* por Tom Coelho
* Tom Coelho, com formação em Economia
pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP, especialização
em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA-FEA/USP,
é empresário, consultor, professor universitário,
escritor e palestrante. Diretor da Infinity Consulting e Diretor Estadual
do NJE/Ciesp. Contatos através do e-mail
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Na mesma
mesa em que fazíamos aquelas refeições, conversamos
demoradamente. Um filho sem uma mãe, uma mãe sem um filho.
Entre lágrimas e sorrisos, pudemos nos presentear.
Helena
“Enviar uma carta é um bom meio de ir a
algum lugar
sem mover nada a não ser o coração.”
(Phyllis Theroux)
Mais um Natal passou e, a exemplo de outras pessoas,
também não o comemorei. Alguns deixam de fazê-lo
por princípios religiosos, por não comungarem das práticas
do Cristianismo. Outros, porque mesmo sendo cristãos, esquecem-se
do significado da data, convertendo-a em justificativa para a mera troca
de presentes. E há ainda aqueles para os quais o dia não
é festivo porque traz consigo a lembrança da partida de
pessoas amadas.
A noite do dia 24 de dezembro simbolizava a reunião
de meus pais, irmãs e outros poucos familiares para compartilhar
de uma refeição que minha mãe preparava com um
carinho sem igual. Lembro-me do arroz com passas, do pernil, do tender
e do lombo, além de saladas diversas e uma grande variedade de
frutas.
A mesa era preparada com esmero. Uma toalha nova com
belas estampas recobria o tampo de vidro para receber os pratos, copos
e talheres. E minha mãe, depois de finalizados todos os preparativos,
vestia sempre uma roupa leve como verão e bela como ela para
receber os convidados.
Minha mãe teve que nos deixar numa manhã
fria, cinzenta e chuvosa de um novembro. Desde então, não
há mais uma “Noite Feliz” para ser apreciada.
Na antevéspera do último Natal recebi
um telefonema surpreendente e agradável. A ligação
foi parar na caixa postal de meu celular que, por acaso, resolvi naquele
dia acessar. O correio de voz trazia uma mensagem de Dona Helena, mãe
de meu amigo Marcelo. Foram apenas dois minutos de pura sinfonia.
Freqüentei a casa de Marcelo em minha adolescência,
quando principiava no ensino médio. Éramos de classes
sociais distintas e morávamos geograficamente bastante distantes,
mas isso nunca foi empecilho para que nos tornássemos grandes
amigos. Numa época em que a internet ainda engatinhava, nossa
diversão passava por tiros com espingarda de chumbo no telhado
do vizinho para despertá-lo na calada da noite, ver e comentar
revistas eróticas adquiridas com grande constrangimento e dificuldade
nas bancas de jornal, um trago de uísque sem gelo para selar
nossa amizade.
Mas aquelas visitas guardavam ainda um momento muito
especial representado pelas refeições que fazíamos
juntos. À mesa eram preparados assentos para mim, meu amigo,
seus pais, duas irmãs e uma última cadeira que permanecia
reservada ao irmão Alexandre, que em tenra idade havia partido
em decorrência de um trágico acidente automobilístico.
Eu fitava aquela cadeira num misto de surpresa e inquietude, incompreensão
e admiração.
Mais de uma década depois a doutrina kardecista
trouxe-me algumas respostas e a leitura de um livro que abordava a perda
de um filho sob a ótica dos pais levou-me a escrever uma carta
para Dona Helena. Naquela carta, além de manifestar todo meu
carinho por sua família, eu lhe dizia que jamais poderia imaginar
a amplitude da dor de sua perda, mas que agora a incompreensão
havia partido e apenas a admiração permanecia. Foi para
comentar esta carta que Helena me telefonou naquele dia.
O resto desta estória fala sobre um encontro
que há anos não ocorria. Na mesma mesa em que fazíamos
aquelas refeições, conversamos demoradamente. Um filho
sem uma mãe, uma mãe sem um filho. Entre lágrimas
e sorrisos, pudemos nos presentear, oferecendo um ao outro, um pouco
do Natal que um dia tivemos.