* por Tom Coelho
* Tom Coelho, com formação em Economia
pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP, especialização
em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA-FEA/USP,
é empresário, consultor, professor universitário,
escritor e palestrante. Diretor da Infinity Consulting e Diretor Estadual
do NJE/Ciesp. Contatos através do e-mail
atendimento@tomcoelho.com.br.
Visite:
www.tomcoelho.com.br.
“Existe uma força vital curativa com a
qual o médico tem de contar.
Afinal, não é o médico quem cura doenças:
ele deve ser o seu intérprete.”
(Hipócrates)
Dediquei-me nas últimas semanas ao meu check-up
anual. Mens sana in corpore sano. Decerto que não se trata de
uma atividade lúdica nem tampouco prazerosa. Mas é agradável
receber resultados de exames sentenciando que você está
bem. Afinal, quem pode prescindir da saúde pública, paga
um plano de assistência médica como quem compra um jazigo:
espera postergar ao máximo o uso do benefício contratado.
A partir das diversas consultas efetuadas pude estabelecer
um padrão de comportamento entre os profissionais que me atenderam
que cunharei como “paradigmas médicos”.
O primeiro deles é de ordem educacional. Absolutamente
todos, sem exceção, recebiam-me com uma indagação
inaugural: “Qual seu problema?”. Houve variantes como “O
que você tem de errado?”, ou “O que você está
sentindo?”, esta última revestida de maior humanismo posto
que remete a um estado emocional em vez de uma constatação
objetiva.
Pode parecer curioso, mas o fato é que eles
se surpreendiam quando eu argumentava que estava apenas fazendo um check-up.
O cardiologista postulou que eu não tinha o que fazer, o urologista
supôs minha vida promíscua, e o clínico-geral imaginou
que eu apenas pretendia um atestado.
Quando você compra um carro ele sai da concessionária
com um Manual de Garantia e um Manual de Manutenção. A
vigência do primeiro depende do fiel cumprimento da cartilha do
segundo. O veículo tem data ou quilometragem certa para visitar
a oficina onde uma série de itens serão verificados. Enfim,
segundo o senso comum, carros podem e devem fazer revisões periódicas.
Já o corpo humano...
O segundo paradigma é de ordem ambiental. Os
consultórios são todos muito parecidos. Salas de espera
com uma ou mais recepcionistas robotizadas. Parecem treinadas a solicitar-lhe
um documento de identificação, a carteirinha do convênio
médico, alguns dados pessoais para registro na anamnese, oferecendo-lhe
um breve sorriso amarelo após a assinatura da guia de consulta.
Nas mesas repousam revistas velhas. As paredes são geralmente
vazias e a decoração, nula.
Mas o pior encontra-se na sala privada dos médicos.
Eles ficam postados atrás de suas mesas, sentados em cadeiras
deslizantes e com espaldar alto similar às utilizadas por presidentes
e diretores de empresas. Para o paciente, uma cadeira pequena, com encosto
baixo, desprovida de braços ou rodízios. Estabelece-se
ali um grau de separação. O tampo da mesa promove a separação
física e a diferença de altura proporcionada pelos assentos
coloca os olhos fora de alinhamento haja vista que o paciente precisa
erguer seu olhar para encontrar o de seu interlocutor.
O terceiro aspecto tem caráter profissional.
O tempo é a matéria-prima mais escassa que temos. E volátil.
Você pode desperdiçar seu tempo, pois é sua responsabilidade
fazer o que quiser com o que lhe pertence. Mas ninguém tem o
direito de dispor do tempo alheio sem prévia anuência.
Por isso, é inadmissível que médicos façam
pacientes (clientes!) aguardarem nas insípidas salas de espera
descritas acima porque atrasam no atendimento por agendarem consultas
a cada vinte minutos criando um cronograma impossível de ser
cumprido.
Também já é hora de emitirem receituários
capazes de serem lidos por pessoas apenas alfabetizadas, sem formação
acadêmica em aramaico ou conhecimento de hieróglifos.
O quarto paradigma é de ordem cultural. Grande
parte dos médicos sofre da chamada Síndrome de Deus. Acreditam-se
seres superiores, dotados de superpoderes, da capacidade singular de
curar. Têm a presunção de litigar pela vida ou pela
morte.
Senti de perto a manifestação da tal
síndrome em consulta com uma dermatologista para acompanhar a
herança genética que ataca meus cabelos. Uma senhora de
meia-idade, com títulos diversos afixados na parede e estável
financeiramente – vários eram os sinais a indicarem isso
–, atendeu-me com poucas palavras, evitando o diálogo.
Examinou-me à distância, evitando o contato físico.
Buscou a brevidade, sequiosa pelo término da consulta. Eu buscava
informação e orientação. Tive que extraí-las
a fórceps.
Esta experiência vivida no mundo da medicina
levou-me a conclusão de que, mais uma vez, temos sérios
problemas em nosso sistema educacional. Porque lá é o
berço onde todos estes paradigmas nascem e são nutridos.
As escolas de medicina precisam incluir administração
e marketing entre suas disciplinas regulares...
Médicos são formados todos os anos para
serem profissionais da saúde. Mas agem como profissionais da
morte, não da vida. Começam suas carreiras como residentes
nos hospitais, instituições destinadas a tratar de pessoas
doentes, construídas com arquitetura gélida e árida,
tomadas por um silêncio sepulcral rompido apenas pelos gritos
de dor e agonia dos internos, do choro dos parentes ou do ranger de
rodízios de macas e cadeiras que perambulam pelos corredores.
É por isso que ao migrarem dos hospitais para
os consultórios reproduzem o ambiente inóspito no qual
foram preparados e passam a questionar onde está a doença.
A herança maldita os impede de construir espaços mais
harmoniosos e agradáveis.
Imagino o dia em que as salas privadas serão
decoradas como se fossem salas de estar onde o médico atenderá
o paciente como quem recebe um novo amigo para um bate-papo. Em vez
de uma mesa de trabalho e duas cadeiras, sofás e uma mesa de
centro para duas pessoas iguais que conversarão amistosamente.
O médico recepciona seu visitante na sala de espera – esta
munida de revistas e livros para entretenimento e som ambiente –
conduzindo-o até sua sala.
A conversa segue descontraída, informal, permitindo
que o paciente sinta-se à vontade para relatar o que lhe parecer
conveniente. O quadro clínico formado é muito mais completo
e pode ensejar prescrições mais adequadas. Muitas enfermidades
têm eminentemente cunho psicológico...
Um receituário é expedido com letras
legíveis. O medicamento aviado é apresentado tecnicamente,
justificando-se sua escolha. A consulta transcorre dentro de um intervalo
de tempo adequado. Sem pressa, sem arroubos.
Por fim, que os médicos, à luz dos ensinamentos
de Hipócrates, tido como o “Pai da Medicina”, descubram,
a despeito de tudo e com a máxima urgência, que não
são deuses, mas sim, como cada um de nós, parte de Deus,
ungidos com a competência de identificar, localizar, interpretar
e ministrar o tratamento que poderá levar à cura. São
meramente instrumentos de Deus não havendo espaço para
prepotência ou arrogância. Apenas para compaixão.