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Bíblia e, de modo especial os Evangelhos, não
descrevem certos detalhes acerca de Jesus, como por exemplo:
Ele era alto? Qual a cor de seus olhos? Esses pormenores não
interessavam aos autores daqueles livros.
Todavia, a fé possui
dentro dela um dinamismo interno que – algumas vezes
– pode nos pressionar, levando-nos ao desejo de conhecer
também pelo imaginário, detalhes como
os descritos acima.
Quantas vezes – damos
asas à sensibilidade - tentando imaginar o rosto de
Jesus, a cor de seus cabelos, ou então, a intensidade
de seu olhar, fitando-nos...
Essa situação
– quando acontece – pode dar a dimensão
do nosso afeto e do nosso desejo de estar – cada vez
mais próximo de Jesus, (uma espécie de intimidade)
- embora esses arroubos de sensibilidade
não sejam necessários para sustentar um clima
de oração ou “para medir” nossa
fé e nossa interioridade.
De Jesus - homem feito –
muito poucos sabemos. E a respeito de Jesus menino? Como terá
sido sua infância?
Vamos tomar como referência
o que diz o Evangelho de Lucas, no capítulo 2, 40-52:
“O menino
crescia e se fortalecia, cheio de sabedoria, e a graça
de Deus estava com ele.
Jesus aos doze anos
no Templo. - Todos os anos, na festa da Páscoa,
seus pais iam a Jerusalém. Quando ele completou doze
anos, subiram a Jerusalém segundo o costume da festa.
Acabados os dias de festa, quando voltaram, o menino Jesus
ficou em Jerusalém, sem que os pais o percebessem.
Pensando que estivesse na caravana, andaram o caminho de um
dia e o procuraram entre os parentes e conhecidos. Não
o achando, voltaram a Jerusalém à procura dele.
Três
dias depois o encontraram no Templo sentado no meio dos doutores,
ouvindo e fazendo perguntas. Todos que o escutavam maravilhavam-se
de sua inteligência e de suas respostas.
Quando o viram, ficaram
admirados e sua mãe lhe disse: “Filho, por que
agiste assim conosco? Olha, teu pai e eu, aflitos, te procurávamos”.
Ele respondeu-lhes: “Por que me procuráveis?
Não sabíeis que eu devia estar na casa do meu
Pai? Eles não entenderam o que lhes dizia. Depois desceu
com eles e foi para Nazaré, e lhes era submisso. Sua
mãe conservava a lembrança de tudo isso no coração”.
Jesus crescia em sabedoria, idade e graça diante de
Deus e das pessoas”.
Nesse trecho do seu Evangelho,
Lucas nos informa que Jesus acompanhou seus pais até
a cidade de Jerusalém, por ocasião da festa
da Páscoa. No caminho de volta, perceberam que Jesus
não estava na comitiva e os pais, retornando a Jerusalém,
encontram-no à porta do Templo, conversando com os
doutores da Lei, respondendo perguntas.
O Evangelista acrescenta
que todos se maravilhavam com suas respostas.
Segundo a cultura judaica
da época - “só é perfeito
o homem que observa a Lei Divina - e a
criança – porque desprovida do uso
da razão – ainda não está em condições
de fazê-lo e por isso a criança é perfeita.
É exatamente na sua
capacidade de assimilar e praticar os preceitos divinos que
ela será valorizada.
Assim, será digno
de louvor e estima – a criança – na medida
em que antecipar, na infância, as práticas religiosas
da idade adulta. E para que se chegue – a
essa situação desejável - o
principal encarregado da formação religiosa
dos pequenos, será o Pai que irá introduzir
o menino na observância dos diversos aspectos da Lei.
Logo que começar a
falar – portanto bem cedo - o Pai lhes ensinará
a recitação diária do Shemá e
da prece das Dezoito Bençãos e, quando puderem
caminhar, os levará consigo à sinagoga e, anualmente,
ao Templo de Jerusalém.
Duas vezes por dia o israelita
piedoso devia recitar essa declaração de crença
num só Deus único. A prece das Dezoito Bênçãos
devia ser recitada três vezes ao dia – pela manhã,
ao meio-dia e à tarde e não apenas pelas pessoas
do sexo masculino - como prescrito na Shemá, mas também
pelas mulheres – pelas crianças
e escravos. Por isso essa oração podia ser feita
nos mais diferentes locais, como na sinagoga, em casa, na
rua e nos campos.
