acolher a proposta do Cristo para o matrimônio e que, nas dificuldades, recordem-se que Cristo, autor da nossa salvação, também foi levado à consumação passando pelos sofrimentos. Que nossos sofrimentos, unidos aos dele, sejam semente e penhor de vida eterna. Amém.
D. Henrique Soares da Costa
Comentário Exegético – 27º Domingo do Tempo Comum — ANO B
(Extraído do site Presbíteros - Elaborado pelo Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
EPÍSTOLA AOS HEBREUS 2, 9-11
INTRODUÇÃO: O autor de Hebreus tem demonstrado em versículos anteriores a superioridade de Cristo sobre os anjos. Aqui nos diz que, se bem que durante sua vida terrena, foi inferior aos anjos, Ele, e não os anjos, se tornou o único mediador e pontífice, já que o sacerdote deve ser da mesma natureza que o povo; logo os anjos não podiam mediar entre Deus e os homens em ordem à salvação. O homem e o mundo estavam submetidos às leis dominadas pelos anjos, segundo o sentir da época (Cl 2, 13; Rm 3, 38 e Gl 4, 3-9). Porém, Cristo, vencedor do pecado e da morte, não está sujeito a essas leis e cedo o homem, igual que o Cristo, estará totalmente livre delas.
DIMINUÍDO E EXALTADO: Ao que, pois, um pouco [brachy<1024>=modico| em comparação dos anjos vemos diminuído [ëlattömenon<1632>=minoratus], Jesus, por causa da paixão [pathëma <3804> = passionem] da morte, em glória e honra coroado [estefanömenon<4737>=coronatum], de modo que, pela graça de Deus, no lugar de todos, gostasse a morte (9). Eum autem qui modico quam angeli minoratus est videmus Iesum propter passionem mortis gloria et honore coronatum ut gratia Dei pro omnibus gustaret mortem. DIMINUÍDO: Elattömenon <1632>particípio de Ellattoö: diminuir, tornar-se menor, minguar, decair, como vemos em Jo 3, 30: Ele deve aumentar e eu minguar. UM POUCO: é o advérbio Brachy <1024> que sai em Lc 22, 58 quando no pátio de Caifás, alguém viu (Pedro) um pouco mais tarde. O sentido do meio versículo é de que Jesus se tornou um pouco inferior aos anjos, por causa de sua humanidade, bem no sentido espacial (a terra inferior aos céus) ou no sentido temporal (durante um pouco de tempo) na sua vida temporal, como homem. Mas teve, não obstante um poder que superava o poder dos anjos, especialmente por ressuscitar mortos. PAIXÃO: A palavra Pathema<3804> significa sofrimento, padecimentos, aflições Um exemplo: Convinha que Aquele (Deus)… aperfeiçoasse por meio de sofrimentos o Autor da salvação (Hb 2, 10). E estimo que ossofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória…(Rm 8, 18). Em 1 Pd 4, 13 este fala aos fiéis que devem se alegrar na medida em que são participantes dos sofrimentos de Cristo. [as palavras sublinhadas são da mesma raiz que pathema]. Aqui Tiago envolve a morte de cruz como culminação de uma série de sofrimentos aos quais juntamente chama de Pathema. Por isso, precisamente, o Cristo foi coroado , ESTEFANÖMENON<4737>. O adjetivo sai 3 vezes no NT (2 Tm 2, 5 e Hb 2, 7 e 9). O atleta em Pedro só é corado com o louro da vitória se competir conforme às regras, e Jesus é coroado de glória (doxe a mesma de Deus) e honra (a que os homens apetecem). A glória talvez relembra o resplendor que se manifestava em Moisés quando saia da fala com Deus (Êx 34, 24). PELA GRAÇA DE DEUS: Tiago usa Charis<5485> com tradução da Vulgata por gratia. Das 130 vezes que aparece esta palavra no NT, podemos afirmar que a maioria delas pode ser traduzida por a bondosa benignidade divina para com os homens, especialmente para com os pecadores. Poderíamos, pois, traduzir esta frase pela bondade ou benevolência de Deus. Graça, em singular, refere-se sobretudo a Deus como dom que se comunica de forma múltipla ao homem: Umas vezes, é o próprio Deus, como fonte desse dom e então, é sinônimo de amor, benevolência, fidelidade (Rm 11, 6). Nesse sentido Cristo é a graça de Deus por excelência (Jo 1, 14-18). Outras, designa o dom de Deus enquanto recebido no homem e equivale a favor, bênção, vida, salvação… (Lc 1, 30). Aqui, ambos os sentidos estão unidos de modo que a benevolência divina se transforma em salvação para os homens. Como? Tiago o explica na continuação. GOSTASSE A MORTE: É a causa de sua promoção como coroado. Pela morte de cruz, Cristo foi exaltado como chefe e salvador (At 5, 31) e em Fp 2, 8: Tornou-se obediente até a morte e morte de cruz.
