O
Papel da Área de Recursos Humanos na Gestão do Conhecimento
"Sem o envolvimento ativo ou mesmo a liderança dos profissionais
de RH em projetos voltados para KM, geram-se desperdícios de
recursos, tempo e credibilidade para a Gestão do Conhecimento".
Nos países mais desenvolvidos, as empresas inovadoras
compreendem melhor como o conhecimento, os ativos intangíveis
e a inovação geram valor. Nestes países há
uma compreensão muito maior que o recurso conhecimento é
o único recurso empresarial que pode gerar retornos exponenciais.
O conhecimento e os ativos intangíveis têm uma propriedade
única: são ativos que podem ser usados muitas vezes, inclusive
ao mesmo tempo, sem desgaste. Ativos como máquinas, equipamentos,
terra e mesmo dinheiro não podem ser usados simultaneamente.
No Brasil, esta coisa de “conhecimento”
ainda é tratada de forma intuitiva ou, em grande medida, tratada
como uma preocupação do RH. Isto é resultado de
anos de uma cultura, em muitas organizações, voltada para
resultados de curto prazo. No exterior, a dimensão conhecimento
é tratada de forma mais explícita, deliberada e multidimensional
nos planos e ações estratégicas das grandes organizações.
No entanto, há sinais que isto começa a mudar para melhor
por aqui.
Duas pesquisas recentes, uma publicada pela FIA-FEA-USP
e outra pela Bain & Company, mostram que as principais empresas
brasileiras estão colocando a Gestão do Conhecimento (GC)
como uma das prioridades gerenciais. A pesquisa da FIA-FEA-USP junto
a cerca de 200 profissionais de RH mostrou que GC é um dos quatro
principais princípios que devem nortear a gestão de pessoas
e que 40% das empresas pesquisadas já tinham incorporado a GC
em suas práticas gerenciais (“Para onde vai a gestão
de pessoas?”, HSM Management 44 maio-junho 2004, página
53 a 59). A pesquisa da Bain & Company, por sua vez, mostrou que
49% das empresas pesquisadas já adotavam a GC como ferramenta
gerencial (“Ferramentas para o crescimento”, HSM Management
44 maio-junho 2004, página 53 a 39 a 47). No caso da pesquisa
da FIA, 60% dos pesquisados das áreas de RH qualificaram a GC
como um processo difícil de implementar. Já no caso da
pesquisa da Bain, as empresas mostraram um alto grau de satisfação
com a GC.
As duas pesquisas, independente das metodologias adotadas
e resultados específicos, corroboram nossa percepção
que Gestão do Conhecimento já é um tema importante
para as organizações aqui no Brasil também. Nossa
percepção, por sua vez, é mais próxima à
pesquisa da FIA, que mostra um grande interesse – mas também
grande dificuldade – em obter resultados com GC e eu acrescentaria
mesmo de definir e compreender a GC. Vemos a estruturação
desta função apenas nos últimos dois ou três
anos em empresas como Siemens, Serpro, Petrobras, Aços Villares,
Camargo Correa, Copersucar, Votorantim Cimentos, etc. As grandes empresas
de consultoria, principalmente as internacionais com filiais aqui, já
têm esta função há muito mais tempo nos países
desenvolvidos e, em muitos casos, com representantes ou responsáveis
locais aqui no Brasil. No exterior este cargo já existe oficialmente
desde meados dos anos 90. Nas grandes empresas brasileiras este cargo
é ocupado por um gerente sênior. No exterior, vários
destes profissionais ocupam cargos de nível de diretor com títulos
como Chief Knowledge Office (CKO).
Os profissionais que trabalham com GC se ocupam tanto
com gestão de informações, como gestão de
aprendizado e planejamento estratégico. Neste sentido, este é
um profissional bastante especial, pois ele precisa ter uma boa noção
das principais ferramentas de informática disponíveis
(portais, gestão de documentos, e-learning, busca, etc), dos
objetivos estratégicos da organização e de práticas
e mesmo teorias sobre aprendizado e desenvolvimento de competências.
No final das contas, este é um profissional que ajuda as organizações
a gerenciar melhor seus ativos intangíveis, suas bases de conhecimento,
suas competências e a monitorar o ambiente competitivo ao tratar,
filtrar e encaminhar informações relevantes para o negócio.
O escopo do trabalho deste profissional pode se limitar a gerenciamento
de portais, bancos de dados, mapas de competência, banco de melhores
práticas ou ter uma perspectiva bastante ampla, influenciando
decisivamente os processos de inteligência competitiva, planos
de desenvolvimento de competências e mesmo o planejamento estratégico
da organização.
A gestão do conhecimento tem, pois, várias
matizes, sendo interpretada como estratégias de aprendizado (normalmente
quando a GC evoluiu a partir de um profissional ou área de GC),
uso de sistemas de informação (quando evoluiu a partir
da área de informática), aplicação de inteligência
competitiva (quando associada ao planejamento estratégico) e,
finalmente, como gestão de propriedade intelectual (quando motivada
por defesa e proteção de tecnologias e segredos de negócio).
