* por Tom Coelho
* Tom Coelho, com formação em Economia
pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP, especialização
em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA-FEA/USP,
é empresário, consultor, professor universitário,
escritor e palestrante. Diretor da Infinity Consulting e Diretor Estadual
do NJE/Ciesp. Contatos através do e-mail
atendimento@tomcoelho.com.br.
Visite:
www.tomcoelho.com.br.
“Há duas espécies de cidadãos:
os ativos e os passivos.
Governantes preferem os últimos; a democracia necessita dos primeiros”.
(John Stuart Mill)
O
governo federal editou, na calada da noite de 30 de dezembro último,
mais uma Medida Provisória elevando a carga tributária
sobre as empresas. Trata-se da MP 232, através da qual a tabela
do imposto de renda pessoa física (IRPF) foi corrigida em pífios
10%, quando o correto seria um número da ordem de 57% para compensação
da inflação apurada pelo IPCA entre 1996 e 2004 (cerca
de 85%), descontado o reajuste de 17,5% realizado no início de
2002.
Para compensar a perda de arrecadação
através do IRPF, nossos egrégios governantes decidiram
elevar a contribuição social sobre o lucro líquido
(CSLL) das empresas optantes pelo regime de apuração com
base no lucro presumido, atingindo em cheio empresas prestadoras de
serviços dos mais diversos segmentos econômicos.
Se você chegou à leitura deste artigo
até aqui, dado ser tema dos mais indigestos, um alerta: não
tenho a pretensão de fazer uma análise dos erros e acertos
do atual governo. Meu olhar é outro.
Entristece-me observar a silenciosa ruptura do tecido
social em curso decorrente de decisões como esta. Estamos cometendo
um suicídio moral, institucionalizando a sonegação
fiscal, o desvio e o caixa-dois como instrumentos de sobrevivência
pessoal e corporativa. Contabilistas, advogados e auditores nunca tiveram
tanto trabalho quanto agora. O faturamento precisa ser mascarado; os
balanços, forjados; as vendas, subfaturadas. É um autêntico
“salve-se quem puder” empresarial.
Profissionais liberais barganham seus preços
furtando-se à emissão de recibos. Prestadores de serviços
fazem o mesmo com suas notas fiscais. A Economia informal cria um Brasil
paralelo, em breve, maior do que o oficial. A desobediência civil
torna-se não um atributo inerente à ganância pelo
ganho fácil, mas uma norma para a perenidade de um negócio.
Em vez de estratégias comerciais, ganhos de produtividade, capacitação
de pessoal, gestão financeira e maior competitividade, entra
em cena o planejamento tributário.
Há muita distorção em nosso país.
Vejo empresários de pequenas empresas relutarem em conceder um
aumento de R$ 50,00 no salário de um funcionário, enquanto
gastam o dobro disso com um banco apenas com tarifa para contratação
de uma operação de crédito ou, ainda pior, pagam
dez vezes este valor como custas em um cartório de protestos
para emissão de uma certidão, um pedaço de papel
revestido de “fé pública”, porque não
foi possível liquidar um título em seu vencimento.
Houve um tempo em que era mais fácil acreditar
numa instituição chamada “sociedade civil”
que, organizada, conseguia impor a vontade coletiva aos seus governantes,
porque governos foram criados, eleitos e existem para isso.
Porém, cada vez mais me convenço de que
isso tende a ser retórica de museu. Será que teremos que
voltar a 1968 para concluir aquele inacabado ano onde a “imaginação
no poder” acreditava ser capaz de promover mudanças de
fato?
Nossa juventude, herdeira de tantos avanços
tecnológicos, vivendo num mundo sem fronteiras, tem as mãos
lisas demais para pegar em armas e tem a disposição pequena
demais para se desencastelar e bradar por mudanças. Raras são
as exceções...
A continuar assim, estamos fadados a praticar a justiça
com as próprias mãos.
Eu gostaria de viver num país onde todos emitissem
orgulhosamente notas fiscais, inclusive para facilitar o gerenciamento
de suas finanças. Mas que se fizesse isso com a percepção
da incidência de uma tributação justa e com a certeza
de que os recursos angariados construíssem casas e pontes, escolas
e hospitais, empregos e cidadãos.
A sanha arrecadadora do Estado impõe gradualmente
mais obrigações aos contribuintes e ainda procura transferir-lhes
os ônus das ações sociais. Pessoas físicas
e jurídicas têm que criar campanhas para recolher agasalhos,
mantimentos e fundos para aquisição de remédios.
Construímos nossas próprias creches, contratamos planos
de saúde e de previdência privados.
O economista norte-americano Arthur Lafer desenvolveu
uma interessante tese conhecida como “Curva de Lafer”, que
analisa a relação entre o nível de arrecadação
e de tributação em uma nação. De acordo
com a teoria, a partir de um determinado ponto da curva (nível
de tributação), a elevação das alíquotas
dos tributos produz efeito inverso, isto é, a arrecadação
reduz-se proporcionalmente pelo esgotamento da capacidade contributiva.
Com uma carga tributária equivalente a quase 40% do PIB, já
ultrapassamos esta fronteira.
Nós, cidadãos brasileiros, somos todos
samurais pela capacidade ímpar de conviver com tanta adversidade
e desigualdade postulada por políticas públicas inadequadas
– ou pela ausência delas. A escolha que se nos apresenta
agora é renegar a passividade e desembainhar as espadas, insurgindo-se
contra este estado de coisas, ou apontá-las contra nosso ventre,
desferindo um golpe fatal e assumindo o anarquismo como filosofia.