ATRAVÉS DOS SOFRIMENTOS: Já que convinha [eprepen<4241>=decebat] a quem pelo qual todas (as coisas) e do qual todas (as coisas) [existem], o condutor[agagonta<71>=adduxerat] de muitos filhos para a glória, aperfeiçoar [teleiösai<5048>=consumare] o autor [archëgon <747> =auctorem] da salvação deles, através de sofrimentos (10). Decebat enim eum propter quem omnia et per quem omnia qui multos filios in gloriam adduxerat auctorem salutis eorum per passiones consummare. Esta é a tradução literal, bastante confusa que para melhor entender, temos que usar parênteses e colchetes. Vamos explicar as palavras e o sentido da frase. O verbo PREPÖ <4241> significa distinguir-se, sobressair; mas, como impessoal, tem o significado de convém, é justo. AGAGONTA<71> é o particípio aoristo do verbo Agö de significado conduzir, levar, liderar, chefiar. Temos optado por um nome que substitui o verbo original: condutor, no lugar daquele que levou. TELEIOÖ<5048> É um verbo que tem vários significados: realizar, cumprir; também chegar à perfeição, tornar-se adulto. ARCHËGOS <747> que significa causa, princípio, autor. O significado da frase é: Deus é Criador de tudo e também o modelo de tudo que existe. É por isso, que Ele rematará o seu trabalho, sendo quem conduziria a muitos, como filhos, ao triunfo da glória definitiva. Por essa razão, através dos sofrimentos de Jesus, aperfeiçoou o chefe deles (Jesus) por meio desses mesmos sofrimentos. Dessa chefia de Jesus está a palavra do Salmo 8, 6 que diz: Deste-lhe domínio sobre as obras de tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste. Assim, esse Jesus pode ser chamado autor da salvação deles. A tradução livre mais correta é: era conveniente, com efeito, que aquele por quem e para quem tudo foi feito, querendo levar à glória um grande número de filhos, fizesse perfeito, mediante os sofrimentos, o chefe que devia guiá-los. Consequentemente, se Deus é o autor e modelo da criação, Jesus, não pela palavra, mas pelo sofrimento é o autor e modelo dos redimidos ou salvos.
TODOS IRMÃOS: Pois tanto o santificador [agiazön<37>=sanctificat] como os santificados, de um só todos (provêm): por causa disso não se envergonha[epaischynetai<1870>=confunditur] de chamar irmãos a eles (11). Qui enim sanctificat et qui sanctificantur ex uno omnes propter quam causam non confunditur fratres eos vocare dicens. SANTIFICADOR: Propriamente o que santifica, embora o verbo Agiazö<37> tenha o significado de consagrar, sagrar ou purificar. A ideia é de separar uma coisa ou pessoa para a divindade, pelo qual ela é considerada pura ou santa como pertencente unicamente a Deus. Um exemplo: Mt 23, 17: Qual é maior, o ouro ou o templo que santifica o ouro? Em Jo 17, 17 lemos: Consagra-os na verdade. Em Ef 5, 26 temos uma diferença entre a purificação e a consagração. Aquela precede como purificação, à consagração. Para que uma coisa ou pessoa entre a formar parte do círculo divino, deve primeiro ser purificada e então pode ser consagrada ou dedicada ao culto. Todo cristão, como em Efésios diz Paulo da Igreja a qual é seu modelo, é purificado por meio da lavagem de água e pela palavra e assim será dedicado ao culto divino. A palavra é a evangelização que é necessária para que uma criatura racional aceite a fé que precede o batismo. DE UM SÓ TODOS PROVÊM: Evidentemente, o santificador é Cristo e os santificados são os membros de sua Igreja e diz o autor que todos provêm como de um mesmo Pai. O resultado é que esse santificador, nosso Senhor Jesus, não tem inconveniente em chamar os santificados de irmãos. Assim os chamou Jesus em Mt 12, 49-50: Estendendo a mão para os discípulos, disse: eis minha mãe e meus irmãos! Porque qualquer um que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe.