O ideal seria integrar e articular várias destas preocupações
sem que isto signifique necessariamente centralização
em uma única pessoa ou área da organização.
Neste contexto, fica a pergunta: qual o papel do RH
nestas iniciativas? Será que é possível se tratar
do tema GC sem a participação ativa do RH? Antes de responder
a esta questão, vamos tratar de uma outra: Qual o pior estereótipo
do profissional da Área de Recursos Humanos? Resposta: é
aquele que descreve estes profissionais como psicólogas animadas
com técnicas motivacionais, preocupadas principalmente com assuntos
como clima organizacional, desenvolvimento inter-pessoal, planos de
treinamento, mas com pouquíssimas noções de como
suas empresas tornam-se competitivas, enfrentam a concorrência
ou simplesmente “ganham dinheiro”.
O parágrafo acima é raramente escrito,
embora frequentemente falado. É, ademais, arriscado e, diriam
outros, leviano e preconceituoso. Apesar disso, optamos por incluí-lo,
porque acreditamos que algumas questões merecem ser tratadas
de frente e porque todo estereótipo (do consultor, do gerente
de marketing, do engenheiro industrial, etc) traz, a nosso ver, um fundo
de verdade. Como consultores, conhecemos várias das piadas e
estereótipos que cercam nossa própria profissão.
Para falar do papel de RH na Gestão do Conhecimento
é preciso reforçar que, embora o conhecimento seja essencialmente
algo individual e que envolve tanto o lado racional, como o emotivo,
a gestão do conhecimento precisa ocorrer principalmente a partir
de contextos estratégicos e levando-se em consideração
o aprendizado coletivo e organizacional.
Não existe gestão do conhecimento de
maneira efetiva se não houver aprendizado individual e organizacional.
Os profissionais de RH têm sido, tradicionalmente, aqueles que
mais tem se preocupado com esta questão nas organizações.
São, ademais, aqueles que têm demonstrado maior interesse
pelas relações humanas e pensado de maneira mais corporativa
e menos “departamentalizada”. Estes são ativos que
estes profissionais podem e devem trazer para esforços de GC.
Gestão do Conhecimento requer, porém,
um foco em conhecimentos estratégicos, valiosos, complexos, de
difícil imitação e que, se compartilhados, gerem
eficiência operacional, proposta de valor superior aos clientes
e, em última instância, valor competitivo. Se não
forem capazes de distinguir quais são estes conhecimentos de
maneira objetiva, os profissionais de RH continuarão a tratar
a GC como uma perspectiva operacional, de treinamentos em massa e com
pouca contribuição para a sustentabilidade e adaptablidade
de suas organizações.
Por sua vez, o crescente foco na competência
é muito importante também no contexto da GC. Competência
não se ensina, competência se desenvolve a partir de experiências
individuais e coletivas (tanto as de sucesso, como as de fracasso).
Isto é tanto mais verdade, quanto mais nos referimos ao “protótipo
do knowledge worker”, trabalhadores cujo principal output de trabalho
são decisões difíceis, desenvolvimento de novas
idéias, lideranças de grandes equipes, resolução
de conflitos inter-pessoais ou negociais. É possível ensinar
de fato tais competências? Alguns treinamentos ajudam, mas é
só isso. Sob uma perspectiva de GC, muito mais importante é
abrir janelas de oportunidade para que as pessoas possam se envolver,
acompanhar, participar e atuar em contextos em que estas competências
sejam necessárias. Isto significa mobilidade de carreira, formação
de redes de aprendizado coletivo, incentivo e mesmo institucionalização
a espaços e momentos de reflexão de experiências
vividas em operações, projetos, etc. De forma complementar
e importante, significa também foco e gestão de talentos
críticos para a organização.
Os profissionais de RH precisam, cada vez mais, apagar
os vestígios dos estereótipos descritos no início
deste texto a partir de um mergulho com maior profundidade na compreensão
dos drivers do negócio de suas empresas e conseqüentemente
das reais necessidades de conhecimentos e competências específicas
para a diferenciação competitiva e excelência operacional.
Precisam, finalmente, adquirir competências e papéis mais
relevantes na condução de projetos de sistemas de informação,
colaboração e aprendizado por meio de tecnologias de informática
num contexto muito mais amplo do que o do e-learning. Sem o envolvimento
ativo ou mesmo a liderança destes profissionais em vários
dos projetos de TI voltados para GC, geram-se grandes desperdícios
de recursos, tempo e credibilidade para a gestão do conhecimento.
José Cláudio Terra é
professor de vários programas de pós-graduação
e MBA, palestrante e consultor no Canadá, nos Estados Unidos,
em Portugal, na França e no Brasil. Trabalhou como executivo
em grandes empresas de e-business e mídia, tais como: Organic,
Rogers, Globocabo e Editora Abril. Atualmente é presidente da
TerraForum Consultores.