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O FRANGO

* por Tom Coelho

* Tom Coelho, com formação em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP, especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA-FEA/USP, é empresário, consultor, professor universitário, escritor e palestrante. Diretor da Infinity Consulting e Diretor Estadual do NJE/Ciesp. Contatos através do e-mail atendimento@tomcoelho.com.br. Visite: http://www.tomcoelho.com.br.

Há pessoas que se sentem donas do mundo, apropriam-se de espaços e circunstâncias, julgam-se superiores, tomadas pela ausência de um senso de civilidade e sensibilidade.

O Frango

“O orgulho devora a si mesmo.”
(William Shakespeare)

Tenho o hábito de recomendar aos meus amigos que utilizem o tempo ocioso desperdiçado em filas de espera para fazer algo produtivo como, por exemplo, ler uma revista ou um livro.

Analogamente, costumo utilizar minhas viagens de avião para responder e-mails ou escrever artigos. E é apenas pela necessidade de utilizar o notebook que procuro, sempre que possível, um assento situado no corredor ou janela.

Porém, em tempos de taxa de ocupação recorde para as companhias aéreas, um vôo de Curitiba a Brasília me reservava uma experiência muito interessante, decorrente de uma poltrona central.

À minha esquerda, junto à janela, um senhor contando cerca de 45 anos, trajes e expressão simples, mãos calejadas e semblante que denunciava anos de trabalho braçal, espiava com curiosidade toda movimentação interna da aeronave. Os sinais indicavam que mais uma vez testemunhava o primeiro vôo de um passageiro.

À minha direita, adjacente ao corredor, um jovem com não mais de 30 anos. Cabelos pretos, curtos, terno igualmente preto e de bom corte, camisa alva com colarinho muito engomado e certo ar de prepotência estampado em seu olhar.

Após a decolagem, aciono o meu computador encolhendo-me, dentro do possível, naquele local confinado, reduzido ainda mais pelo passageiro à minha frente que decide reclinar sua poltrona.

Procuro de forma comedida apoiar meus cotovelos nos braços da poltrona, reservando área suficiente para que os colegas que me ladeiam também possam apoiar-se.

Mas eis que, após breves minutos, o jovem resolve reclinar sua poltrona, colocar seus óculos escuros e apoiar seus cotovelos com toda amplitude como se fora um frango batendo asas.

No decorrer do vôo, sem qualquer discrição, ele deslocou meu braço de modo a se apropriar daquele diminuto espaço. Pior ainda, mais adiante, após despertar de seu sono real, abriu sua mesa de apoio, colocando uma revista sobre a mesma, aumentando ainda mais a envergadura de suas asas.

Por um instante, ocorreu-me argumentar, talvez até discutir com o sujeito, brigando por um ambiente comum, por minha própria liberdade. Seria quase um ato de cidadania.

Mas há batalhas que não são dignas de luta. Nitidamente aquela era uma pessoa com a qual não valeria pena buscar um diálogo. A conversa com rapidez ganharia tom de discussão, ensejando um mal-estar que se prolongaria por todo o dia.

Foram menos de duas horas de vôo. Ao final, aquele senhor à minha esquerda questionou-me se deveria sair da aeronave para a conexão ao seu destino final e como faria para reaver sua bagagem. Era, de fato, seu primeiro vôo e eu o conduzi até um comissário em terra que pôde assisti-lo com gentileza.

Quanto ao ‘’frango‘’, quase ousei pedir-lhe um e-mail de contato para enviar-lhe esta crônica. Mas a arrogância de suas atitudes fez com que eu optasse por mantê-lo anônimo, na expectativa de que um dia ele possa, acidentalmente, vislumbrar-se ao ler este texto.

Há pessoas que são assim: sentem-se donas do mundo, apropriam-se de espaços e circunstâncias, julgam-se superiores, tomadas pela ausência de um senso de civilidade e sensibilidade.


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