CONCLUSÃO: A humilhação temporal de Cristo não afeta sua grandeza universal sobre toda criatura, de modo especial sobre os anjos. Sua autêntica grandeza está em seu rebaixamento, para poder ser sacerdote, e assim cumprir como vítima a vontade do Pai, por gostar da morte em benefício de todos (9). Porque Cristo é o primogênito, como diz Paulo, de uma nova geração que conduz, mediante o misthós [salário] de seus sofrimentos toda uma plêiade de irmãos para a glória por meio de seu triunfo na cruz. Filhos de Deus, somos verdadeiramente irmãos de Cristo, de cuja irmandade não só nós nos gloriamos, mas também constituímos a glória de Cristo.
EVANGELHO (Mc 10, 2-16) - O REPÚDIO DA MULHER
A PERGUNTA: E tendo se aproximado [proselthontes <4334>=accedentes] os fariseus [farisaioi <5339> Pharisaei] lhe perguntaram se é lícito [exestin<1832>=licet] a um esposo repudiar [apolusai<630>=dimittere] a mulher, tentando-o [peirazontes<3985>=temptantes] (2). Et accedentes Pharisaei interrogabant eum si licet viro uxorem dimittere temptantes eum. APROXIMADO: O Proselthontes<4334> é próprio de Marcos e constitui uma maneira de iniciar um novo episódio. FARISEUS<5339> pertenciam a uma seita religiosa judaica que tinham como objetivo a perfeição no cumprimento escrupuloso da Lei e das Tradições. Junto com os Grammateis [escribas] eram os mestres da Lei (Mt23,2): Os escribas e os fariseus estão sentados na cátedra de Moisés. Eram escrupulosos ao interpretar a Lei, tanto escrita como falada. Em Lc 11,38: O fariseu se admirou ao ver que não tinha lavado as mãos. É LÍCITO: Exestin<1832> cujo significado é: É lícito, ou moralmente válido, um marido repudiar sua esposa? REPUDIAR em gregoApolusai <630> palavra própria para repudiar ou se divorciar de uma esposa. Mateus acrescenta um inciso a esta pergunta, de suma importância: por qualquer motivo, causa ou acusação, que são as acepções da palavra Aitia. Era uma armadilha, mais do que uma pergunta sincera na boca de um discípulo, que carece de critérios para julgar uma situação, ou não entendeu a exposição do mestre. Era um problema discutido: Os três grandes mestres ou rabis, não discutiam a licitude do divórcio, mas a razão ou motivo do mesmo. Desde o mais restrito, Shammai, que só admitia o divórcio em caso de adultério, Hillel que admitia o repúdio por falhas no cozimento dos alimentos, queimados ou salgados demais, até Akiba que permitia a separação por ser a mulher velha e encontrar outra mais formosa. É lógico que o adultério não podia ser provado, pois do contrário a mulher seria lapidada. No caso de suspeita, segundo Nm 5, 12-24 a mulher era submetida ao rito de beber as águas amargas. Era neste caso que o marido podia dar o libelo de divórcio, em público, ou como no caso de José com Maria, em particular, que Shammai chama de libelo de divórcio antigo (Mishna, Git 8,4). No libelo público a parte essencial era: “ficas livre para te casar com qualquer homem”. O libelo público devia ser firmado por duas testemunhas e entregue nas mãos da divorciada, tendo testemunhas. Nodivórcio antigo, o libelo era entregue quando o marido ficasse a sós com ela após ter escrito o mesmo e sem testemunhas. A principal razão contra o divórcio era o pagamento da Ketubá, ou dote, por ter rejeitado a mulher, correspondente em geral a duzentos denários ou dias de trabalho, suficientes para um ano de vida independente.
A RESPOSTA: Ele, porém, tendo respondido, disse-lhes: que vos ordenou Moisés? (3). At ille respondens dixit eis quid vobis praecepit Moses. MOISÉS: Que vos ordenou Moisés? Jesus não responde diretamente, mas leva os interrogadores a dar uma resposta segundo a sua própria interpretação dos fatos. Daí o apelativo VÓS. Eles devem ser os que respondam, uma vez discernidas as palavras e interpretadas as circunstâncias.
