Querido amigo Demerval:
Hoje, domingo de Pentecostes, em minhas orações
matinais, meditando sobre este inefável presente de
Deus, por intercessão de Seu Filho (e nosso particular
amigo) Jesus, concluí exatamente isto: O Espírito
Santo de Deus foi um grande presente d'Ele para nós.
Um presente de amigo, sinal de Sua amizade
por todos nós: filhos e filhas de Deus e Seus irmãos!
A partir daí comecei a refletir sobre a importância
da amizade em nossas vidas, e, naturalmente, pensando na nossa
amizade (que eu também considero um grande
presente de Deus), querido Demerval, resolvi, mais
uma vez, partilhar com você - que faz parte um grupo
especial de amigos e amigas - estas minhas reflexões
que, espero, possam também lhes serem úteis.
..... Que o Espírito Santo de Deus possa, cada vez
mais, estreitar a nossa amizade, a qual eu considero também
um dom de Deus.
Kater Filho
UM PRESENTE DE AMIGO!
Refletindo
sobre o presente de Pentecostes, percebi que este foi um gesto
profundo de amizade de Jesus para com os Seus discípulos
e para todos que, por meio de seus testemunhos, viessem a
acreditar n'Ele e no Seu Evangelho, grupo seleto do qual cada
um de nós, cristãos, faz parte, portanto um
presente especial para cada um de nós!
Um gesto natural de amizade do verdadeiro
amigo, que nunca abandona os que nele confiam: “Não
vos deixarei órfãos. Voltarei a vós”.
Jo 14, 18. Jesus Ressuscitado voltou a conviver com
eles por mais 40 dias e, após ter cumprido este período,
voltou ao Pai, mas, por ação do Espírito
Santo deixado - e pela Eucaristia - permanece vivo em seus
corações.
Diante disso passei a refletir sobre a importância
da amizade entre nós, concluindo que, infelizmente,
à medida que a tecnologia e a informática, aliadas
à inteligência humana, facilitam a aproximação
das pessoas, permitindo, cada vez mais, a comunicação
entre elas, paradoxalmente as criaturas humanas sentem-se
cada vez mais sós e isoladas dentro de suas “ilhas
virtuais”.
É preocupante percebemos como, até
mesmo dentro de uma família estabilizada, a solidão
se instala na vida das pessoas. Eu e minha esposa costumamos
dizer - nos retiros que pregamos para casais por este Brasil
- que hoje a sociedade constitui “familhas”
com “ilh” no lugar de “i”
porque, na prática, são agrupamentos de pessoas
isoladas como verdadeiras ilhas.
Dizemos família arquipélago
que, na vida real, é um conjunto de ilhas que, convenientemente,
vivem sob um mesmo teto minimizando as despesas comuns, partilhando
algumas dependências da casa, mas que na verdade têm,
cada uma delas, a sua maneira particular de pensar, de agir
e de viver, não se importando muito com o que as outras
ilhas façam, desde que essas, por sua vez, também
não interfiram em sua vida pessoal. Observo o mesmo
comportamento em algumas congregações religiosas..
Ora, amigos e amigas, isto não é,
em hipótese alguma, o modelo de família (nem
de comunidade religiosa) que Deus propôs à humanidade:
um ambiente de partilha, de interação, enfim
de amizade entre os seus membros e nunca de isolamento. Este
isolamento, voluntário ou não, gera o individualismo
que rapidamente evolui para o egoísmo que, por sua
vez, bloqueia o desenvolvimento natural da amizade entre as
pessoas!
As criaturas, neste anônimo e codificado
mundo informatizado de hoje, mais do que nunca, anseiam por
amizades verdadeiras! Os papos nos chats, as organizações
virtuais tipo Orkut e outros sites, tentam, mas, felizmente,
não satisfazem a nossa necessidade de cultivarmos amizades
sérias e comprometidas. Amizades onde, pela convivência,
aprendemos a conhecer, respeitar e amar profundamente o outro!
Como é bom podermos contar com amigos
verdadeiros ao nosso lado! Amigos não têm preço,
pois uma amizade é inestimável! Assim a Palavra
de Deus, descreve a amizade: “Um amigo fiel
é uma poderosa proteção: quem o achou,
descobriu um tesouro. Nada é comparável a um
amigo fiel, nem mesmo o ouro nem a prata podem a ele ser comparados”.
Eclo 6, 14 – 15.
Depois das denominações: Deus,
pai, mãe, irmãos, irmãs, filhos e filhas,
as palavras amigos e amigas
são as que mais têm um significado especial para
todos nós, mesmo porque a amizade, em muitos momentos
de nossas vidas, chega a valer mais do que a própria
consangüinidade! Quantos de nós já não
experimentou isso?
Ora o que é um amigo? Amigo é
aquela pessoa com quem nós podemos contar em qualquer
circunstância, como dizem os noivos nas celebrações
matrimoniais: na alegria e na tristeza, na saúde e
na doença e por todos os dias de nossas vidas. Aliás,
se na vida conjugal não for cultivada uma sólida
amizade entre o casal, independentemente da atração
física e sexual, o casamento correrá sérios
riscos de naufragar durante o seu decurso...
Casais apaixonados, acima de tudo, necessitam
ser casais amigos. A amizade antecede o amor conjugal, pois
o amor sólido e verdadeiro nasce e cresce a partir
de uma sincera e gostosa amizade entre um casal. A paixão
meramente física, mais cedo ou mais tarde, arrefecerá
na vida dos cônjuges, debalde haja, da parte de ambos,
um esforço válido e necessário para manter
viva a atração sexual no casamento.
