Querido amigo Dermeval:
Há 22 anos atrás, eu e minha
esposa Alaice, tivemos uma forte experiência de Deus,
quando de sua gravidez de nossa filha caçula, Ana Beatriz,
e, a partir daí, passamos a participar das missas e
comungarmos todos os dias, de domingo a domingo.
Desnecessário
seria dizer que, desde então, a nossa vida se transformou
radicalmente - e para melhor - graças a presença
eucarística diária de Jesus em nossos corações.
Assim a Festa de Corpus Christi (que para
mim deveria se chamar Festa de Cordis Christi)
passou a ter um significado ainda maior para nós e
para toda a nossa família.
Meditando sobre isso escrevi um texto sobre
Corpus Christi que, mais uma vez, decidi partilhar com os
meus queridos amigos e amigas. Assim, meu amigo Dermeval,
estou enviando a você este artigo que batizei com uma
frase do profeta Isaías que sempre me impressionou...
Em Cristo, vivo e presente no meio de nós
na Eucaristia!
Kater Filho
FOMOS CURADOS GRAÇAS ÀS
SUAS CHAGAS...
A Festa de Corpus Christi, além de
reafirmar que na Eucaristia recebemos verdadeiramente o Corpo
e o Sangue de Jesus, ao mesmo tempo, nos remete ao Seu Calvário
e à Sua Paixão, nos recordando que este Sacramento,
salvífico e curativo, é fruto do sofrimento
de um Deus que, todos os dias, morre de amor por nós!
E assim será até o fim dos tempos.
Sim, queridos amigos e amigas em Jesus Cristo,
a única pessoa no universo que pode afirmar concretamente:
Eu morro de amor por você, é
Jesus que, por amor, verdadeiramente, morreu por nós.
Um amor gratuito, generoso e incessante, que jorra dos altares
e sacrários em todo o mundo para curar e salvar os
que O procuram e se deixam levar por Seus ensinamentos.
Quando o profeta Isaías, inspirado
pelo Espírito Santo de Deus, setecentos anos antes
do nascimento de Jesus, proclamou que: “Fomos
curados graças às suas chagas” Is, 53,
5, talvez não imaginasse que, naquele momento,
estaria profetizando o maior dos sacramentos. O sacramento
que nos cura e nos liberta de nossos males.
Males que nós mesmos semeamos e deixamos
vicejar em nosso meio; conseqüência do mau uso
da liberdade que Deus nos deu ao nos constituir à Sua
imagem e semelhança, nos permitindo o livre arbítrio
pelo dom da razão que nos possibilita pensar, entender,
escolher e decidir por aquilo que desejarmos. Dom que nos
desatrelou de nossos instintos animais e irracionais, fazendo
de nós criaturas dotadas de uma liberdade única
e incondicional.
Mas, esta liberdade que nos foi legada por
Deus, paradoxalmente, é a causa maior do nosso sofrimento,
de nossos conflitos internos e externos, de nossas divisões,
de nossas guerras, de nossos crimes, de nossos males, de nossas
injustiças, de nossos vícios e pecados enfim,
de nossa perdição.
O primeiro ato de amor de Deus por nós:
criar-nos superiores às outras criaturas, submetendo-as
a nós ao determinar: “Que ele (o homem)
reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus,
sobre os animais domésticos e sobre toda a terra e
sobre todos os répteis que se arrastam sobre a terra”
(Gn 1, 26), tornou-se a raiz de nossa escravidão.
Por isso Deus veio ao mundo, encarnando-Se
por meio de Seu Filho Jesus, gerado especialmente para a missão
de libertar e redimir a humanidade de seu único pecado:
o pecado do mau uso da liberdade. Liberdade a ela confiada
na intenção de ser usada para que o Reino de
Deus já começasse a ser instaurado, por nossas
mãos, nesta vida, aqui na terra.
Sim, amigos e amigas, a concepção,
o nascimento, a pregação, o testemunho, a vida,
a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, aconteceram
no intento de nos resgatar do abismo tenebroso que nós
mesmos cavamos entre nós e o Criador. Um abismo que,
se, conscientemente, por ele nos embrenharmos, nos tragará
definitivamente para um local intransponível: a geena,
fogo eterno que destrói as almas que nele caem.
O sacrifício e, particularmente, a
ressurreição de Jesus, criou pontes firmes e
seguras sobre este abismo e, ao mesmo tempo, lançou
- pelas paredes e fendas deste precipício escuro -
cordas de resgate àqueles que por ele já estavam
despencando, trazendo-os de volta à luz.