A LICENÇA: Eles, pois, disseram: Moisés permitiu [epetrepsen<2010>=permisit] escrever um libelo [biblion<975>=libellum] de divórcio [apostasiou<64>=repudii] e repudiar [apolusai<630>=dimittere] (4). Qui dixerunt Moses permisit libellum repudii scribere et dimittere. PERMITIU: E os fariseus respondem, dizendo que Moisés permitiu, deu licença, para escrever um libelo de divórcio [Sefer <05612> kerituth <03748>] que é chamado de guet e então repudiar a mulher (Dt 24 ,1). LIBELO DE DIVÓRCIO: Não é uma ordem, mas uma licença; e Moisés exige um mandato: sem libelo não há divórcio. Existem, pois, limites e a lei não é totalmente permissiva. Na vida matrimonial a mulher tinha o direito de ser mantida pelo marido, podendo exigir sua aplicação pelos tribunais. O marido tinha que oferecer alimentação, vestido e casa e o dever conjugal. Devia cuidar dos remédios em caso de doença e do enterro, com pelo menos dois tocadores de flauta e uma carpideira. A mulher estava obrigada a obedecer ao marido como o seu dono, e o chamava de RAB: grande, mestre ou senhor. O direito ao divórcio era exclusivo da parte do varão, com raríssimas exceções. O libelo [guet] era um documento que segundo a Halaká [lei judaica] descrevia com todos os nomes conhecidos tanto os esposos como os seus parentes; e assim não existia motivo de adulteração na separação de ambos e dos deveres dos familiares. Atualmente o rabino [se considera como um ato religioso] escreve o Guet manualmente e o apresenta ao esposo. Caso coincida este nos pontos especificados, ele o entrega a sua mulher na presença do tribunal e quando o documento chega às mãos da mulher, estão considerados divorciados.
UM MAIOR APROFUNDAMENTO: E tendo respondido Jesus lhes disse: Por causa da dureza de vosso coração [sklerokardian<4641>=duritiam cordis] vos escreveu este mandato [entolën<1785>=praeceptum] (5). Quibus respondens Iesus ait ad duritiam cordis vestri scripsit vobis praeceptum istud. Jesus explica então as causas que motivaram Moisés a permitir semelhante licença e encontra unicamente uma: a visão estreita da mente dos judeus na época do legislador, a ESKLEROCARDIA<4641>, traduzida geralmente por dureza de coração e pertinácia. No lugar de coração hoje diríamos mente ou inteligência. Isto significa que, como os judeus da época não podiam entender o fato de não ser possível repudiar sua mulher, Moisés permitiu o divórcio; mas com a condição prévia de encontrar uma conduta indecente ou reprovável na mulher, que o texto dos setenta traduz por Askhemon Pragma. Esta concessão deu lugar à relaxação na interpretação nos tempos de Jesus. Em Mateus, no lugar paralelo, parece que este interpretou a “conduta sexualmente reprovável” com a palavra porneia (ver Mt 5, 32 e 19, 9), traduzida por fornicação ou relação sexual com uma prostituta (porné em grego), que, por extensão e figurativamente, se estendia à idolatria. Assim, Jesus afirma que, segundo Moisés, o libelo de repúdio só poderia ser dado quando a mulher se prostituísse, caso que as bíblias evangélicas traduzem por adultério e que poderíamos definir como conduta sexual imprópria, pois isto acarretaria também uma impureza legal que a tornava intocável. Pois a fornicação era uma infâmia que profanava a terra de Israel (Lv 18, 22-28), e a mulher repudiada era considerada contaminada para seu anterior marido (Dt 24, 4). A lei Julia romana também obriga ao repúdio da esposa adúltera. S. José (homem justo, cumpridor da Lei) devia repudiar Maria como esposa, porque o que aparecia no ventre dela não era seu. E a Lei considerava contaminada, impura, uma mulher adúltera. Como existia um adultério, Maria era impura. Ele não podia conviver com uma contaminada como vemos por Dt 24 e como não sabia como tinha acontecido, pensou em dar o libelo de divórcio, não de uma maneira formal, diante do tribunal, mas do modo antigo, em particular, entregando o guet em silêncio, sem testemunhas, mas válido como documento de separação. MANDATO: Entolë: Por ordem de prioridade distingue-seNomos<3551> [lei], Entolë <1785> [mandato] e Dogma <1378>[decreto]. O nomos procede de Deus, o entolë do legislador e o dogma do soberano imperante. Nomos era a Lei ou Torah (Mt 5, 17). Entolë os mandamentos (Mt 19, 17 e Jo 14, 15). Dogma como em Lc 2, 1 decreto do César, no caso.