Sabemos que a natureza tem o seu ciclo evolutivo
e nós, simples mortais, por mais que nos esforcemos
na tentativa de protelar a natural falência de nossos
órgãos e sentidos, cuidando de nossa saúde,
evitando abusos desnecessários, tomando medicamentos
modernos, nos exercitando, acabamos nos rendendo à
infalível e cruel senilidade que, muitas vezes, nos
prostra e nos faz pessoas totalmente dependentes das outras...
É aí que entra a amizade que
suplanta todas as barreiras e serve, incondicionalmente, a
pessoa amiga que dela precisar. Atendendo a casais em crise,
podemos perceber nitidamente, o descuido dos conjugues quanto
ao cultivo de uma boa amizade desenvolvida paralelamente ao
desabrochar da natural paixão física e carnal.
Detectamos uma deficiência nefasta,
porém muito comum, nas relações modernas:
a grande dificuldade dos cônjuges de renunciarem, em
benefício do próprio casal, às suas vontades,
aos seus caprichos, ao seu conforto, à sua realização
profissional, às suas convicções, seus
hobbies, seus vícios, suas manias, seus desejos, seus
sonhos, enfim a tudo o que acreditam ser seus direitos.
Ainda há poucos dias vimos, noticiado
pela mídia mundial, um “relacionamento”
iniciado, e celebrado com luxo e pompas, por um famoso jogador
de futebol e uma modelo, terminar antes mesmo de se completar
três meses! A causa? Não precisaríamos
indagar, certamente estará relacionada a fatores que
apontamos no parágrafo anterior...
No fundo, no fundo mesmo, poderíamos
dizer que faltou a eles – e também a tantos casais
que se casam nos dias de hoje, sem tempo suficiente até
mesmo para se conhecerem - o desenvolvimento de uma boa amizade,
antes de haver uma conjunção física e
carnal, e o compromisso de uma união duradoura, até
que a morte os separe.
A alegação comum e freqüente,
nestes casos, é de que estes “direitos”
- os quais se recusam a renunciar - são inerentes à
sua vida, ou seja – como afirmam - são a “sua
própria vida” e, por isso, “deles não
abrem mão em hipótese alguma”, mesmo sob
o risco de destruírem os seus lares. Falta-lhes a amizade
sincera que é capaz de renunciar a tudo em benefício
da pessoa amiga. Aliás, amizade é sinônimo
de amor!
Sinônimo do mais puro amor que possa
brotar do coração humano; diríamos do
amor que mais se assemelha ao infinito e inesgotável
amor de Deus por nós, seus filhos e filhas. Do amor
que, teologicamente, identificamos como o Amor Ágape,
que quer dizer o amor incondicional, o amor sem limites, o
amor sem censuras! O Amor que Deus espargiu nos corações
humanos no dia de Pentecostes.
Este Amor - verdadeiro presente de amigo
- que o Espírito Santo de Deus derramou sobre a humanidade
se origina da videira Jesus, que, num sinal de amizade por
todos aqueles que Deus Lhe confiou, não os abandonou,
quando precisou voltar para a casa do Pai. Ao contrário,
rogou e o Pai enviou, em seu lugar, o Espírito Santo
que trouxe em seu bojo o mais puro amor que a humanidade,
até então, jamais havia experimentado!
O amor existente entre amigos verdadeiros
é o da melhor cepa, o mais puro amor, o amor que nada
exige em troca, um amor que é pura gratuidade e que
se regozija apenas ao ver a alegria e a felicidade do outro,
pelo qual nutre a amizade. Se formos buscar na Bíblia
referências para este amor, as encontraremos na primeira
Carta aos Coríntios, onde São Paulo, inspirado
pelo Espírito Santo, decodifica, em 15 gestos concretos,
o Amor Ágape.
Gestos, como poderemos verificar, comuns
entre os amigos verdadeiros. Tão comuns que nos permitem
substituir, no texto, o vocábulo amor
pela palavra amizade e que diz:
“A amizade é paciente,
a amizade é bondosa. Não sente inveja. A amizade
não é orgulhosa. Não é arrogante.
Nem escandalosa. Não busca seus próprios interesses,
não se irrita, não guarda rancor. Não
se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade.
Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera e tudo suporta.
A amizade jamais acabará”. I Cor 13, 4-8.
Diante deste sábio texto bíblico,
diríamos até, deste belíssimo poema divino,
penso ser desnecessário tecer maiores comentários
sobre a amizade, sob o risco de nos tornarmos redundantes.
Resta-nos apenas, neste dia de Pentecostes, relembrarmos que
o envio do Espírito Santo sobre nós foi, acima
de tudo, um gesto de amizade de Jesus por todos nós.
Esta Sua amizade por nós está
registrada no Evangelho de João quando, em Sua despedida,
Ele amorosamente disse aos discípulos presentes (extensivo
a nós que os sucedemos na missão): “Já
não vos chamo servos, porque o servo não sabe
o que faz o seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei
a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai. Não fostes
vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi e vos constitui
para que vades e produzais frutos e o vosso fruto permaneça”.
Jo 15, 15-16.
Obrigado Amigo, que Deus
continue abençoando você e me permitindo privar,
por muito tempo ainda nesta vida, de sua amizade sincera,
fiel e verdadeira. Você, a quem Jesus chama de amigo,
e eu considero um amigo verdadeiro, está, todos os
dias, em minhas orações!
Antonio Miguel Kater Filho
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