Todo
o esforço de Deus para nos resgatar, representado pelo
sacrifício único e definitivo de Jesus, está
vivo e presente no meio de nós na Eucaristia que, diariamente,
podemos e devemos receber. Mas, por que, perguntariam alguns,
deveríamos receber a Eucaristia todos os dias? Não
nos basta recebê-la de vez em quando ou semanalmente,
nas missas dominicais?
A resposta está intrinsecamente ligada
às seqüelas dos inúmeros males semeados
genericamente pela humanidade, ao longo dos milênios,
enquanto caminha por este mundo! Males que, mesmo não
tendo sido gerados particularmente por nós, que procuramos
pautar nossas vidas pelos caminhos propostos por Deus, nos
atingem, nos fustigam e nos fazem sofrer!
O sacrifício de Jesus - além
de seu efeito único e definitivo de nos salvar, nos
resgatando para a eternidade - durante esta nossa vida terrestre,
nos serve de bálsamo, nos aliviando destes males. Por
isso devemos buscar a Eucaristia com a maior freqüência
possível, pois ela existe e foi instituída para
este fim, e Jesus, mais do que nós, deseja que O comunguemos!
Todas as vezes que me prostro diante do Sacrário,
fico imaginando a ansiedade de Jesus vivo, mas limitado àquele
cubículo, aguardando o momento de ir para o lugar onde
Ele deseja estabelecer definitivamente a Sua morada: um coração
humano! Um lugar onde Ele poderá expandir-Se ao infinito,
nos gestos de amor de um ser humano. Deus precisa ser comungado!
Costumo dizer que o Sacrário, por
mais digno que esteja preparado, é um local onde Deus
está apenas de passagem. Uma pousada “forçada”
e temporária até que algum coração
humano decida acolhê-Lo, permitindo que Ele possa, por
meio deste coração, Se manifestar ao mundo,
mais uma vez.
Podem até dizer que isto é
fruto de fantasias, não me importo, mas, após
o abraço da paz na missa, quando os ministros se aproximam
do Sacrário para pegar a âmbula com as partículas
consagradas, posso sentir o coração de Jesus
pulsar euforicamente, como o coração de uma
criança, ao perceber se ultimarem os preparativos da
ansiada saída para um passeio sonhado!
Imagino a alegria que invade o coração
do Mestre ao ver a longa fila de corações se
aproximando para recebê-Lo na comunhão. Corações
alegres, esperançosos, feridos, cansados, humilhados,
carentes, doentes, não importa! O que importa a Ele
é que estes corações queiram recebê-Lo,
sinceramente.
E o que importa a nós que O recebemos,
é que Ele está presente ali na Eucaristia, desde
a Sua Ressurreição, e anseia vir morar, definitivamente,
em nossos corações, para nos curar de nossos
males físicos ou psíquicos. Penso que é
isto, amigos e amigas, que devemos recordar na Festa de Corpus
Christi.
Jesus não está presente em
Corpo e Sangue na Eucaristia, somente para ser adorado, no
sacrário ou no ostensório. A razão de
Sua presença Eucarística são os nossos
males espirituais: angústias, temores, rancores, dúvidas,
remorsos, ansiedades, invejas, desejos de vingança,
depressões, entre tantos. Males que Ele quer, pelo
poder curativo de Seu Sangue, amenizar e curar!
Para que isso ocorra basta apenas que busquemos,
com fé, na Eucaristia a nossa cura espiritual, que,
dependendo da intensidade desta fé e dos desígnios
de Deus, poderá ser também cura para os nossos
males físicos.
O
sangue que verteu de Suas Chagas e está presente verdadeiramente
na comunhão que recebemos, pode de fato nos curar e
nos libertar, por isso Isaías, inspirado pelo Santo
Espírito de Deus clamou em alta voz, profetizando:
“fomos curados graças às suas
chagas” Is, 53, 5.
É por isso que eu necessito comungar
todos os dias, amenizando assim as minhas carências
e os meus males físicos e espirituais. Para mim, ao
receber a Eucaristia, eu não comungo Deus simplesmente,
mas Deus é quem me comunga, inserindo-me, pobre pecador,
em seu Mistério inefável e santo e isto, amigos
e amigas, é uma experiência mística, pessoal
e indescritível...
Que a Festa de Corpus Christi,
que deveria se chamar Festa de Cordis Christi,
possa ser para nós, católicos, mais do que a
lembrança de Sua presença real na Eucaristia.
Que seja, para todos nós, um incentivo para a buscarmos
com maior freqüência e intensidade, encontrando
nela a cura de nossos males, pois foi para isso que o Seu
precioso Sangue verteu de Suas Santas Chagas. Feliz Eucaristia,
amigos e amigas em Cristo!
Antonio Miguel Kater Filho
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