NO INÍCIO: Mas desde (o) início [archës<746>=initio] da criação [ktiseös<2937>=creaturae] varão [arsen <730>=masculum] e fêmea [thëlu<2338>feminam] os fez o Deus(6). Por causa disso, abandonará [katalepsei<2641>=relinquet] o homem o seu pai e a mãe e juntar-se-á [proskollëthëtai<4347>=adherebit] a sua mulher (7). Portanto o que o Deus ajuntou o homem não separe (9). Ab initio autem creaturae masculum et feminam fecit eos Deus. Propter hoc relinquet homo patrem suum et matrem et adherebit ad uxo orem suam. quod ergo Deus iunxit homo non separet. INÍCIO: Jesus começa dizendo as mesmas palavras gregas do Gn 1, 1: em archë epoiesen o Theos [no início fez Deus]. Marcos acrescenta da criação [ktiseos]. Na realidade, ktisis é fundação, criação, criatura. Jesus cita, pois, o Gênese e o capítulo primeiro, onde encontramos as primeiras normas dos planos divinos. E, logicamente, contrapõe a lei de Moisés à lei divina, esta conhecida no Gênese, onde se podia ler que Deus os criou macho e fêmea (1, 27) para depois acrescentar: por isso deixará o homem seu pai e sua mãe e serão os dois numa única carne (eis sarka mian) (2, 24). Esta é a base para Jesus argumentar sobre a vontade de Deus que quer fazer no matrimônio de dois uma só carne, um único ser de dois, entre um homem e uma mulher e, portanto, a separação não é possível. Termina, pois, Jesus, afirmando que o que Deus uniu, o homem não pode separar. O matrimônio tem uma origem divina e, portanto, no NT é restituído a sua antiga vivência, ele é sacramento (mistérion) como afirma Paulo em Ef 5, 30-33.
POSTERIOR EXPLICAÇÃO: E em casa, de novo, os seus discípulos lhe perguntaram sobre o mesmo (10). E lhes diz: quem quer que repudie a sua mulher e casar[gamësë<1060>=duxerit] com outra, adultera [moichatai<3429>=moechatur] contra ela (11). E se a mulher repudiar seu homem e casar com outro, adultera (12). Et dicit illis quicumque dimiserit uxorem suam et aliam duxerit adulterium committit super eam. Et si uxor dimiserit virum suum et alii nupserit moechatur.Temos que explicar unicamente dois termos: GAMEÖ<1060> cujo significado é tomar como esposa, casar. Quando é a mulher, usa-se o verbo na passiva e a tradução seria ser dar em matrimônio, pois o sujeito ativo era unicamente o varão. A mulher era praticamente vendida como escrava. De fato, existe para a mulher o verbo gamizö cujo significado é dar em matrimônio. A outra palavra é MOICHAÖ <3429> termo técnico, usado para adulterar ou cometer adultério. Verbo muito diferente de porneuö<4203>com o significado de fornicar. Propriamente porneö era ter relações com uma prostituta, cujo nome em grego era pornë e o ato porneia, com porneion como prostíbulo. Já de moichaö temos moicheiacomo adultério, e moichalis ou moichetria como adúltera. Uma prostituta, não constituía impureza, caso fosse mulher israelita. Porém a prostituição estava ligada às prostitutas sagradas dos templos e, por isso, também porneia tinha o significado de idolatria. Por isso, em Ap 17, 1 Roma [a idólatra] é chamada de grande meretriz. Paulo em 1 Cor 6, 15 usa Gn 2, 24 para argumentar que o trato com uma prostituta é se unir a ela como uma só carne e que é usar o corpo, membro de Cristo, como membro de uma prostituta. Ospublicanos e as prostitutas estavam mais próximos do reino do que os escrupulosos fariseus observantes da Torah (Mt 21, 31). Nota: Mateus (19, 9) em passagem paralela tem uma exceção a esta regra que em Marcos e Lucas (5, 31) não encontramos: a não ser o caso de fornicação [porneia]. Qual o significado desta frase? A) uma prostituta é comparada com uma esposa (Paulo em 1 Cor 6, 15), portanto este caso não entra dentro da insolubilidade do matrimônio. B) Era costume entre os orientais o matrimônio entre parentes que era considerado matrimônio de porneia. Para maior inteligência ver a Nota final. ENSINO FINAL: Em casa, Jesus explica a seus discípulos a situação. Não é possível repudiar um esposo a sua mulher ou uma esposa o seu marido, pois do novo casamento se deduz adultério contra os antigos parceiros. O adúltero não é só a mulher, mas o marido também, coisa inaudita entre os judeus. Deduz-se desta lição de Jesus que no matrimônio homem e mulher têm os mesmos deveres, e que o matrimônio foi planejado por Deus como único e indivisível.