Vendo isso à sua volta
o garotinho israelita - de maneira persuasiva e passo à
passo, será conduzido ao pleno cumprimento da Lei.
Podemos (por que não?)
imaginar o mesmo caminho de iniciação para o
menino de nome Jesus, filho de Maria e de José, uma
vez que sua experiência de vida em família deve
ter sido excepcional. Não só ele era filho único,
nascido milagrosamente de Maria, como seus pais foram se conscientizando
do destino misterioso reservado àquela criança.
Quem tiver, nos dias de hoje,
a oportunidade de dirigir-se a Israel, visitando pela manhã
qualquer vilarejo perdido na Samaria, percorrendo suas vielas
tortuosas e empoeiradas – fatalmente ouvirá –
uma cantilena longínqua saída de um daqueles
casebres. É um falar cadenciado e incessante –
proferido pelas crianças na escola, que repetem, destacando
bem as sílabas, frases declamadas, a exemplo do tempo
de Jesus. O vozerio dos meninos nas escolas... clima bem parecido
com aquele que Jesus respirou e viveu – no seu tempo
– A sua personalidade deve ter sido plasmada no mesmo
compasso – no vilarejo de Nazaré. Também
ali havia uma sinagoga que acolhia a comunidade em oração
aos sábados e que, durante a semana, se transformava
em escola para os meninos do local. Como todos os meninos
de sua idade - aos cinco ou seis anos - Jesus se afastava
da intimidade familiar – para freqüentar a escola
– que já naquele tempo era obrigatória.
Ali, era entregue pela mãe e confiado a austeros mestres.
Um texto rabínico registra as repercussões domésticas
da freqüência à escola, dizendo: “a
mãe se levanta de manhã cedo, lava o rosto dos
meninos antes de apresentá-lo ao professor; depois,
à Sexta hora (meio-dia) vai buscar os filhos que deixam
a escola” (Pesika R.43).
Os alunos, a exemplo do que
deve ter acontecido com Jesus, eram introduzidos desde cedo
no conhecimento do alfabeto hebraico. O professor, com um
estilete, escrevia letra após letra sobre uma pequena
tábua recoberta de cera, pronunciando distintamente
o nome de cada uma delas. Aprendidas as letras, passava-se
aos exercícios iniciais da leitura sobre o texto da
Bíblia: o professor lia cada palavra de algum versículo
do Levítico - (de fato era ali que todos deviam começar)
– e solicitava que os alunos o repetissem, em voz alta.
Poucas semanas depois , os meninos recém-acolhidos
na escola já se sentiam integrados ao grupo dos veteranos
e seguiam com estes o ciclo semanal das lições.
Durante cinco anos as aulas
consistiam – basicamente – na leitura declamada
– e repetido inúmeras vezes – da Bíblia
hebraica. O professor mostrava um versículo no manuscrito
e pedia aos alunos que o repetissem, em coro, inúmeras
vezes. Com esse sistema simples e direto em cinco anos se
aprendia toda a Bíblia. Jesus como seus contemporâneos
aprendeu, praticamente de cor, toda a Bíblia.
O escritor Flávio Josefo
- posterior a Cristo – se expressou: "Se
um de nós for perguntado sobre a Lei, está pronto
a recitá-la de cor. Na verdade nós
aprendemô-la logo que temos acesso ao uso da razão
e a levamos como que gravada na alma" –
(Contra Apião – II 18,178).
Transcorrido o período
de cinco anos – e agora os alunos com 10 e doze anos
– continuavam freqüentando a escola - também
no período da tarde – quando então a matéria
abordada era mais árida – que compreendiam o
estudo de muitas tradições e a leitura do Livro
de Moisés.
Uma antiga tradição
fixava as etapas da vida do rapaz, a saber:
A – aos cinco anos começa o estudo da Bíblia;
B – aos dez anos ele se inicia no estudo da Michna (que
é uma espécie de tradição oral
integrada à Lei escrita);
C – aos treze anos começa a observar os preceitos
da Lei;
D – aos dezoito anos tem lugar a Chuppah – que
é a celebração do matrimônio.
Aquilo que o israelita experimentava
em si, nos primeiros anos de sua vida, devia fazer-se cada
vez mais presente à sua consciência, durante
toda a vida, como incumbência e uma interpelação.
Essa entrega física
e espiritual de Jesus – talvez seja o que Lucas expressou
quando afirmou no Evangelho descrito acima que “Jesus
crescia e se fortificava, cheio de sabedoria”.
Mario Eugenio Nogueira
nogueiramario@terra.com.br
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