AS CRIANÇAS: E (naquela hora) lhe trouxeram criancinhas [paidia<3813>=parvulos] para que as tocasse. Mas os discípulos repreendiam os que as levavam (13). Tendo, pois, visto Jesus, indignou-se e disse-lhes: deixai os infantes vinde a mim e não os impeçais, pois dos semelhantes é o Reino de(o) Deus (14). Amém vos digo: se alguém não receber o Reino de(o) Deus como uma criancinha certamente não entrará nele (15). E tomando-as nos braços impondo-lhes as mãos as abençoava (16). Et offerebant illi parvulos ut tangeret illos discipuli autem comminabantur offerentibus. Quos cum videret Iesus indigne tulit et ait illis sinite parvulos venire ad me et ne prohibueritis eos talium est enim regnum Dei. Amen dico vobis quisque non receperit regnum Dei velut parvulus non intrabit in illud. Et conplexans eos et inponens manus super illos benedicebat eos.PAIDION<3813>: Diminutivo de Pais, este com o significado de menino ou criança. Segundo Lucas eram infantes (bréfe). É um contraste interessante ver como os discípulos que acabavam de receber uma lição de quem era o maior no Reino (Mc 9, 35-37), agora desprezam as crianças, que eram paradigma de tal ensinamento. A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS era um dever antes do sacrifício de um animal pelos pecados, transferindo os mesmos a ele (Lv 4, 13-21 e 16,21), um gesto para curar (Mc 6, 5), ou para transmitir um poder (Nm 8, 10), ou uma consagração (Nm 8, 12). Como no caso de Mc 9, 35 eram crianças muito pequenas e devemos acreditar que eram as mães que as levaram a Jesus. Toda a realidade descrita pelo evangelista relembra a cena de Jacó com os filhos de José (Gn 48, 1-18). Primeiramente Jacó os toma como filhos próprios e logo os abençoa. Jesus toma as crianças como se fossem seus próprios discípulos [chamados filhos pelos rabinos] e as abençoa, dizendo que é próprio do Reino ter semelhantes súditos, e que todo aquele que deseja entrar no Reino terá que se tornar semelhante a uma dessas crianças que em seu seio Jesus acolheu (ser discípulo de Cristo). Evidentemente não é a fragilidade física o termo de comparação, mas a fragilidade espiritual, a sua insignificância e total dependência, que excitam a misericórdia do Pai porque este é quem finalmente entrega os discípulos a seu Filho (Lc 10, 21-22 e Jo 6, 37). A este pequeno rebanho, que se torna discípulo de Jesus, foi dado o Reino, por agrado do Pai (Lc 12, 12).
PISTAS:
1 Às vezes nos identificamos com os fariseus: criticamos a Igreja atual, fazendo da crítica uma Teologia totalizante, para optar por uma Igreja modelada e de acordo com a maioria, optando por uma verdade consensual, como se estivéssemos num parlamento escolhido por votos populares. Nos novos fariseus a Torá e a Mishná (tradição) são substituídas por uma maioria totalmente manipulada pelos sofismas de liberdade e igualdade, como normas supremas e evangélicas, esquecendo-nos do que o Papa chamava de estrutura moral da liberdade.
2) Acredito em Jesus, mas não posso acreditar na Igreja. E até seus santos são vituperados porque não se entende a cruz nos tempos modernos de hedonismo e prazer sem limites. E assim nos afastamos da fonte de santidade e da doutrina da cruz, essenciais para seguir o Cristo (Mt 10, 38). Sem sacrifício não pode existir verdadeiro amor, dizia S. Genoveva Torres, a santa aleijada desde os quinze anos.
3) No matrimônio atual pretende-se viver o prazer como fim supremo e último. A procriação está subordinada às circunstâncias econômicas, sociais e hedonísticas, de tal maneira que praticamente resulta ser um acidente na união sexual, da maneira como acontece com uma amante. Por isso se pretende igualar uniões homossexuais às heterossexuais. Que diria Jesus aos jovens que hoje querem se unir e não casar?
4) Dedicação, entrega, sacrifício, responsabilidade são palavras tabu. Por isso, o amor some quando a paixão declina.
5) Os povos envelhecem porque negam o direito à vida aos novos seres e, em forma de fetos, até os suprimimos já que um filho é um castigo e não uma benção divina. O reino deve ser aceito e recebido, como uma criança aceita sua vida: confiamos na bondade do Pai e como seres indefesos, a ele entregamos nosso presente e dele esperamos nosso futuro. Como crianças, esperamos ser perdoados porque nossa fragilidade supera nossos desejos de boa vontade. Como crianças, que nada sabem, aos pés de Jesus aprendemos o verdadeiro significado de seu Reino.
NOTA: O divórcio é tratado por Jesus em quatro passagens do evangelho: Mt 5, 31-32; e 19, 3-12. Mc 10, 2-12; Lc 16, 18. De todas as passagens, deduz-se uma ideia comum: não é licito moralmente, ou seja, é pecado, repudiar a esposa. Esse pecado existe quando se toma outra mulher pelo repudiante ou outro homem toma a mulher repudiada. Essa conclusão é tão evidente que os discípulos declaram, e precisamente em Mateus, que é o único que oferece dúvidas como veremos: “Se tal é a condição (aitia)do homem com a mulher, não é conveniente se casar” (19,10). Como é Mateus o único que nas duas passagens oferece dificuldades, vamos tentar explicá-las. A dificuldade está na palavra porneia, derivada de pórne, prostituta, ou pórnos, prostituto. O dicionário define porneia como coito com prostitutas ou prostitutos. Somente tem um significado figurado quando representa a idolatria. A palavra sai 10 vezes nos evangelhos. A mais clara é de Jo 8, 41: “Nós não temos nascido da prostituição. Um pai temos, o Deus (único)”. O sentido de porneia pode resultar um tanto escuro ao afirmar Jesus que do fundo do coração nascem as prostituições (porneias) que pode ser lido em Mt 15, 9 e Mc 7, 21. Em ambos os casos porneia é acompanhada pela palavra moicheiai, que é o termo técnico para adultério. A primeira conclusão é, pois, que porneia não pode ser confundida com adultério.
A palavra moixeia, a vemos em 5 versículos dos evangelhos e todos eles com um único significado: adultério, ou seja, como encontramos em Lv 20, 10, dar o coito do esperma à mulher do vizinho.
O texto base que servia de referência é o texto Massorético de Dt 24, 1. Ele emprega as palavras “tserwath dabar” que podem ser traduzidas literalmente por “palavra de nudez”. O texto dos setenta traduz por “áskhemon pragma” que poderíamos traduzir por conduta indecorosa. As diversas traduções das bíblias modernas são: Propter aliquam foeditatem da Vulgata, (alguma coisa torpe), algo indecente (E), qualcose di sconveniente(I), qualche coisa di vergonhoso (CEI), coisa indecente (RA), algo inconveniente (Jerus), alguma coisa indecente (Lei, do Rabino Meir) e finalmente some uncleannes in her( J. K).
Mas vejamos os dois textos de difícil interpretação. Mt 5, 31 e 19, 9. Ambos respondem aos costumes da época, que Jesus repudia: No 1o (Mt 5, 31-32) Jesus se põe contrário ao que “foi dito: Qualquer que repudia sua mulher dê-lhe libelo de repúdio”. Precisamente esse libelo garantia que a mulher estava disponível e, portanto, não cometia adultério ao casar de novo; e assim o novo marido não estava sujeito à impureza (Lv 18, 20). A questão era qual era a causa suficiente para dar o libelo [guet] de modo que o primeiro marido não fosse causa de fazer com que a mulher adulterasse. Aqui, como no segundo texto, aparece a palavra porneia, que logo explicamos. O texto grego diz“parektós lógou porneías”. O logou porneia, comparado com o hebraico de Dt 24, 1 parece uma tradução literal. Podemos traduzir o parektós como “exceto no caso de”. Logos é palavra, razão, mandato; portanto a tradução seria: fora do caso de uma conduta sexualmente perversa. Nesse caso o esposo poderia dar o libelo de divórcio. Esta é a interpretação que Jesus dá ao texto de Dt 24, 1. Desse texto se serviam os escribas e fariseus para conceder o divórcio. O motivo para tal divórcio legal foi, pois, explicado por Jesus como tendo unicamente uma razão de conduta sexual imprópria por parte da mulher.
No 2o texto (Mt 19, 3-9) temos no grego as mesmas razões, sendo que parektós logou porneias, é substituído por “me epi porneia” (não sobre (a) fornicação). Ambos os textos querem dizer: quando se despede uma mulher que se comportou ou era na realidade prostituta, não se comete adultério ao dar o libelo de repúdio.
As traduções modernas de porneia em ambos os casos (Mt 5 e 19) segundo as diversas bíblias são: concubinato (E), impudicizia (I), concubinato (CEI), fornicatio (Vul), fornicação (Jerus), relações sexuais ilícitas (RA), e fornication (J K).
Vejamos as interpretações: O termo hebraico zenuth é traduzido ao grego por porneía e por fornicatio ao latim. Existiam os matrimônios chamados de fornicação(matrimônios zenuth) É o caso dos matrimônios assim chamados porque eram considerados inválidos segundo a lei e as uniões eram como as que se mantinham com uma prostituta. Por isso eram chamados de matrimônios de fornicação. Alguns deles eram nulos pela lei natural, como o efetuado entre irmãos. Eram, pois, verdadeiros concubinatos, ou incestos nalguns dos casos. Dos três casos de Zanuth admitidos pelos legistas, somente o zanuth por erro ou inadvertência é o que admite a anulação. Oshem zenuth, ou zanuth por malícia, e o derek zenuth ou por via de fornicação, eram inválidos em raiz. Os rabinos chamavam-nos derek zenuth ou caminho de fornicaçãopelo modo incorreto de realizar-se. Parece que esta é a solução mais correta. Poderia haver alguns casos em que o repúdio era lícito segundo a antiga lei?
Que coisa transforma uma mulher casada em prostituta, e o matrimônio pode ser chamado de Zenuth, para poder assim repudiá-la? 1o) Não querer ter filhos. É o caso de Onan (Gn 38, 1-11), mas do ponto de vista feminino. A conduta dessa mulher é como a das prostitutas. De fato, atualmente na lei canônica essa determinação invalida o matrimônio. 2o) Vemos um outro caso em que um homem correto e cumpridor da lei (justo) está resolvido a dar libelo de repúdio a sua esposada: é o caso de José quando descobre que Maria está grávida. Não pode provar o adultério, mas sabe perfeitamente que ele não é o pai da criatura e que segundo a lei seria um ato de impureza contínua seguir com sua prometida esposa (ver Lv 18, 20). 3o) Uma terceira causa seria ter uma outra mulher como concubina ou amante. Possivelmente, admitida a poligamia, eles eram legais; mas diante da restituição à origem, ordenada por Jesus, outras esposas eram simplesmente prostitutas.
EXCURSUS: NORMAS DA INTERPRETAÇÃO EVANGÉLICA
- A interpretação deve ser fácil, tirada do que é o evangelho: boa nova.
- Os evangelhos são uma condescendência, um beneplácito, uma gratuidade, um amor misericordioso de Deus para com os homens. Presença amorosa e gratuita de Deus na vida humana.
- Jesus é a face do Deus misericordioso que busca o pecador, que o acolhe e que não se importa com a moralidade ou com a ética humana, mas quer mostrar sua condescendência e beneplácito, como os anjos cantavam e os pastores ouviram no dia de natal: é o Deus da eudokias, dos homens a quem ele quer bem e quer salvar, porque os ama.
Interpretação errada do evangelho:
- Um chamado à ética e à moral em que se pede ao homem mais que uma predisposição, uma série de qualidades para poder ser amado por Deus.
- Só os bons se salvam. Como se Deus não pudesse salvar a quem quiser (Fará destas pedras filhos de Abraão).
Consequências:
- O evangelho é um apelo para que o homem descubra a face misericordiosa de Deus [=Cristo] e se entregue de um modo confiante e total nos braços do Pai como filho que é amado.
- O olhar com a lente da ética, transforma o homem num escravo ou jornaleiro:aquele age pelo temor, este pelo prêmio.
- O olhar com a lente da misericórdia, transforma o homem num filho que atua pelo amor.
- O pai ama o filho independentemente deste se mostrar bom ou mau. Só porque ele é seu filho e deve amá-lo e cuidar dele.
- Só através desta ótica ou lente é que encontraremos nos evangelhos a mensagem do Pai e com ela a alegria da boa nova e a esperança de um feliz encontro definitivo. Porque sabemos que estamos na mira de um Pai que nos ama de modo infinito por cima de qualquer fragilidade humana.
CAMPANHA DA VELA VIRTUAL DO SANTUÁRIO DE APARECIDA
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QUE DEUS ABENÇOE A TODOS NÓS!
Oh! meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno,
levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente
as que mais precisarem!
Graças e louvores se dê a todo momento:
ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!
Mensagem:
"O Senhor é meu pastor, nada me faltará!"
"O bem mais precioso que temos é o dia de hoje! Este é o dia que nos fez o Senhor Deus! Regozijemo-nos e alegremo-nos nele!".
( Salmos )
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